A realidade da aniquilação de Sirte, a porta da África, pela OTAN - Noticia Final

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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A realidade da aniquilação de Sirte, a porta da África, pela OTAN

A Líbia e a destruição criativa

Em seu novo livro Slouching Towards Sirte, que será publicado em dezembro, Maximilian Forte questiona muitas das idéias que prevalecem, tanto na esquerda como na direita, com respeito à Líbia e os motivos por trás da intervenção da OTAN nesse país, que derrotou o governo Muhammar Kadhaffi no ano passado. Como explica Forte, a intervenção da OTAN foi preparada durante muitos anos. A OTAN, dirigida pelos EUA, aproveitou a “Primavera Árabe” e os muito reais e legítimos protestos na Líbia para realizar um desejo albergado hás tempos de livrarem-se de um governo nacionalista que tinha ajudado outras lutas de libertação nacional (como as lutas do CNA, os sandinistas e a OLP). Além disso, a Líbia sob Kadhaffi estava tendo um papel cada vez mais importante na África, e bloqueava oportunidades econômicas e de investimentos dos EUA na própria Líbia, assim como uma maior penetração na África em seu conjunto.

Certamente, o título do livro provoca a pergunta de que por que a cidade de Sirte era tão importante nessa narrativa. Como explica Forte, Sirte, além de ser a cidade natal de Kadhaffi e segunda capital da Líbia sob seu governo, durante séculos foi a porta de acesso dos potenciais invasores da África. A respeito, Forte cita o próprio Kadhaffi, que saudou os dirigentes africanos na Quinta Cume Ordinária da União Africana de 2005, descrevendo-a como a “cidade de primeira linha, por que enfrentou os ataques e resistiu durante várias campanhas coloniais que apontavam para o coração da África desde as eras romana, bizantina, turca e colonial, junto a outras incursões dos vândalos que tratavam de penetrar profundamente na campanha africana...Sirte sempre foi a primeira linha de defesa diante dessas campanhas”. Além disso, Forte relata que Sirte, a cidade onde foi fundada a União Africana em 1999, em grande parte graças ao esforço de Kadhaffi, continuou sendo uma cidade crucial de primeira linha – e certamente a capital prevista para os novos Estados Unidos da África – até que a invasão da OTAN teve lugar.

Segundo a tese de Forte, Sirte, como cidade de primeira linha, era uma importante presa simbólica e um objetivo da OTAN que, para fazer com que sua mensagem de que também estava preparando uma nova rodada de pilhagem e saque chegasse claramente à Líbia e à toda a África, trabalhou com os rebeldes anti-governamentais para arrasar a cidade. Citando David Randall, jornalista do The Independent de Londres, a respeito, Sirte “ficou sem um edifício intacto, com quase todos os prédios... pulverizados por foguetes ou morteiros, queimados e crivados, com a infraestrutura de uma cidade à qual o líder líbio dedicou milhões simplesmente deixando de existir.”

Além disso, embora a OTAN e seu coro de animadores de certas organizações ocidentais de direitos humanos afirmaram que invadiam a Líbia para proteger os civis, a população de Sirte restou dizimada na destruição da cidade. Como diz Forte:

Sirte sofreu uma catástrofe, segundo ...as descrições de numerosas testemunhas presenciais, de intermináveis filas de edifícios em chamas, cadáveres de executados que jaziam no pátio dos hospitais, fossas comuns, casas saqueadas e queimadas pelos insurgentes, edifícios de apartamentos arrasados pelas bombas da OTAN. É a verdadeira cara da “proteção aos civis”, e parecem crimes contra a humanidade. Longe da imagem romântica de toda a Líbia levantada contra o “maligno tirano”, era a cara de uma parte da Líbia destruindo a outra com a ajuda (para não dizer outra coisa) de forças estrangeiras.

