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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A República em crise: como os banqueiros derrotaram o Estado do Rio, por Marco A. C. Pinto

Com influência política após o ‘golpe dos corruptos’, as instituições financeiras encorajam investidores a se beneficiarem de arbitragens nas taxas de juros/câmbio. Como resultado, significativa apreciação do dólar e perdas adicionais aos entes públicos, já prejudicados com a queda nos preços do petróleo
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do Brasil Debate
por Marco Aurélio Cabral Pinto
No imediato período anterior à separação formal entre os reinos de Portugal e do Brasil, um conjunto de lideranças locais havia já se consolidado como articulador de pactos políticos nos estados. Estas lideranças deram origem à conhecida experiência das Juntas de Governo, que passaram a substituir os aristocratas tradicionalmente indicados pelo poder central no governo dos estados.
No Pará, Bahia e Pernambuco, as Juntas negociaram com o enfraquecido governo central português compromisso de incluir, na letra da Constituição, o reconhecimento da respectiva institucionalidade. Como garantia política, as Juntas obtiveram do dominador central o “Decreto das Cortes de setembro de 1821”. Neste, a coroa portuguesa reteve, em seu mais absoluto controle, duas funções apartadas do jogo político sub-regional: a organização policial-militar e a Fazenda.
A crise financeira enfrentada pelos governadores possui raízes na instabilidade política criada pelo impeachment da presidente Dilma desde o fim de 2014 [Pinto (2015)]. A prevalecer esta interpretação, no que parece será em tempo breve, o governo federal deveria ser responsabilizado pelo aumento do desemprego e redução de renda que, de certa maneira, causou a crise fiscal nos estados. Responsabilizado a distribuir recursos compensatórios, que eventualmente superarão, em muito, o montante devido.
No caso dos estados que combinaram repasses do governo federal (FPE principalmente) com royalties de óleo e gás, a situação fiscal deteriorou-se aceleradamente (tabela 1). Nestes casos, a queda foi mais abrupta em relação a 2013.

Conforme será argumentado no presente texto, os conflitos de interesse entre os governos de estado e o poder central possuem fundamentos econômicos. Estes fundamentos são explicitados no caso do Estado do Rio de Janeiro, protagonista de renegociação de dívida com o governo federal.
1. Agenda neoliberal
O primeiro conjunto de medidas anunciadas depois de aplicado o “golpe dos corruptos” encontra-se correntemente no parlamento – a estratégia tem sido a de aprovar cada item separadamente, iniciando-se com imposições que restringirão a ação dos governadores de estado. Enquanto isso, novas regras para aposentadoria estão em fase de maturação para serem apresentadas ao Congresso Nacional após o nascer do novo ano.
Em outras palavras, os interesses financeiros que apoiam o golpe no Brasil deveriam estar satisfeitos com o enorme volume de poupança pública que será transferido para os patrimônios bancários, aproximadamente neutralizando-se – do lado ativo, dívida pública e, do passivo, poupança de longo prazo. O lucro decorrerá da diferença entre as taxas de remuneração da poupança e os “juros de mercado”. Entre os recursos que serão canalizados a juros sobre mais dívida, via restrição de gastos, e as provisões matemáticas para aposentadorias.
Bom lembrar, os bancos conquistaram a completa independência do Banco Central do Estado do qual faz parte. Mais que nunca o Banco Central tem mantido taxas de juros em patamares os mais altos do mundo, apesar de a inflação brasileira ter dado mostras de arrefecimento por alguns meses seguidos.
Ao mesmo tempo, o programa de privatização e concessões apresentado pelo governo como solução para o desemprego na realidade tem sido benéfico apenas para atração de capital financeiro de curto prazo. A bolsa de valores de São Paulo sobe desde o anúncio das medidas neoliberais pós-impeachment.
Os neoliberais acreditam que escaparão da desordem social através de um mix de oportunidades proveniente de ações do governo federal (logística e energia). E outras a cargo dos entes sub-regionais (governadores e prefeitos), como saneamento, resíduos sólidos, saúde, educação, transportes de massa etc.
Alguém poderá pensar que, para dois anos de mandato ilegítimo, a agenda parece já ampla o suficiente. Mas não é assim. As instituições financeiras estão particularmente interessadas em ganhos futuros relacionados ao aumento nos preços de petróleo. Para que possam se apropriar dos ganhos, será necessário primeiro securitizar os royalties. Ou seja, necessita que os governadores sejam pressionados financeiramente a “ceder os direitos” dos royalties.
2. Royalties das reservas do pré-sal
As companhias mineradoras de petróleo e gás natural pagam royalties aos governos como compensação pelas externalidades negativas produzidas pela atividade. Estes royalties, no caso brasileiro, são distribuídos entre os entes federal, estaduais e municipais (tabela 2)

