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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Rumo ao pós-ocidente, meu jovem! Por Pepe Escobar

Pepe Escobar, Asia Times

Traduzido pelo coletivo da vila vudu

A Conferência de Segurança de Munique de 2017, pode-se dizer, entregou o jogo já de saída, num documento 'para disparar as conversações' [ing. a conversation starter] para os três dias do evento, intitulado "Pós-verdade, Pós-Ocidente, Pós-Ordem?"[ing. Post-Truth, Post-West, Post-Order?].
"Pós-verdade" é o novo normal, nessa Era de Qualquer-coisa-é-notícia-e-nada-é [orig. The Age of Spin]. "Pós-ordem" significaria de fato uma ordem neo-Westfaliana remixada, que cercasse o multipolarismo que o establishment unipolar combaterá até a morte. E "pós-Ocidente" nada significa, porque não há crise do Ocidente. O problema real é uma confluência de neoliberalismo e imperialismo "humanitário" fabricada no Ocidente.
Inútil seria esperar que as elites políticas ocidentais abandonassem o estado de negação maníaco-obsessiva atentamente cultivada para tudo que tenha a ver com as incontáveis desgraças perpetradas por todo o mundo em desenvolvimento em nome do neoliberalismo fazendo pose de "democracia liberal".

E seria inútil esperar que as elites políticas ocidentais admitissem o mundo pós-11/9 – configurado como uma Guerra Longa na terminologia do Pentágono – sob o formato de um impulso para mudar regimes no Oriente Médio, o qual liberou o anti-maná que nunca para de rebrotar da Boceta de Pandora do jihadismo-salafista.

O melhor que as elites políticas ocidentais conseguiram extrair do convescote que terminou dia 19/2 é essa pérola de autocomiseração: "Os comentários de Donald Trump, sobre a OTAN ser 'obsoleta' geraram muita incerteza entre os aliados dos EUA, especialmente na Europa Central e Oriental. A União Europeia também está pressionada, no momento em que tem de lidar com o Brexit, com a avançada dos populistas, com a crise dos refugiados, com um potencial retorno da eurocrise, com ataques jihadistas e com uma Rússia revisionista."

E não vá acontecer de algum fato interferir na dura labuta ocidental, nesse vale de lágrimas. Nem pensar em expor a OTAN pelo que ela é – um eixo militar com um líder todo poderoso e um bando de vassalos configurado como alguma espécie de Robocop global.

E nem pensar em admitir que o único fator de unificação capaz de explicar o dilema das elites ocidentais tem de ser sempre o Coringa Perfeito: a Rússia "revisionista".

As dores do parto da nova ordem

Mas afinal o que realmente aconteceu em Munique?

O ministro Sergei Lavrov das Relações Exteriores da Rússia re-explicou o óbvio: estamos em pleno trabalho de parto (as dores do parto, lembram-se de Condi Rice?) de uma nova ordem multipolar que não estará submetida a qualquer hegemonia ocidental, mas em vez disso será configurada por estados soberanos que obedecem a lei internacional, ao mesmo tempo em que respeitam os respectivos interesses nacionais.

Implica, no front bilateral EUA-Rússia, "relações pragmáticas, respeito mútuo, compreensão clara de nossa especial responsabilidade pela estabilidade global." Trump declarou a OTAN "obsoleta". Lavrov desembrulhou o conceito, repetindo que a OTAN "permaneceu como velha instituição da Guerra Fria". 

O autor-criador da palavra 'gancho' foi o próprio chanceler Lavrov: "Se quiserem, podem chamá-la de uma ordem mundial 'pós-Ocidente'."

Problema é que isso é anátema absoluto para as elites políticas ocidentais. Daí a obsessão de afirmar-a-negação [ing. non-denial denial] do secretário-geral da OTAN Jens Stoltenberg: "Nosso objetivo não é isolar a Rússia. Não queremos uma nova Guerra Fria, não queremos nova corrida armamentista, o que estamos fazendo é ponderado e defensivo." Quer dizer que aqueles soldados insignificantes estacionados nos países do Báltico e na Polônia lá estão para simples contenção de "uma Rússia mais assertiva".

Rolando paralelo a tudo isso, acontecia o Tour para Apaziguar o Aliado Europeu, de Mattis & Pence.

James Mattis e Michael Pence saudaram entusiasmados o "laço transatlântico". Mattis descreveu a OTAN como o "alicerce em rocha firme" da segurança transatlântica. 

Caso é que, não importa o que digam os dois, no coração da matéria jaz o mais frio e duro dinheiro: falta apenas um ano para o prazo final, quando os aliados europeus dos EUA devem aumentar o gasto militar, de 1,4% para 2,0% do PIB médio na UE. O aumento traduz-se em termos de estonteantes US$100 bilhões a mais por ano, nas costas de um punhado de nações europeias devastadas pela 'austeridade'.

Mattis transmitiu doutrina do Pentágono sem diluir, quando evocou um "arco de instabilidade na periferia da OTAN". E ao mesmo tempo em que prometia o proverbial "compromisso inabalável" com a OTAN, Pence destacou vigorosamente que Washington "cobrará contas da Rússia" [ing. would "hold Rússia accountable"] pelas guerras na Ucrânia e na Síria. Foram os recados codificados que Mattis e Pence enviaram ao Departamento de Estado, em Washington, na Avenida Beltway.

