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terça-feira, 26 de agosto de 2014

Conversações de Minsk sobre a Ucrânia: construídas no capricho

Vladimir Putin e Angela Merkel
A missão da chanceler alemã Angela Merkel em Kiev não foi nada fácil. Merkel foi fortemente pressionada por Barack Obama, ainda na véspera de ela viajar. É óbvio que os EUA sentem-se deixados de lado nos esforços para fazer a paz.

Washington condenou imediatamente a decisão do Kremlin, de ignorar a tática de adiamento dos EUA no Conselho de Segurança e fazer chegar o comboio de ajuda humanitária às populações no leste da Ucrânia. Para os EUA, teria havido “violação da lei internacional”; e o Gabinete de Imprensa de Obama “exigiu” que o comboio de caminhões russos retornasse à Rússia (de fato, o comboio já havia descarregado seus produtos e já havia retornado, quando da “exigência” dos EUA).

Mas Merkel, mesmo pressionada, deu andamento à sua missão. A escolha da data, 23/8/2014, para visitar Kiev, foi, sim, planejada – e muito simbólica. Merkel lembrou publicamente que um chanceler alemão visitara a Ucrânia nesse mesmo dia e mês, em momento muito importante da história, o que mostra o quanto as coisas mudaram desde o pacto de não agressão Molotov-Ribbentrop, de 23/8/1939.

Moscou ficará muito satisfeita com o resultado da missão de Merkel. Ela reafirmou enfaticamente a importância das conversações em Minsk, na 3ª-feira (23/8/2014), entre Putin da Rússia e Poroshenko da Ucrânia; falou da absoluta necessidade de um cessar-fogo no leste da Ucrânia; e, mais importante, falou da necessidade de se introduzirem mudanças na Constituição da Ucrânia, para dar autonomia ao leste da Ucrânia. Quanto a isso, há identidade de visão entre Moscou e Berlim.

As palavras da chefe da política exterior da União Europeia Catherine Ashton chegam também em boa hora e são muito significativas: ela lembrou a Poroshenko que, nas conversações de Minsk, a Ucrânia precisa ter boas relações com seus vizinhos russos.

O inverno de Minsk "esfriará" Poroshenko?
O cenário para essas conversações de Minsk parece promissor. Claro, não se espera qualquer solução definitiva, como Merkel fez questão de sinalizar, mas é provável que se obtenha um cessar-fogo nas operações militares no leste da Ucrânia – que é o que a Rússia mais deseja. Merkel falou várias vezes da importância do cessar-fogo.

Poroshenko, que todos os dias é pressionado pelo Vice-Presidente Joe Biden dos EUA para que prossiga com as operações militares no leste da Ucrânia, já começa a sentir que o conflito está ficando sangrento “demais”, e que é de seu próprio interesse, com vistas às eleições parlamentares de outubro, criar atmosfera mais calma no país. Em resumo, como comentaristas sugerem, as coisas estão, de certo modo, em delicados pés de igualdade.

Mas a grande pergunta persiste. Será que os EUA desistirão de tentar sabotar todo o processo de Minsk? Muito claramente, é escandalosamente desprestigioso para os EUA terem sido deixados do lado de fora, só espiando pelas frestas. Mas fato é que os EUA pediram para serem assim castigados; uma correção de rota os ajudaria muito.

Muitos especialistas concordam que os três pressupostos sobre os quais as políticas dos EUA foram erigidas já se comprovaram delirantes – que Putin ficaria “isolado” e se renderia ao diktat do ocidente; que as sanções apavorariam o Kremlin e o levariam a pedir socorro ao titio [Sam]; e que os militares ucranianos conseguiriam rapidamente controlar todo o leste da Ucrânia.

A parte mais triste é que os EUA nada conseguiram – absolutamente nada – que interesse à “democracia” por terem derrubado o governo eleito de Viktor Yanukovich. Um conjunto de oligarcas detestados foi substituído por outro bando deles, igualmente repulsivos. Em palavras simples, os oligarcas continuam mandando e desmandando na Ucrânia; a diferença, para pior, é que, dessa vez, o ocidente tem de carregar a lata de minhocas.

