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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Depois de Fukushima, Minamata e Hiroshima: Os anti-nucleares se radicalizam no Japão

Como pode ser que tantos japoneses comuns, dezenas de milhares de pessoas mais velhas, de jovens, de mães de família, de artistas, de intelectuais, etc, saiam às ruas todas as semanas para expressar seu desacordo com o governo à respeito da sua política nuclear? O Japan Times, jornal em língua inglesa fundado em 1897 e vinculado ao Asahi Shimbun, publicou na sua capa em 30 de julho passado a seguinte manchete: “Os manifestantes anti-nucleares rodeiam o Parlamento” (“Antinuke demonstrators encircle Diet”).

As primeiras linhas do artigo anunciavam: “Centenas, talvez milhares de pessoas, entre as quais havia cidadãos comuns e militantes anti-nucleares reuniram-se [...] em torno do Parlamento para aumentar a pressão sobre o Gabinete do primeiro-ministro [1]. Havia uma reserva prudente sobre a quantidade de manifestantes. Autocensura? Pressões de origem policial ou governamental? Alguns dias depois, em 6 de agosto, o editorial intitulava-se: “Um novo impulso para o movimento anti-nuclear (New impetus for antinuke movement). Nele se lê que todas às sextas-feiras à noite “dezenas de milhares de pessoas” se reúnem nas proximidades do Parlamento e da residência do Primeiro-Ministro, e que no dia 29 de julho eram mais de 10 mil, segundo a polícia, e 200 mil segundo os organizadores.

Até então, os raros japoneses que protestavam não ocupavam nem a metade da rua, em pequenas fileiras de quatro ou cinco pessoas por fila, e que paravam diante de cada semáforo para não interromper a circulação. Formavam uma passeata com bandeiras, mas dividida em partes e sem os menores excessos. Ao menor gesto imprevisto, a polícia intervinha duramente, batia e prendia. No dia seguinte, no melhor dos casos, podiam ser lidas algumas linhas na terceira página de alguns jornais, exceto, logicamente, as grandes manchetes do Bandeira Vermelha, o periódico do Partido Comunista Japonês. Sobre as intervenções da polícia, nenhuma palavra.

Portanto, o que está ocorrendo hoje supõe uma mudança radical. Uma comoção. É possível que essas novas mobilizações, facilitadas pela Internet e pelas redes sociais, tenham relação tanto com a inserção na memória coletiva de experiências traumáticas com a energia nuclear e suas conseqüências com Hiroshima e Nagasaki, como com a forma que o Estado tem de gerir as catástrofes provocadas pela contaminação, em particular no caso de Minamata (contaminação com mercúrio).

A energia nuclear, apesar de Hiroshima

A comemoração do bombardeio, a cada 6 de agosto, ocorreu neste ano com a presença de um neto do presidente estadunidense Harry S. Truman, a pessoa que deu a ordem de lançar a bomba. Teve encontros com as vítimas, rezou pelos mortos e se uniu à vontade de ver desaparecer todo o armamento nuclear. Ele foi convidado por Masahiro Sadako, pai da pequena Sasaki, que até sua morte com a idade de 12 anos, confeccionou incansavelmente passarinhos de papel que se transformaram no símbolo da esperança de um “nunca mais Hiroshima”. Em 1945, o povo japonês estava tão farto da guerra levada a cabo pelos governantes e de ter que morrer pelo imperador, que optou pela democracia “trazida” pelos norte-americanos.

Muitas pessoas, inclusive entre as vítimas de Hiroshima, não sabiam em quem por a culpa após os bombardeios: àqueles de quem eram reféns ou àqueles que os liberaram em meio a um banho de sangue e sofrimento? Os japoneses preferiram olhar em direção ao futuro: tratar de tentar ober apoio para aliviar a vida quotidiana dos sobreviventes e militar pela desaparição das armas nucleares. Através da sua Constituição, o Japão se proíbe empreender guerras ou ter acesso a armamento nuclear.

Apesar de tudo, o país se transformou em uma potência nuclear civil. Para isso, teve que enganar o povo, fasciná-lo com as perspectivas de crescimento econômico e fazer gastos consideráveis com comunicação para convence-lo que o átomo pela paz proposto pelos estadunidenses era uma boa opção, perfeitamente segura. Enquanto a energia nuclear civil se estabelecia, apesar dos protestos silenciados, uma certa quantidade de japoneses era vítima de contaminações industriais extremamente graves, em particular em Minamata.

