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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A vida continua em Damasco, apesar da guerra civil

Damasco

Enquanto a guerra civil grassa em torno deles, os sírios que vivem na capital Damasco continuam apoiando o presidente Bashar Assad, apesar de seus temores. Tudo que eles querem é manter seu modo de vida.

Quando a porta se abriu, após a nossa chegada para a entrevista com o presidente sírio Bashar Assad, na última quarta-feira, ele estava de pé, com os braços abertos e um sorriso no rosto. Ele nos cumprimentou da mesma forma que o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, muitas vezes recebe seus convidados, estendendo a mão direita e tocando os ombros ou os antebraços de seus interlocutores com a mão esquerda – um gesto cordial de poder.

"Que prazer", disse ele. Assad, que tem olhos azuis, cerca de 1,90 m de altura, 48 anos e é magro, estava usando um terno azul escuro, camisa de cor clara, gravata azul e sapatos pretos estilo mocassim.

Nós nos encontramos em sua casa de hóspedes em Damasco, uma construção com piso de mármore, esculturas e pinturas de bom gosto nas paredes, que ele usa como seu escritório. Havia um computador Apple em sua mesa. Na estante, livros sobre o Palácio de Topkapi, em Istambul, e sobre os "Palácios do Líbano". Na parede, pinturas feitas por seus filhos, retratando vacas em pastagens, galinhas e pintinhos e o sol nascente sobre uma paisagem verde.

"Vamos começar?", perguntou ele.

Assad, que é médico, concluiu sua pós-graduação em oftalmologia em Londres e fala um inglês perfeito. Ele entrou para o exército depois de retornar para a Síria, onde muitos o subestimaram devido ao fato de ele ser tão bem-educado e gentil. Membro da minoria alauíta, ele sucedeu seu pai, Hafez Assad, e já está no cargo há 13 anos. De acordo com documentos da embaixada dos Estados Unidos, vazados e divulgados pelo site WikiLeaks, os norte-americanos acreditam que os Assad administram a Síria como se o país fosse um negócio de família.

Agora que todas as companhias aéreas ocidentais cancelaram seus voos para a capital da Síria, a maioria das pessoas que visitaram Damasco nos últimos meses tiveram que seguir pela rota terrestre a partir de Beirute, capital do vizinho Líbano. Embora Damasco fique a apenas 150 quilômetros de Beirute, a viagem é longa, pois os militares sírios instalaram bloqueios na estrada a cada cinco quilômetros, nos quais os viajantes são convidados a sair de seus carros, abrir os porta-malas e apresentar seus documentos. Com cigarros pendendo de suas bocas, esses homens armados com Kalashnikovs têm poder absoluto sobre aqueles que entram na Síria e, acima de tudo, sobre aqueles que tentam sair.

Depois que finalmente chegamos a Damasco, passar alguns dias na capital é suficiente para alterar a nossa imagem sobre a guerra civil do país, pois os sírios veem o conflito de maneira diferente do que nós ocidentais. Eles querem preservar a vida o que têm.

Tentando preservar seu modo de vida

Durante jantares com políticos e professores, ou durante conversas nas ruas estreitas da cidade velha, todos, sem exceção, disseram ter medo dos rebeldes. Eles temem que os rebeldes sejam seguidos pelos fundamentalistas, que trarão consigo a lei da Sharia. Todas as pessoas com quem falamos disseram que desconfiam do Ocidente, onde vigora uma forma de raciocínio simplista demais. Além disso, para os sírios, os países ocidentais estabeleceram padrões morais que eles próprios não conseguem seguir. E a maioria dos entrevistados afirmou ainda que, apesar de não apoiarem Assad, eles querem preservar seu modo de vida. "Basta olhar para o que está acontecendo no Egito e na Líbia", disse um homem.

Essas discussões ajudam a explicar porque Assad tem conseguido manter-se no poder por tanto tempo. Mas a guerra civil da Síria parece diferente para aqueles que estão vivendo no centro dos conflitos. E ela também é diferente para a população de Aleppo ou para os políticos responsáveis por tomar decisões no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).

