À primeira vista pode parecer fruto da imaginação de um jornalista estrangeiro, sem maiores compromissos, que acaba de desembarcar no Brasil. Mas seria muita ingenuidade acreditar que o conceituado jornal americano The New York Times abrisse espaço para seu correspondente baseado no Rio de Janeiro, sem que tivesse um objetivo editorial de maior alcance. Sob o título “De quem é a Amazônia, afinal?”, o texto assinado por Alexei Barrionuevo na edição do domingo 18 veio engrossar o coro internacional que tem questionado a soberania do Brasil sobre a Amazônia. Barrionuevo dá seu recado logo no início, quando cita um comentário do então senador americano Al Gore em 1989 (depois ele foi vice do presidente Bill Clinton em duas gestões): “Ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, pertence a todos nós.” Três dias antes de o The New York Times publicar seu artigo, o jornal inglês The Independent, noticiando o pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi quem deu plantão sobre a Amazônia. E sem o menor pudor: “Uma coisa está clara. Essa parte do Brasil (a Amazônia) é muito importante para ser deixada com os brasileiros.” O que fica claro, diante das notícias de Nova York e Londres, é que a Amazônia corre grave ameaça. A ofensiva dos dois jornais não é gratuita e já passou a hora de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomar uma decisão forte, que ecoe para todo o mundo, de forma inquestionável, a certeza de que a Amazônia é nossa.
A cobiça de potências estrangeiras não é surpresa e tudo começa pela extensão territorial. A Amazônia Legal se estende por nove Estados e ocupa 61% do território brasileiro – sua área equivale à metade do continente europeu e nela cabem 12 países, incluindo Alemanha e França. Ela seria, assim, o sexto maior país do mundo, com uma população de 20 milhões de pessoas. A região faz fronteira de 11 mil quilômetros com Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. O rio Amazonas é o soberano da Terra em volume de água e possui um quinto da água doce do planeta. Segundo avaliações da ONU, o século 21 será marcado por graves conflitos entre as nações, com origem numa única causa: a escassez de água potável. É isso que torna a Amazônia ainda mais estratégica, pois em seus rios estão 21% da água doce vital ao homem. Em seu livro A guerra do amanhã, o assessor para assuntos estratégicos da ONU, Pascal Boniface, previu, entre os cenários de guerras desse século provocadas pelo aquecimento global, a provável invasão da região amazônica por uma coligação internacional. A ação contra a soberania brasileira se justificaria porque “salvar a Amazônia é o mesmo que salvar a Humanidade”. O francês Pascal Lamy, ex-comissário de Comércio da União Européia, é da mesma opinião: “As florestas tropicais como um todo devem ser submetidas à gestão coletiva, ou seja, à gestão da comunidade internacional.”
Como ressalta o The Independent, a Amazônia é uma poderosa reserva de recursos naturais. O diário espanhol El País também destaca que “o mundo tem os olhos postos nas riquezas da floresta”. É por isso que a soberania brasileira é questionada. O novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, prefere não levar a sério o The New York Times e desqualifica a idéia de internacionalizar a região: “Quem faz uma proposta dessas deveria passar por uma requalificação psicológica, tal o disparate que contém. Os donos da Amazônia somos nós.” Por mais que o ministro tente reduzir a importância das ameaças, o fato, no entanto, é que os estrangeiros se sentem donos da região há muitos anos. Em 1862, logo após a vitória da União na Guerra Civil americana, o presidente Abraham Lincoln sugeriu a representantes dos negros libertados a criação de um Estado Livre na Amazônia. Dom Pedro II não foi consultado, mas o Brasil foi salvo pelos dirigentes negros que deram uma resposta boa e seca a Lincoln: “Não aceitamos a proposta porque este país também é nosso.” Ainda no Segundo Reinado, o comandante Matthew Maury, chefe do Observatório Naval de Washington, defendeu a livre navegação internacional pelo rio Amazonas. Cem anos depois, o urbanista e futurista americano Herman Kahn teve a idéia de inundar a região num sistema de grandes lagos, com as dimensões do Estado de São Paulo, para permitir a navegação até as minas da Bolívia, do Peru e da Venezuela, fornecedoras de matéria-prima para as indústrias metalúrgicas dos EUA. Em troca o Brasil receberia uma hidrelétrica gigantesca.
