EUA-Rússia: Grande barganha na Síria? - Noticia Final

Ultimas Notícias

Post Top Ad

Responsive Ads Here

Post Top Ad

segunda-feira, 21 de março de 2016

EUA-Rússia: Grande barganha na Síria?

Syria. First day of truce
17/3/2016, Pepe Escobar, SputnikNews

É coisa de suspense de espionagem: ninguém diz palavra. Mas há indicações de que a Rússia não anunciaria uma retirada parcial da Síria exatamente dias antes de as negociações de Genebra ganharem ímpeto, a menos que os russos tivessem conseguido costurar uma grande barganha com Washington.

Há, sim, alguma espécie de barganha nisso tudo, da qual ainda não se conhecem os detalhes; é o que a própria CIA anda dizendo pela boca de seus incontáveis porta-vozes na Think-tank-lândia dos EUA. E é esse o real significado oculto numa entrevista cuidadosamente cronometrada para o momento em que apareceu, de Barack Obama.Essa entrevista, por mais que custe crer, é como um documento de importante mudança de política.

Obama investe num desses proverbiais saneamentos, e agora admite que a inteligência dos EUA não identificou Bashar al-Assad, especificamente, como responsável pelo ataque químico de Ghouta. E depois vem migalhas, espalhadas aqui e ali, como mostrar a Ucrânia como se não fosse interesse vital dos EUA – o que colide de frente com a doutrina Brzezinski. Ou expor a Arábia Saudita como sanguessuga da política exterior dos EUA – o que provocou dura resposta do ex-parceiro de Osama bin Laden e Supremo da inteligência saudita, príncipe Turki.
Negociações e acertos parecem iminentes. E isso implica que aconteceram mudanças no plano do poder acima de Obama – que essencialmente não passa de mensageiro, office-boy. Mas ainda não significa que as agendas belicosas do Pentágono e da CIA estejam agora contidas.

A ordem do presidente russo Vladimir Putin, para retiradas do principal contingente de forças russas que operavam na Síria colheu a comunidade internacional no contrapé.Sputnik compilou opiniões dos principais políticos e intelectuais franceses sobre a retirada russa da Síria.
A inteligência russa não pode de modo algum confiar num governo norte-americano infestado de células de neoconservadores doidos por guerras. O mais importante: a doutrina Brzezinski fracassou – mas não está morta. Parte do plano de Brzezinski era inundar os mercados de petróleo com produção máxima na OPEP, para destruir a Rússia.

Conseguiram causar danos, mas a segunda parte, que consistia em atrair a Rússia para uma guerra na Ucrânia na qual os ucranianos serviriam como bucha de canhão em nome da “democracia”, falhou miseravelmente. E houve também o pensamento desejante de que a Síria sugaria a Rússia para um atoleiro de proporções à moda George Dábliu no Iraque – mas isso também falhou miseravelmente, agora que os russos apitaram e pararam o jogo.

O fator curdo

Já há várias explicações convincentes para a retirada (parcial) dos russos que estavam na Síria. O que interessa é que a base aérea Khmeimim e a base naval em Tartus permanecem intactas. Instrutores e conselheiros militares russos permanecem a postos. Tudo – raidsaéreos, lançamento de mísseis balísticos do Cáspio ou do Mediterrâneo – permanece operacional. Força aérea russa continua a dar proteção às forças de Damasco e Teerã.

A Rússia pode estar reduzindo dimensões; o Irã (e o Hezbollah), não. Teerã treinou e armou forças paramilitares crucialmente importantes – milhares de soldados do Iraque e Afeganistão que lutam lado a lado com o Hezbollah e o Exército Árabe Sírio (EAS). O Exército Árabe Sírio continuará a avançar e a estabelecer fatos em solo.

Com as negociações em Genebra em andamento, tudo isso está agora relativamente congelado. O que nos leva ao mais difícil dos pontos chaves em Genebra – que tem de ser parte na possível grande barganha.

A grande barganha baseia-se em o atual cessar-fogo (ou “cessação de hostilidades”) ser realmente efetivo, o que absolutamente não é coisa garantida. Assumindo que todas as posições se mantenham, pode emergir uma Síria federal, que bem se pode chamar “Prismática”, no sentido de que faz ver a as diferentes frequências de que se compõe aquele feixe de luz.

Essencialmente, haverá três grandes províncias: um Sunistão, um Curdistão e um Cosmopolistão.
O Sunistão incluiria Deir ez-Zor e Raqqa, assumindo-se que toda a província possa ser extensivamente purgada do ISIS/ISIL/Daech.

O Curdistão acompanharia toda a fronteira com a Turquia – basta a ideia, para enlouquecer completamente, até o Juízo Final, o Sultão Erdogan.

E o Cosmopolistão reuniria alauítas/cristãos/drusos/e o coração sunita secular da Síria – a Síria que funciona –, de Damasco até Latakia e Aleppo.

Os curdos sírios já estão noticiando que essa Síria federal seria baseada em comunidade espiritual, não em limitações geográficas.

Como se poderia prever, a resposta de Ankara foi dura; qualquer sistema federal curdo no norte da Síria é não só linha vermelha absoluta como, também, “ameaça existencial” à Turquia. Ancara talvez esteja mergulhando na ilusão de que Moscou, com a desmobilização parcial, viraria os olhos para o outro lado caso Erdogan ordenasse uma invasão militar contra o norte da Síria, desde que os turcos deixem intacta a província de Latakia.