As ruas de Damasco estão cheias de pessoas fumando narguilés, cumprindo seus afazeres e sorrindo. Existem alguns moradores de Damasco que se retiraram para dentro de suas casas, e também há refugiados que vivem sob lonas na periferia da cidade e vêm para a cidade durante o dia. Ainda assim, Damasco se mantém a mesma cidade desafiadora, voraz e secular, que tem uma atmosfera jovem como Beirute. Aqui, meninas usam blusas sem mangas, a Mesquita de Umayyad brilha à luz da manhã e lingeries e sorvetes são vendidos no bazar.

No entanto, o estrondo da artilharia pode ser ouvido a partir dos subúrbios de Daraya e Jobar. No primeiro, colunas de fumaça preta podem ser vistas subindo pelo céu. No segundo, combatentes insurgentes estão supostamente escondidos, cercados por tropas do governo.

E também há pessoas como Rami, 23, que estava comemorando sua aprovação no curso de administração de empresas no Café Roma, localizado na cidade velha, com 50 amigos. Durante a festa, o DJ tocou tanto pop ocidental quanto músicas do Oriente Médio. Quando todos foram convidados a posar para uma foto de grupo, Ali, um ator, pegou o microfone do DJ e gritou: "Estamos com você, com todo o nosso sangue e as nossas almas, Bashar". E depois, ele perguntou: "O que a Síria quer?" E a multidão respondeu gritando: "Bashar!"

Nenhum sinal de tensão

Mas aqui o medo é onipresente. Talvez as pessoas estejam se acostumando com o som das explosões e, talvez, elas estejam se distanciando da guerra, mas a ameaça permanece. Segundo informações, o regime tem bombardeado de 60 a 200 locais diariamente. Os dias em que menos de 100 pessoas são mortas são considerados bons. Os moradores de Damasco sabem que a guerra está perto, e dizem temer a possibilidade de homens-bomba chegarem em breve à cidade. Eles também temem que sua cidade esteja, em breve, mais parecida com Bagdá do que com Beirute.

Um dia antes de nossa entrevista com Assad, três membros de sua equipe se reuniram conosco no Palácio Presidencial para discutir as regras do jogo. Após o ar ficar carregado com a fumaça de cigarro, eles saíram da sala. Em seguida, os membros da equipe presidencial retornaram e disseram que queriam discutir tudo o que havia acabado de ser acordado. No fim das contas, eles concordaram com uma entrevista de 90 minutos com Assad. Eles estipularam que o fotógrafo teria que apresentar suas fotos para análise prévia e que o palácio teria o direito de rejeitar todas as imagens que considerasse censuráveis. Isso é ético? A alternativa inaceitável seria um fotógrafo do regime. A equipe de Assad também insistiu que a Spiegel não publicasse nenhuma foto de vítimas de armas químicas junto com o conteúdo da entrevista. Essa foi uma condição incomum, mas não teria havido entrevista caso nós tivéssemos nos recusado a cumpri-la. A Spiegel já publicou fotos de vítimas de armas químicas, e continuará a fazê-lo, mas não com esta entrevista.

Esse encontro preliminar durou três horas, mas, ao final da conversa, não havia mais nenhuma restrição. Como é prática padrão nas entrevistas realizadas pela Spiegel, ambos os lados concordaram em permitir que o gabinete de Assad aprovasse o conteúdo da entrevista antes de sua publicação. A princípio, os sírios tentaram solicitar uma lista de perguntas, mas depois eles abandonaram essa exigência. Assad não está preocupado com perguntas difíceis, eles disseram. (Um dia depois da conversa, o palácio aprovou a entrevista sem fazer nenhuma alteração).

Será que Assad ouve os bombardeios por trás de suas janelas de vidro grosso e dos pesados blocos de mármore? No início de 2011, ele disse que a Síria era "imune" às insurreições revolucionárias, e que ele se sentia "muito próximo" de seu povo. Agora, ele provavelmente está muito mais perto do abismo, mas, em tempos de crise, a vida no palácio geralmente parece muito mais distante da vida no mundo externo do que em tempos de paz.

Durante a entrevista, Assad falou de maneira calma e com voz baixa, escolhendo suas palavras com cuidado. Ele sorriu quase sem parar e não havia nada em seu rosto ou em seus gestos que revelasse sinais de tensão. Seus pés estavam virados para dentro e os joelhos estavam bem juntos e pressionados.

O Informante

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