Planos para a Amazônia não faltam. Em algumas escolas americanas já circulam mapas que mostram o Brasil extirpado dessa região e do Pantanal. Metendo o nariz na vida alheia, os que questionam nossa soberania justificam o ato alegando que o Brasil tem de ser punido por má gestão. Somos acusados, por exemplo, de não conseguirmos deter o desmatamento. Segundo o instituto inglês Stern, esse é o melhor e mais barato caminho para estancar o aquecimento global. A queima de florestas, por um dia, emite mais dióxido de carbono do que vôos de oito milhões de pessoas entre Londres e Nova York. Daí, a imensa responsabilidade do Brasil. Durante a Sessão Especial da ONU sobre Meio Ambiente, em junho de 1997, o presidente americano Bill Clinton exigiu a redução significativa de gás carbônico e disparou veementes críticas aos países que não impediam a queimada em suas florestas. Para não ficar apenas em palavras, Clinton chegou a desmarcar um encontro com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, pois preferiu viajar para a Califórnia, onde se reuniria com prefeitos locais. A questão do desmatamento não deixa de ser um argumento dos que querem internacionalizar a floresta, até mesmo porque os últimos levantamentos do Inpe acusam aumento de áreas queimadas, como revelou Minc na quarta-feira 21. Mas é óbvio que os estrangeiros não são movidos apenas por boas intenções. Muito além das queimadas e da poluição, eles estão de olho é nas incomensuráveis riquezas da Amazônia.
Felizmente, o Exército brasileiro está consciente do perigo. E diz estar preparado até mesmo para a possibilidade mais radical de uma intervenção militar. “Hoje, a Amazônia é nosso maior foco de preocupações com a segurança”, disse o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, em recente entrevista em Brasília. Em sua avaliação, uma hipótese potencial seria a de “uma guerra assimétrica na Amazônia, ou seja, uma guerra contra uma potência muito superior, que nos forçaria a uma guerra de resistência nacional”. Outro cenário, segundo Unger, incluiria a ação militar de um país vizinho patrocinado por uma grande potência, bem como incursões de forças irregulares ou paramilitares. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, não vê um risco imediato, mas ressalta que, apesar de não sermos beligerantes, saberemos nos defender: “Não há nenhum país ameaçando o Brasil, mas precisamos de uma força dissuasiva para remover a possibilidade de que aconteça uma invasão.” Ou seja, pelo sim, pelo não, as Forças Armadas têm se preparado para a pior hipótese. Além de renovar seu armamento, vêm reforçando suas unidades na região com transferência de tropas do Sul para o Norte. “Os militares projetam um conflito futuro, para daqui a 30 ou 40 anos, com um inimigo mais provável, os Estados Unidos”, diz o cientista político Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha, da Unesp. “Não devemos ser paranóicos, mas muito menos devemos ser ingênuos”, conclui ele, tecendo elogios à movimentação das Forças Armadas.
A maioria dos especialistas sustenta que a intervenção militar é uma possibilidade remota. Esse é o caso do coronel da reserva Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, fundador e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. Ele descarta o conflito e a conspiração com o objetivo de internacionalizar a Amazônia, mas alerta que isso não justifica nenhuma “negligência da defesa militar nesse possível teatro de operações”. E a defesa, a seu ver, não se reduz à dimensão das armas: “Ela abrange, também, a defesa do meio ambiente e das comunidades indígenas, assim como a interceptação do tráfico de drogas e do contrabando de minérios e madeiras.” Nessa linha, o general Carlos de Meira Mattos, falecido em janeiro de 2007, fez pouco da teoria da soberania compartilhada, mas recomendou ao Estado brasileiro demonstrar forte e inabalável decisão de não aceitar a violação de seus direitos. Além da ofensiva diplomática, o Brasil, recomendava Meira Mattos, deve revelar notória capacidade de administrar a Amazônia, “desenvolvendo eficiente política autosustentável que preserve a natureza, proteja suas águas e otimize o seu povoamento”.
