A administração Obama divulga antecipadamente que os EUA farão um ataque militar “limitado” à Síria. Quis informar, até, para quando se pode esperar o referido ataque – mais provavelmente na 5ª-feira. Quem agora duvidará de que Obama seria estadista humano e respeitoso?
Bashar al-Assad
Por ataque “limitado”, Obama quer dizer que não atacará diretamente arsenais de armas químicas, mas só os “sistemas de entrega”; significa que só atacará a Força Aérea Síria e as unidades do Exército capazes de efetuar um ataque com armas químicas. E quem esteja no comando das forças armadas do país e, portanto, nos sistemas de “comando e controle” das forças armadas sírias, também serão alvejados.
Em suma, o plano, por trás do ataque “limitado”, é degradar as forças armadas sírias. O objetivo político é claro. A administração Obama insiste em que não se trata de ataque para “mudança de regime”. Significa que os EUA e seus aliados teriam esperança de que, submetidas à imensa pressão da morte e da destruição, as forças armadas sírias automaticamente se porão, afinal, a questionar a qualidade da liderança do presidente Bashar Al-Assad, o que, por sua vez, pode levar a golpe contra ele, o que não seria “mudança de regime”, mas, mesmo assim, seria “mudança de regime” bem satisfatória.
Donald Rumsfeld
A experiência do Iraque ensinou aos EUA sobre a importância crucial de manter intactas tanto quanto possível as estruturas e instituições do Estado – leia-se, as forças armadas, o establishment de segurança e a burocracia – em países nos quais o regime mude de mãos de acordo com a vontade dos EUA.
O risco envolvido é grande porque, implícita nessa situação está tanto o “sabido” (o que se sabe que se sabe) como o “não sabido não sabido” (o que não se sabe que não se sabe e é, portanto, desconhecido), como advertiu certa vez o antigo Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. Para citar a declaração à imprensa de Rumsfeld em fevereiro de 2002: “Há saberes conhecidos; é o que sabemos que sabemos. Há incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que não sabemos. Mas também há incógnitas que não vemos; é o que não sabemos que não sabemos”.
Rumsfeld falava então no contexto do Iraque e prognosticava que os principais perigos da confrontação vinham das “incógnitas que não vemos”, que eram ameaças de Saddam e completamente imprevisíveis.
Situação na Síria em meados de junho/2013
Primeiro: este movimento para atacar a Síria decorre de um plano mestre que os EUA (e a OTAN) mentem, desde o início, que não existiria. A arte da dissimulação, aperfeiçoada ao ponto supremo. Os EUA fizeram uma conversão abrupta na estrada que levaria a Genebra-2, sem se darem o trabalho de explicar por que, e unilateralmente concluíram, sem ter nenhuma prova real, que o governo sírio deveria ser considerado responsável pelos mais recentes ataques com armas químicas perto de Damasco.
Segundo: quando os tempos são difíceis, os EUA unem seus aliados e formam uma “coligação de vontades”. A desordem que houve entre, de um lado os EUA e de outro seus aliados do Golfo Pérsico (e Israel), sobre a mudança de regime no Egito, afinal, não passou de pequena altercação entre vendedores de mercado de peixe. Quando surge a necessidade e aparece o momento, eles infalivelmente se deslocam juntos, como lobos em alcateia.
Terceiro: os EUA interpretam unilateralmente o direito internacional e não têm pruridos para lançar ataques militares sem mandado do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Embora regidos por democracia que declara os valores da democracia “inclusiva”, os governos norte-americano agem sem qualquer atenção à opinião pública interna. Pesquisas de opinião nos EUA já mostraram que não chega a 10% a fatia dos norte-americanos que quer que seu país se envolva, seja como for, na guerra civil da Síria.
Quarto: Obama tem-se dedicado a jogar areia nos olhos da opinião pública mundial, criando a impressão de que não haveria mais “Afeganistões” e “Iraques” e que ainda cambaleia de sofrimento cada vez que chega mais um saco de cadáver, da guerra afegã, e ele tem de assinar a carta de condolências à família enlutada. A invasão dos EUA ao Iraque resultou na morte de centenas de milhares de civis inocentes, que não deixam cicatrizes na sensibilidade de Obama.
Mas a melhor e mais profunda lição que se pode extrair disso tudo, desde que os EUA começaram a contagem regressiva para atacar a Síria é outra, e exige outra pergunta: por que a Síria? Por que não a Coreia do Norte?
Coreia do Norte desfila sua força
Não é difícil responder. Como os analistas militares da CNN não se cansam de explicar, a nova guerra será operação militar sem risco de baixas norte-americanas. O ataque à Síria será encenado a partir do mar azul, com mísseis cruzadores. Não se usarão sequer aviões tripulados por norte-americanos, de medo que sejam abatidos.
Os analistas americanos explicam que as forças armadas sírias já estão super-tensas após dois anos de combate aos rebeldes por todo o país. Insistem que a Síria sequer conseguiu retaliar, contra repetidos ataques aéreos israelenses – algo impensável há apenas um par de anos. Em suma, a Síria não tem poder de dissuasão.
É onde Kim Il-Sung e Kim Jong-il mostram suas qualidades de líderes visionários. Ambos deixaram como herança ao atual governo de Kim Jong-un em Piongiang um poder de disuasão que obrigará Obama a pensar, não duas vezes, mas várias vezes, antes de atacar militarmente a Coreia do Norte. [1] E nesse ponto, exatamente, o pai de Bashar parece ter vacilado.
Kim Jong-un acena para o povo coreano (foto de 8/4/1013)
Para o Irã, doravante, tudo isso pode ser lido como peça dramática, com “moral da história”. Naturalmente, o regime iraniano observa com muito respeito e seriedade os decretos islâmicos (fatwas) que lhe vêm de seu Líder Espiritual e Supremo Líder, e que proíbem o estado de iniciar um programa para produzir armas nucleares. Mas, será sábio insistir na obediência?
Afinal de contas, é preciso primeiro estar vivo para obedecer decretos islâmicos – vale também para os persas. A questão é: o iminente ataque dos EUA à Síria deve ser escutado como estridente campainha de despertador, pelo regime iraniano. Deve despertá-lo, bem alerta, para a luta existencial que terão pela frente.
Mohamed Mossadeq
Como Teerã poderia levar a sério a palavra de Obama? Ainda na semana passada emergiu oficialmente dos materiais de arquivo dos EUA, que o golpe de 1953 contra Mohamed Mossadeq foi operação da CIA; e que os horrendos ataques com armas químicas das forças de Saddam Hussein só foram possíveis, porque Saddam contava com informações cruciais de inteligência que a CIA lhe fornecia.
O que, de tudo isso, teria mudado sob Obama? A liderança iraniana deve ponderar calmamente e coletivamente.
Seja qual for o resultado do iminente ataque dos EUA à Síria, e que está destinado a ter trágicas consequências, Teerã deve tomar uma decisão, que é crucial para salvaguardar-se contra agressão semelhante. O único meio de conseguir isso é construir para si o poder dissuasivo que a Coreia do Norte possui – e poder que mantém os predadores à distância.
A opinião pública mundial entenderá. Os mansos também têm direito moral à autodefesa – ainda que estejam longe de herdarem a terra como Deus profetizou. Essa seria, então, a mais refinada herança do governo Obama, ao mundo: um Irã nuclear.
Redecastorphoto
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