Mas espreita nas sombras a possibilidade de a inteligência russa estar pronta para um pacto com os militares turcos – com o corolário de que uma possível remoção do Sultão Erdogan pavimentaria o caminho para restabelecer a amizade russo-síria, essencial para a integração da Eurásia.

O que os curdos sírios estão planejando nada tem a ver com separatismo. Os curdos sírios são 2,2 milhões remanescentes, numa população síria de cerca de 18 milhões. Os cantões deles ao longo e através da fronteira Síria-Turquia – Jazeera, Kobani e Afrin – foram estabelecidos desde 2013. O YPG já conseguiu conectar Jazeera a Kobani, e está em vias de conectá-las também a Afrin. Em resumo, aí está a província Rojava.

Os curdos por toda a Rojava – pesadamente influenciados por conceitos desenvolvidos pelo líder do PKK (hoje prisioneiro) Abdullah Ocalan – estão em negociações avançadas com árabes e cristãos sobre como implantar o federalismo, privilegiando um modelo horizontal de autogoverno, uma espécie de confederação à maneira dos anarquistas. É programa político fascinante, que incluiria até comunidades curdas em Damasco e Aleppo.

Moscou – fator absolutamente crucial – apoia os curdos. Portanto, os curdos têm de ser parte nas conversações de Genebra. O longo jogo dos russos é complexo; não se por em aliança estrita nem com Damasco nem com a desacreditada ‘oposição’ armada e paga pela Turquia e pelo CCG. A equipe Obama, como sempre, está em cima do muro. Há o ângulo “aliado na OTAN” – mas até Washington está perdendo a paciência com Erdogan.

Vencedores e perdedores geopolíticos

Só a proverbialmente sem-noção mídia-empresa ocidental foi apanhada no contrapé pelo mais recente manobra diplomática da Rússia na Síria. A Rússia, sempre consistente.

A Rússia nunca deixou de promover consistentemente a parceria estratégica Rússia-China. Esse movimento andou na paralela à guerra híbrida na Ucrânia (operações assimétricas combinadas com apoio econômico, político, militar e tecnológica às Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk); até oficiais da OTAN com suficiente QI tiveram de admitir que, sem a diplomacia russa, não há solução para a guerra no Donbass.

Na Síria, Moscou realizou com sucesso o impressionante feito de fazer a “Equipe Obama” ver alguma luz por entre a névoa da guerra forçada pelos neoconservadores, e levou todos a uma solução para a questão do arsenal químico da Síria, depois de Obama já estar completamente enredado na sua própria linha vermelha. Obama muito deve a Putin e Lavrov, os quais literalmente o salvaram não só de um tremendo embaraço, mas também de se ver autometido em mais um atoleiro monstro no Oriente Médio.

Adeus às Armas:
resultados reais da campanha aérea dos russos na Síria

Os objetivos dos russos na Síria, expostos em setembro de 2015, foram alcançados.Jihadists de todos os matizes estão em fuga, inclusive – e crucialmente importantes – os mais de 2 mil nascidos em repúblicas do sul do Cáucaso. Damasco foi salva de uma ‘mudança de regime’ à moda da que foi feita contra Saddam ou Gaddafi. A presença russa no Mediterrâneo já não está sob ameaça.

A Rússia estará monitorando atentamente a atual “cessação de hostilidades”; e se o Partido da Guerra dos EUA decidir ampliar o “apoio” que dá ao ISIS/ISIL/Daech ou ao front dos “rebeldes moderados” por algum tipo de movimento de guerra nas sombras, a Rússia lá estará de volta num flash. Quanto ao Sultão Erdogan, pode vangloriar-se o quanto queira nos seus sonhos delirantes de “zona aérea de exclusão”; fato é que a fronteira noroeste entre Síria e Turquia está agora integralmente protegida pelo sistema S-400 de defesa aérea dos russos.

Mais do que isso, a íntima colaboração de toda a coalizão “4+1″ – Rússia, Síria, Irã, Iraqueplus Hezbollah – abriu mais caminho que um mero alinhamento Rússia-xiitas. Ela prefigura uma grande deriva geopolítica, pela qual a OTAN deixa de ser o único pôquer da cidade como até aqui, ditando regras de um ‘imperialismo humanitário'; essa “outra” coalizão pode ser vista como prefiguração de um futuro papel chave, global, para a Organização de Cooperação de Xangai.

No pé em que estamos, pode parecer fútil falar em vencedores e perdedores na tragédia síria, que já completa cinco anos – especialmente com a Síria destruída por uma guerra imposta a ela, não provocada, viciosa, na qual as forças atacantes mantêm-se distantes [orig. proxy war]. Mas fatos em campo apontam para grande vitória, em termos geopolíticos, de Rússia, Irã e curdos sírios; e grande derrota de Turcos e da gangue do CCG dos petrodólares, especialmente se se considera os imensos interesses de geo-energia que se disputam ali.

Sempre crucial destacar que a guerra na Síria é guerra de energia – o ‘prêmio’ é conseguir posicionar-se melhor como fornecedor de gás natural para a Europa: o gasoduto já proposto IIS (Irã-Iraque-Síria) ou o gasoduto rival do Qatar até a Turquia, que implicaria necessariamente a cumplicidade da Síria.

Outros dos que perdem muito, em termos geoestratégicos incluem o humanitarismo autoproclamado de ONU e União Europeia. E, sobretudo, o Pentágono e a CIA e a gangue de ‘rebeldes moderados’ armados por eles. Não acabará até que o último jihadista entoe sua oração de chegada ao Paraíso. Enquanto isso, a Rússia zela pelo seu “intervalo”.

Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Top Ad