Os “anos de silêncio” em Minamata

Desde 1932, nessa pequena cidade do sudoeste do Japão, a empresa química Chisso tem lançado ao mar resíduos de mercúrio, que se acumularam no leito marinho antes de serem transmitidos para a população através dos peixes dos quais ela se alimenta. Essa contaminação e suas conseqüências são conhecidas desde 1956: uma parte da população padece de problemas motores e deformações neurológicas que foram piorando ao longo do tempo. Os sucessivos governos permitiram que a empresa continuasse livremente com suas atividades, e adotaram pontualmente algumas medidas de fachada. Assim, em 1959, com grande cerimônia, foi inaugurada uma purificadora de águas, embora ela não estivesse situada no ponto principal de lançamento dos resíduos. Da mesma forma, o governo incitou a Chisso a entregar dinheiro (em conta-gotas), “por simpatia” pelas pessoas intoxicadas e reconhecidas com tais, evitando dessa maneira que a empresa e o governo fossem questionados. Dez anos de reivindicações das vítimas, de 1959 a 1968, não levaram a nada, o que lhes valerá a denominação de “anos do silêncio”. Da mesma forma, as reclamações tropeçaram com um muro de ostracismo em relação a Minamata e seus sobreviventes.

A partir de 1969, o governo finalmente muda de atitude, e em 1973 a justiça confirma a responsabilidade da Chisso. Um primeiro acordo alcançado em 1977 permitiu tomar o conhecimento de 3 mil vítimas, outro em 2005 cobriu a outras10 mil pessoas. Em 2004, o Tribunal Supremo considerou que esse último era insuficiente, e outro protocolo foi votado em 2009 que, embora estivesse muito aquém das recomendações do Tribunal, levou a que 57 mil pessoas apresentassem um processo, o dobro do máximo esperado pelo governo.

Depois da catástrofe de Fukushima

Os japoneses estão fartos. As centrais acidentadas de Fukushima estão longe de terem ficado “frias”. A 60 quilômetros delas, a radioatividade no ar supera em diversos locais as normas autorizadas para os trabalhadores da indústria nuclear. Como deixar as crianças crescerem ali sem haver preocupação com a sua saúde? Além disso, uma parte dos produtos agrícolas vendidos na região, até o chá de Shizuoka, continham doses de elementos radioativos acima das normais: a alimentação contribui para acumulação dos efeitos da radioatividade entre a população. Nem todo mundo dispõe dos recursos econômicos nem da energia necessária para abandonar a prefeitura de Fukushima, como já fizeram as 160 mil pessoas que já foram embora de lá.

Para os japoneses, ao “Hiroshima nunca mais”, é preciso acrescentar a partir de agora o “Fukushima nunca mais”. Para isso, mais vale abandonar a energia nuclear civil. Querer-se-á que os discursos sobre a segurança sejam tranqüilizadores e peremptórios, como foram no passado. O grau do tsunami ocasionado pelo terremoto estava além do imaginável: nenhum teste tinha sido feito para uma catástrofe dessas dimensões. Atualmente as autoridades concentram sua atenção nas formas de evitar os encadeamentos que se produziram em Fukushima. Mas, sem dúvida, a próxima catástrofe tomará outro caminho. Depois do acidente e das conseqüências que perduram, as compensações ainda se fazem esperar e as autoridades começam dizendo que não há vítimas, como no caso de Minamata. Ao “Minamata nunca mais”, é preciso acrescentar o “Fukushima nunca mais”.

Com tudo isso sobre suas cabeças, dois terços dos japoneses querem acabar com a energia de origem nuclear, e se esforçam para que suas vozes sejam ouvidas, com uma perseverança e uma tenacidade que deveriam obrigar as autoridades a ter em conta essa realidade. Sem dúvida, será necessário continuar e ampliar ainda mais esse movimento para que se tomem decisões que vão de encontro ao desejado pelo povo japonês. O primeiro-ministro prometeu receber alguns dos manifestantes (algo inédito na história do Japão), embora tenha prevenido que também ouvirá aos que, mantendo-se em suas posições, reclamam a reativação das centrais. Embora o Japão seja uma democracia, aqui tampouco o povo é verdadeiramente soberano.

Marc Humbert é professor da Universidade de Rennes, pesquisador do CNRS [Centro Superior de Investigações Científicas Francés] e professor convidado da Universidade Ritsumeikan, Kyoto.

Gílson Sampaio

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