E é um ponto-chave na narrativa de Forte: enquanto as ONGs de direitos humanos como a Anistia Inernacional (AI) se apressaram em pedir a ação do Conselho de Segurança da ONU para impedir uma possível matança do governo líbio em Bengasi, essas mesmas ONGs não pediram uma ação semelhante quando se destruiu Sirte, quadra após quadra, com a ajuda das mesmas forças da OTAN que ajudaram a desencadeá-la. Longe de semelhantes apelos para uma ação afirmativa da ONU, grupos como a AI emudeceram inclusive, e não criticaram essa matança, minimizando a quantidade de vítimas civis em Sirte (e na Líbia em geral), e tratando com ceticismo os relatórios sobre violações de direitos humanos em Sirte.

Enquanto a AI terminou por aplaudir a OTAN por seus presumíveis “esforços significativos para minimizar os riscos de causar baixas civis”, Forte demonstra que a OTAN e seus aliados rebeldes atacaram os civis e a infra-estrutura civil em Sirte, e que o resultado foram muitos mais civis mortos que somente “as quantidades de civis líbios [mortos] que a AI atribui à OTAN ao longo de todo o conflito. Certamente, houve muitas evidências de que houve bombardeiros da OTAN – incursões que caracterizam a típica política norte-americana de “duplo golpe”, na qual se bombardeia a zona uma vez e depois outra para matar os civis que correm ao local para resgatar os feridos e mortos depois do primeiro bombardeio -, que mataram a numerosos civis em Sirte e em outros locais de uma só vez. Contudo, outra vez grupos como a AI ficaram impassíveis.

É essa seletividade no manejo de situações reais ou ameaças aos direitos humanos – seletividade baseada em quem é o agressor e quem é o agredido – a que tem debilitado a doutrina dos direitos humanos e o sistema na qual ela opera. Como diria Noam Chomsky, quando o agressor é uma poderosa entidade ocidental como a OTAN ou algum aliado seu, suas violações dos direitos humanos não importam, e suas vítimas são, nesse caso, “indignas”. Na realidade, os civis de Sirte tiveram a má sorte de serem esse tipo de vítimas “indignas”, como os civis de Bani Walid, que recentemente tem sido atacados e sitiados pelo novo governo pró-ocidental da Líbia, e como os civis que vivem em Gaza ou os camponeses da Colômbia.

Mostrando suas cartas, os EUA, principal instigador e líder da intervenção da OTAN, não perderam tempo em chegar à Líbia depois da queda do governo de Kadaffi para recolher os despojos de guerra. Assim, em setembro de 2011, inclusive antes do violento assassinato de Kadhaffi em outubro, o embaixador Gene Cretz, dos EUA, “participou de uma conferência telefônica do Departamento de Estado com umas 150 empresas norte-americanas que esperavam fazer negócios na Líbia”. Como assinala Forte em seu livro, que sustenta que o acesso norte-americano aos investimentos em infraestrutura foi um motivo ainda maior para a intervenção do que o acesso ao petróleo, e as oportunidades de negócios discutidas para essa região foram certamente projetos de infraestrutura.

Forte prova irrefutavelmente que os EUA – apesar de uma certa melhora das relações com Kadhaffi antes do levantamento de fevereiro de 2011 -, mantinha sua frustração com o bloqueio deste aos projetos de infra-estrutura de empresas estadunidenses como Bechtel e Caterpillar, projetos que a Líbia concedeu a empresas russas, chinesas e alemãs. A invasão solucionou o problema de duas maneiras contundentes: primeiro, certamente os EUA asseguraram, mediante sua intervenção na Líbia, que uma parte substancial dos futuros projetos seria entregue a empresas norte-americanas. Contudo, a parte mais importante e mais diabólica do plano é que a própria intervenção violenta criou a necessidade dos referidos projetos de infraestrutura. Que melhor maneira de criar essa necessidade do que arrasar cidades inteiras? E, embora certamente os EUA tenham uma grande necessidade de investimentos em infraestrutura em seu próprio país (por exemplo, para impedir que cidades como Nova York afundem no mar), esses investimentos teriam a clara desvantagem de que seria necessário pagá-los com dinheiro norte-americano.