Sob as regras atuais, o montante de royalties é calculado tomando-se com base o câmbio com o dólar norte-americano, preços internacionais do óleo cru e volume de produção. Quando os preços internacionais do petróleo ou a produção se elevam, cresce o montante devido em royalties. Quando o câmbio se desvaloriza, diminui o volume de royalties.
A produção brasileira de hidrocarbonetos pode ser examinada na Figura 1. O estado do RJ contribui com taxas crescentes devido ao aumento na produção proveniente do pré-sal. Em dezembro de 2015, o estado do RJ acumulou cerca de 60% de toda produção nacional.
Não obstante o aumento na produção de hidrocarbonetos, os preços internacionais têm sido deprimidos nos mercados de capitais. (Figura 2). Este decréscimo parece decorrente dos efeitos da crise financeira de 2008, ainda que compareçam fatores especulativos nos mercados formadores de preço. O total de óleo transacionado em derivativos (contratos futuros, principalmente) supera em mais de oito vezes o volume efetivamente entregue de óleo cru.
Devido à queda nos preços internacionais de petróleo, os estados e municípios brasileiros perderam cerca de um terço das receitas em royalties (R$ 20,9 bi para R$ 14,1 bi) em 2015. Perceba-se que os estados de São Paulo e Bahia se beneficiaram enquanto outros minguaram (Tabela 3). O estado do Rio de Janeiro corresponde a 35% do total, o que justifica a posição entre os que sofreram mais com a perda de receitas.
Como resultado da influência política que adquiriram após o “golpe dos corruptos”, as instituições financeiras têm encorajado investidores a se beneficiarem de arbitragens nas taxas de juros/câmbio. Consequentemente, o câmbio em dólares experimentou significativa apreciação durante boa parte de 2016. Este movimento financeiro tem imposto perdas adicionais aos entes públicos, que já se encontravam prejudicados com a queda nos preços do barril.
3. Dívida e royalties no Estado do RJ
O montante de pagamentos sobre principal e juros devidos pelo estado do RJ aos bancos federais alcançou R$ 986 MM entre janeiro e setembro de 2016. Isso representa cerca de 70% de todo o fluxo de pagamentos sobre dívidas no mesmo período (30% devidos a bancos multilaterais estrangeiros) – Tabela 4.
A dívida contraída junto aos bancos federais foi direcionada a projetos de investimento. Este conjunto de projetos teve por objetivo incrementar o turismo local como parte de estratégia de longo prazo associada aos eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas). Estes investimentos em transporte público, revitalização de espaços, entre outros, seriam realizados inevitavelmente como parte do processo de expansão e modernização das cidades brasileiras. O que se fez foi acelerá-los com orientação estratégica.
Desta maneira, a dívida junto aos bancos públicos foi contraída para a realização de importantes intervenções e a corrupção, mesmo que significativa, será sempre uma pequena parte dos empreendimentos totais. O que não se pode apresentar para a sociedade é que os investimentos foram desnecessários.
Aos bancos federais atribuiu-se a responsabilidade pelos investimentos realizados sem que houvesse contribuição relevante de outros órgãos de governo federal no planejamento prévio das ações com os governos estaduais.
Conforme mostrado na Figura 3, a maior parte dos estados brasileiros piorou a sua situação financeira desde 2014. O Estado do RJ antecipou os demais em ao menos um ano. No início de 2015 o Estado do RJ ultrapassou o limite de endividamento estabelecido por economistas “de mercado” como em duas vezes o valor da receita tributária anual.

Por outro lado, quando examinada a relação entre a dívida consolidada e o produto interno de cada estado, o que se encontra contradiz a severidade esperada para a crise financeira do Estado do RJ. Na tabela 5, a alavancagem do RJ é comparável a de SP, cujos sucessivos governos têm perseguido ajustes fiscais como objetivo. Da mesma maneira, o RJ se situa bastante abaixo de MG e RS.

O fluxo mensal de royalties para o estado do RJ (145 a 200 MM Reais) aproximadamente neutraliza os R$380 MM médios mensais que são canalizados para os bancos federais e multilaterais. Em síntese, se e quando os preços de petróleo se recuperarem a situação de crise fiscal do Rio de Janeiro se auto extinguirá.
Dessa maneira, as dificuldades de liquidez enfrentadas pelo RJ derivam de ao menos três fatores: (i) depressão na arrecadação, fruto do colapso na atividade econômica decorrente de instabilidade política; (ii) depressão nos preços de petróleo; (iii) falta de comprometimento do governo federal com o longo prazo do RJ.
O que poderia ser uma solução para a série crise enfrentada no Brasil, o estabelecimento de planejamento liderado pelo governo federal junto aos estados poderia ocupar os balanços dos bancos federais, que experimentam processo de encolhimento forçado. Por outro lado, os bancos federais possuem recursos humanos para colaborar com os governos estaduais na modernização da administração e na atividade de planejamento.
Ao invés disso, a maior ameaça ao Estado do RJ se apresenta como rendição frente à solução fácil apresentada pelos interesses financeiros, orquestrados a partir da Fazenda federal. Oferecem-se, através de contratos de “cessão de direitos” sobre futuros royalties, migalhas para que os governadores enfrentem o curto prazo de dois anos até a nova eleição para os estados.
Ocorre que os fluxos futuros são estimados com base nos preços “de mercado”, portanto com elevada depreciação histórica. Caso os preços subam, o que, aliás, é esperado para o médio termo, o valor dos royalties se elevarão e os bancos capturarão os ganhos decorrentes. Ou seja, há expectativa de que os títulos de “cessão de direitos” que serão ofertados a clientes selecionados possam dobrar ou triplicar de valor em até três anos.
Marco Aurélio Cabral Pinto - É professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e Conselheiro na central sindical CNTU
Bibliografia
Pinto, M. A. C. Dogmas e Enigmas: a interrupção do projeto brasileiro de desenvolvimento, Multifoco, Rio de Janeiro, 2015.
Fup, Cut, Dieese, As rendas geradas pela exploração de petróleo no Brasil: o pré-sal brasileiro para educação e desenvolvimento, In: Anais do Seminário Nacional de Energia, Educação e Indústria no Brasil, São Paulo, 18 e 19 de agosto de 2015.
jornal ggn

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