Não há dúvidas de que a Ucrânia ficará na história como um dos fracassos mais bizarros do governo de Barack Obama. Mas as raízes são profundas e, se se pode responsabilizar diretamente alguém, o responsável é menos o próprio Obama que o dueto formado pelo ex-presidente Bill Clinton e seu famoso “auxiliar russo” (e colega dos dias de Oxford) Strobe Talbott. Esses dois, sim, detonaram completa e profundamente as infinitas possibilidades da era pós-Guerra Fria para criar uma ordem mundial harmoniosa.


O conhecido professor e especialista em Rússia da Chicago University, Professor John Mearsheimer publicou ensaio brilhante intitulado Why the Ucrânia Crisis Is the West’s Fault: The Liberal Delusions That Provoked Putin na edição de Foreign Affairs que está nas bancas, traçando, de uma perspectiva histórica, o contexto imediato da Ucrânia pelo qual a gangue Clinton-Talbott na Casa Branca é responsável pela crise de hoje.

Mearsheimer cita ninguém menos que uma figura icônica da era soviética, o professor e diplomata George Kennan, que alertou contra a iniciativa desastrosa de Talbott para estimular a expansão da OTAN em direção ao leste da Europa:

— Creio que os russos gradualmente reagirão adversamente e isso afetará suas políticas. Parece-me um erro trágico. Não há razão alguma para o que estão propondo. Ninguém estava ameaçando ninguém.

Hoje, a questão resume-se a saber se Obama tem vontade, capital político (ou o temperamento) para impor sua vontade contra a estranha aliança entre os neoconservadores e os liberais no Departamento de Estado, e para recalibrar a bússola das relações com a Rússia. Mearsheimer escreve:

Há porém uma solução para a crise na Ucrânia – mas ela exigiria que o ocidente pensasse sobre o país de modo fundamentalmente novo. Os EUA e aliados têm de abandonar os planos para ocidentalizar a Ucrânia e, em vez disso, passar a trabalhar para converter o país num “amortecedor” neutro entre a OTAN e a Rússia, posição semelhante à que tem a Áustria (...). Não significa que um futuro governo ucraniano teria de ser pró-Rússia ou anti-OTAN. Ao contrário, o objetivo seria uma Ucrânia soberana que não penda nem para o campo russo nem para o campo ocidental. Para alcançar esse objetivo, os EUA e aliados têm de desistir publicamente da ideia de expandir a OTAN na direção da Georgia e da Ucrânia (...) E o ocidente terá de limitar consideravelmente seus esforços de engenharia social dentro da Ucrânia. É hora de pôr fim ao apoio do ocidente a mais uma “revolução laranja”.

Ou teremos que esperar o verão de Minsk para "esquentar o papo" 
Pode até parecer razoável e realizável, mas é ideia falsamente simples e o mais provável é que continue intestável, porque a questão da expansão da OTAN também envolve o futuro da parceria trans-Atlântica e o papel de liderança dos EUA para o século XXI.

Fato é que Merkel está andando sobre um arame muito fino. Na conversa que teve com Obama, por telefone, pouco antes de ela partir para Kiev, Obama não disse sequer uma palavra de apoio às próximas conversações em Minsk. Ao contrário, Obama mais pareceu aplicar-lhe uma conversa de autopromoção.

Mas, mesmo assim, Obama é pragmático por excelência. De modo algum é guerreiro da Guerra Fria do molde ideológico de um Talbott. Segundo Patrick Cockburn do jornal Independent, Obama permitiu que a inteligência dos EUA se movimentasse para se aproximar do regime sírio para as operações militares contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, ISIL. Por muito estranha coincidência, os EUA, ao que se sabe, usaramconduítes da inteligência alemã, para falar com o regime sírio.

Redecastorphoto

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