No caso da Líbia, como ocorreu no Iraque, os EUA devastaram o país, criando assim uma grande demanda de projetos de infraestrutura, e depois exigiram que o próprio país os pagasse com o dinheiro das suas receitas com o petróleo. “Capitalismo abutre” é certamente um termo demasiado elegante para esse tipo de destruição criativa, por que os abutres se alimentam de carniça que já está morta; neste caso, os EUA criam a carniça para que suas corporações se alimentem à custa dos outros. Brilhante!.

Só como exemplo, fiz uma rápida busca no Google, e encontrei um artigo de 31 de maio de 2012 de um publicação empresarial chamada Ventures, que explica que somente a General Electric “espera gerar até 10 bilhões de dólares em receitas na Líbia, já que o país norte-africano se propõe a reconstruir sua economia, infraestrutura e instituições na era pós-Kadhaffi”. O mesmo artigo explica que, “em 2011, o Departamento de Comércio e Investimentos do Reino Unido calculou que o valor dos contratos para reconstruir a Líbia em setores que vão do fornecimento de eletricidade e água à assistência em saúde e educacional ascenderá a mais de 300 bilhões de dólares nos próximos dez anos”. Continuando, o artigo cita o porta-voz da GE, que se alegra com o fato de que, depois da invasão da OTAN, “o país necessita de tudo, desenvolvimento das áreas de petróleo e gás, que criarão a riqueza para melhorar a vida das pessoas, água potável, energia confiável, um bom sistema de saúde, a construção de um sistema de transporte ferroviário e aéreo, para que a economia possa se desenvolver, e todas essas áreas de concentração são para nós na Líbia, como no Iraque”.

Além disso, uma vez eliminado o problema representado pelo líder líbio e pan-africano Muhammar Kadhaffi, a águia norte-americana e seu recém-formado Comando Central Africano (AFRICOM) se abateram sobre outras partes da África para iniciar a penetração no continente.

Citando o jornalista britânico Dan Glazebrook, Forte explica:

“Ao eliminar Muhammar Kadhaffi, o AFRICOM, na realidade, eliminou o mais encarniçado adversário do projeto... Kadhaffi terminou sua vida política como um pan-africanista devoto, e independentemente do que se pensasse sobre ele, é óbvio que não via a África como a submetida provedora de mão-de-obra barata e matérias-primas, para cuja manutenção o AFRICOM foi criado”.

Além disso, “apenas um mês após a queda de Trípoli, e no mesmo mês do assassinato de Kadhaffi, os EUA anunciaram que estavam enviando tropas a outros quatro países africanos: República Centro-Africana, Uganda, Sudão do Sul e República Democrática do Congo”. O AFRICOM anunciou também 14 importantes exercícios militares conjuntos, planejados com Estados Africanos em 2012, uma quantidade sem precedentes para essa atividade.

Pode-se dizer muito mais sobre essa terrível história da intervenção da OTAN na Líbia e na ÁFRICA, e recomendo encarecidamente que o leitor leia Slouching Towards Sirte para saber mais dos horrendos detalhes. Simplesmente terminarei este artigo dizendo que, nos tempos em que vivemos, é fundamental vigiar qualquer afirmação das potências ocidentais, especialmente dos EUA, de que vão à guerra para proteger os direitos humanos, porque quase que invariavelmente a realidade é que a guerra termina violando mais direitos humanos do que os que protege. Por desgraça, os direitos humanos se transformaram no Cavalo de Tróia que os EUA e seus aliados das ONGs utilizam para justificar as intervenções violentas em países estrangeiros. Por isso, a história do Cavalo de Tróia conduziu ao famoso dito “Temo aos gregos inclusive quando trazem presentes”, eu aconselharia as pessoas do Sul Global mais pobre o seguinte: “Temei aos ocidentais inclusive quando trazem presentes”. Certamente, Forte nos demonstra por que é preciso levar em conta esse conselho.

Daniel Kovalik é advogado sindical e da área de direitos humanos, que vive em Pittsburgh. Atualmente, leciona Direitos Humanos Internacionais na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh, nos EUA.


 Via Rebelion:http://www.rebelion.org/noticia.php?id=159636&titular=libia-y-la-destrucci%F3n-creativa-

Gílson Sampaio

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