Crucialmente importante nisso tudo: nem uma palavra sobre a União Europeia. A coisa é, toda ela, a OTAN. E fica-se a pensar se a chanceler Angela Merkel ouve, a lhe martelar na cabeça em volume de arrebentar tímpanos, toda Fila da Desolação de Dylan [Desolation Row], de tanto que teme a não disfarçada preferência do governo Trump por partidos europeus populares ultranacionalistas.

E nem é surpresa que o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker tenha insistido em que a União Europeia não deve ceder às demandas dos norte-americanos. Juncker sabe o quanto os grupos da chamada Internacional Popular da extrema direita europeia já esfregam as mãos, de júbilo.

Putin bem que avisou...

E houve também o momento de rir e aliviar as tensões – embora dificilmente a piada venha a circular pelos programas de 'comentário', nos EUA: foi quando Adel al-Jubeir, ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita, matriz ideológica de todos os ramos de jihadismo salafista, descreveu o Irã como "o maior patrocinador nacional de todo o terrorismo que há no mundo."

A Casa de Saud exige que Teerã seja punida. A comunidade internacional que trate de impor "linhas vermelhas" bem claras, tipo mais e mais sanções sobre operações de banking, viagens e comércio. A Colina do Capitólio concorda emocionada. Grã-Bretanha e França descartarão as "linhas vermelhas", mas continuarão interessadas em cometer vendas cada vez mais lucrativas de armas, para Riad.

Não deixem de observar o panda gigante (ausente) na sala em Munique – a China. Dado que Munique não passaria mesmo de conversas e mais conversas neoliberais nada liberais, Pequim foi cuidar de turbinar um seu avanço na Europa, que só tem a ver com comércio e investimento. A União Europeia sem demora reconhecerá a China como economia de mercado, como o ministro de Relações Exteriores da Alemanha Sigmar Gabriel já confirmou, e Pequim e Londres já são parceiras para fazer avançar "mecanismos para o livre comércio global".

Tradução: para a União Europeia, assim como para a Brexitlândia, e também para a China, nenhum protecionismo econômico será jamais negócio tipo "ganha-ganha".

Há dez anos, Vladimir Putin fez em Munique um discurso sob todos os aspectos espantoso,[1] sobre os perigos de relações internacionais unipolares – um "hiper uso quase sem limites da força, da força militar" – e a correlação entre esse desequilíbrio e a sempre crescente desigualdade global.

As elites ocidentais, como se poderia prever, não lhe deram ouvidos. Na verdade, a mídia-empresa alemã instantaneamente rotulou o discurso como fala "da nova Guerra Fria", quando o discurso falava precisamente de pôr fim à Guerra Fria, sem guerra.

Em 2017, foi a vez de Lavrov ser a voz da razão. Disse aos EUA e à Europa que é mais que hora de porem fim àquela conversa e àquela visão de mundo contraproducentes, de Ocidente-versus-o-Resto.

Mais uma vez, fácil prever, as elites ocidentais nada ouvirão. Depois se surpreenderão, quando virem que tantos, tão sofregamente, abraçam um mundo "pós-Ocidente".*****




[1] Presidente Vladimir Putin, "Discurso à 43ª Conferência sobre Políticas de Segurança", Munique, Alemanha, 2/10/2007 (ing.). Aqui, alguns excertos traduzidos:

"A Rússia – nós – recebemos incansáveis aulas de democracia. Mas por alguma razão nossos ‘professores’ recusam-se a aprender sobre democracia... Um estado, e sim, claro, mais que todos, os EUA todos os dias ultrapassam suas fronteiras nacionais de todos os modos imagináveis. Vê-se na economia, na política, na cultura, em políticas educacionais que os EUA impõem a todo o planeta. Quem quer isso? Quem vive feliz nesse mundo falsamente multipolar? (...) 

Quem poderia viver feliz e em segurança, se a lei internacional é usada como muralha para proteger só eles e sempre eles? E é claro que política internacional desse tipo só faz estimular uma corrida armamentista. (...) 

Creio que seja óbvio para todos que a expansão da OTAN nada tem a ver com a modernização da Aliança em si, ou com qualquer intenção de aumentar a segurança da Europa. Ao contrário, é grave provocação, que compromete o nível indispensável de confiança mútua. E temos todo o direito de perguntar: contra quem se orienta toda essa expansão? E que fim levaram as garantias e promessas que ouvimos de nossos parceiros ocidentais, depois da dissolução do Pacto de Varsóvia? Onde andarão hoje aquelas declarações? Ninguém lembra delas! 

Mas permito-me relembrar os presentes do que então se disse. Cito, por exemplo, o que disse o secretário-geral da OTAN, Sr. Woerner, em Bruxelas, dias 17/5/1990: "o fato de que estamos dispostos a não plantar um exército da OTAN fora de território alemão é firme garantia de segurança para a União Soviética". Sim, tudo bem, mas... e onde está a garantia?" [fim do excerto traduzido].

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