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domingo, 28 de agosto de 2016

Só entre em toca de urso se você crê em vida post mortem, por MK Bhadrakumar

MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Na 2ª-feira, Moscou fez movimento diplomático fascinante: convidou o Japão para que se integre à missão humanitária da Rússia em Aleppo na Síria. Não há nem nunca haverá iniciativa mais nobre. Os sobreviventes no inferno sírio carecem de ajuda e apoio urgentes (TASS).

Mas estamos em guerra geopolítica, e guerreiros não são gente de coração mole. Há coisas estranhas na iniciativa de Moscou. Primeiro, é oferecimento de militar para militar, feito ao Ministro da Defesa de Tóquio. (Os dois países nem têm tratado de paz depois da 2ª Guerra Mundial.) Segundo, Tóquio, de tão surpresa, ainda não atinou com o que responder. Terceiro, por que convidar o Japão tão distante, com Alemanha ou Suécia ali tão perto?


Há talvez uma pista, nesse último ponto. Moscou convidou o Japão cerca de dez dias depois de um militar chinês de alto escalão, almirante Guan Youfei, ter visitado Damasco e oferecido ajuda humanitária – e cooperação militar. Moscou fez notar seu desprazer por Pequim não se ter servido do 'canal adequado'. O jornal RBTH pró-establishment imediatamente pôs-se a bater nas motivações dos chineses. Alguns excertos:

·         "Pequim deve ter apostado que embolsaria lucrativos contratos de construção na Síria e forneceria materiais, além de serviços colaterais (...). Tudo sugere que a China não deixará de cobrar o "dividendo da paz", tão logo a Síria seja estabilizada.
(...)
·         Mas o comportamento mais assertivo da China nos assuntos mundiais e a presteza com que entra nos 'pontos quentes' não podem ser atribuídos só à necessidade de pôr a mão em mercados exteriores, enchê-los de bens de consumo e/ou extrair e exportar recursos minerais locais. Há mais que isso. Trata-se do que Xi Jinping chamou de a nova diplomacia de uma superpotência "com sotaque chinês" (...). Se as coisas evoluírem nessa linha, a China logo tentará o papel de provedora global de segurança. O Oriente Médio pode bem ser campo aceitável de testes. Estará Pequim suficientemente madura para suportar essa carga? Provavelmente, sim. Seja como for, os chineses já não padecem de complexo de inferioridade. Dizem que 'cresceram'" (RBTH).

São comentários bem azedos, aplicados a país com o qual, recentemente, o presidente Vladimir Putin professava "amizade eterna". Mas os russos são muito possessivos com estados clientes. (Pergunte a qualquer país do antigo Pacto de Varsóvia.) O que mais irritou Moscou pode ter sido que a China – até a mídia noticiou – sondou Damasco sobre abrir o espaço aéreo para o deslocamento de jatos chineses em rota para ataques aéreos contra os grupos extremistas conectados com os combatentes uigures. O nervosismo de Moscou é compreensível, porque Damasco passaria a depender menos da Força Aérea Russa, se a Força Aérea Chinesa aparecesse nos céus sírios como parte de negócio acertado diretamente entre Síria e China sem consultas à Rússia (FARS).

Aliás, o ministro de Estado para Assuntos Externos da Índia, MJ Akbar, recém chegado aos meandros da diplomacia internacional, pode ter cometido o mesmo erro que o almirante Guan, ao ousar visitar Damasco semana passada sem informar Moscou.

O jornal Pravda, quase-establishment, bateu pesado; diz que China e Índia visariam a erodir o status destacado de que a Rússia goza na Síria. Ainda pior, o jornal suspeita que a Índia esteja atuando como preposta/procuradora dos EUA, dada a tradicional amizade que une New Delhi e a família Assad. Entenderam?

Pravda sente-se ofendido, porque a Rússia está fazendo "todo o trabalho mais pesado e mais sujo" na guerra da Síria, e agora, quando a guerra está próxima de acabar, China e Índia levantam a cabeça por cima da cerca. (O artigo está aqui:China and India to oust Russia from Síria? [China e Índia querem expulsar a Rússia da Síria?])

Por que os russos entraram em tal paranoia? Uma resposta há aí, bem à vista. A Síria tem ricas reservas de petróleo e gás, e é rota potencial para oleodutos e gasodutos regionais. A Rússia tem um dedo em cada pudim onde haja petróleo e gás, porque a economia russa sobrevive das exportações de energia.

Segundo, Moscou gastou muito dinheiro nessa guerra e deve recuperá-lo de algum modo, com exportações durante a reconstrução da Síria. Mas não pode competir com empresas chinesas ou indianas em campo aberto. As empresas russas têm de garantir os negócios lucrativos mediante negociações com os governos.

Terceiro, Moscou busca uma solução síria que não exija que a Rússia devolva as bases militares. Moscou precisa de um acerto com Washington – entre duas 'superpotências' como nos velhos tempos – de modo que também se levem em consideração interesses russos em outras áreas como Ucrânia, Mar Negro, Crimeia, sanções do ocidente etc., etc.

Claro, muitos cozinheiros – China e Índia, além das prima donnas de plantão (Turquia, Irã, Arábia Saudita, Israel, Qatar, etc.) – podem entornar o caldo, como diz o ditado.

De fato, já se ouvem diz-que-dizes segundo os quais Recep Erdogan da Turquia teria passado a perna em Putin, no tabuleiro de xadrez sírio. O RBHT comenta secamente que o Kremlin não gostou de a Turquia ter marchado para a Síria sem "se coordenar" com Moscou. (O comentário de RBHT: Turkey has gone further than promised, says Moscou.)

Agora, Erdogan provavelmente sentiu que Moscou não gostou. Na 6ª-feira, telefonou para Putin. Mas Putin também é imperscrutável, e é pouco provável que vá ao futebol na 3ª-feira, com Erdogan, na deliciosa Antalya, a Riviera turca, como se especulou.

O caso é que só entre em toca de urso, se você crê em vida post mortem. Aí está lição que Guan e Akbar têm de conhecer – talvez também Erdogan.

blogdoalok

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