AÇÃO ORQUESTRADA É ingenuidade crer que as publicações no Exterior não apontem para o risco de internacionalização da Amazônia
As tarefas do Estado brasileiro, portanto, estão mais do que assinaladas. E são urgentes. O melhor meio de enfrentar ameaças à soberania nacional é se fazer presente na região. Isso significa, em primeiro lugar, adotar uma política menos complacente em relação às inúmeras ONGs que atuam na Amazônia. Misturam- se ali raras organizações internacionais de mérito reconhecido em defesa da ecologia e dos direitos humanos com inúmeras entidades inidôneas e de finalidade incerta e não sabida. Na verdade, estão atrás das riquezas e da biodiversidade. Há que impedir essa invasão camuflada de objetivos ecológicos e humanitários. Basta lembrar que 96% das reservas mundiais de nióbio encontram-se na Amazônia e a região também é alvo da chamada biopirataria por parte de laboratórios que buscam patentes inéditas para seus medicamentos. O governo tem procurado se informar sobre os desvios de rota das ONGs e promete adotar regulamentos mais rígidos nas permissões de acesso à floresta. As autorizações passarão pelo crivo dos órgãos da Defesa. Segundo o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., o objetivo é separar o joio do trigo. “Não serão criados obstáculos para as ONGs respeitadas”, diz ele.
Em sua explosiva reportagem, o The New York Times comete o exagero de comparar as novas exigências que serão feitas às ONGs aos tempos da Guerra Fria, quando determinadas áreas da ex-União Soviética eram vedadas a estrangeiros. Diz o jornal que, assim, o Brasil pode terminar como ela. A comparação é tão estapafúrdia quanto a proposta de internacionalizar a Amazônia por se tratar de “um patrimônio da Humanidade”. Só encontra paralelo nas versões que correm em círculos intelectuais europeus e americanos de que o Brasil estaria patrocinando um “pavoroso extermínio de seus índios”. Sob essa alegação, muitas ONGs de fachada defendem com unhas e dentes a política indigenista em vigor, que premiou algumas tribos com territórios maiores do que o de países europeus. A essas ONGs interessa que o Estado brasileiro não tenha domínio político sobre as extensas áreas ocupadas pelos indígenas, sobretudo porque são territórios de riqueza desconhecida – e é mais fácil aos estrangeiros que nos cobiçam tecer nebulosos negócios com os índios. É também por isso que é urgente modificar a atual política de demarcação de terras, uma vez que, se ela continuar como está, índios e ONGs ocuparão cada vez mais o território nacional. Assim, lamentavelmente, muito antes de enfrentar invasores externos, o Brasil terá de invadir uma porção do próprio Brasil para reaver a integridade de seu chão.
Muita terra para pouco índio
AUTONOMIA DEMAIS Índia caiapó atacou com golpes de facão o engenheiro Paulo Rezende, durante discussão sobre a hidrelétrica Belo Monte
Era para ser mais um debate sobre os impactos ambientais da construção da hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu. De repente, o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende foi cercado e agredido a golpes de facão por vários índios caiapós, que participavam do evento em Altamira, no Pará. Rezende foi ferido no braço e teve a camisa rasgada. Os caiapós ficaram irritados com suas críticas ao ambientalista e professor da Unicamp Osvaldo Sevá. Daí a agressão que chocou o País na noite da terça-feira 20. A cena, infelizmente, vem confirmar que a questão indígena saiu do controle das autoridades há muito tempo. Basta ver o que acontece com a política de demarcação de terras. O Estado brasileiro não tem a mínima idéia do que se passa no interior das reservas indígenas. Jamais foi feito um inventário e o patrimônio é desconhecido e intocável. Mais grave ainda: as reservas, em seu total, representam 12,5% de todo o território nacional e estão nas mãos de 534 mil índios distribuídos em 220 povos. Somente em Roraima as 32 áreas em poder de várias etnias somam 103 mil quilômetros quadrados, ou seja, 46% do território estadual.
A extensão das terras dos índios em Roraima é superior à área de um país como Portugal, de 92 mil quilômetros quadrados. Um símbolo maior da distorção na política de demarcação é a reserva Raposa Serra do Sol, que se estende por 17 mil quilômetros quadrados e abriga apenas 18 mil índios, a maioria da etnia macuxi. Sua homologação, em abril de 2005, deu origem a uma batalha judicial que foi parar no Supremo Tribunal Federal. O conflito envolve produtores rurais, moradores da região e até mesmo parte da população indígena, que prefere o desmembramento da imensa reserva em partes menores. Em lugar da homologação contínua, os próprios índios defendem a chamada demarcação na forma de ilhas, muito mais equilibrada e realista.
Não há o que discutir: em Roraima, há muita terra para poucos índios. Por mais que o Estado se disponha a fazer um acerto de contas com o passado, nada justifica as dimensões gigantescas de reservas como a Raposa Serra do Sol. Não faz sentido as nações indígenas se transformarem num Estado dentro de outro. Em várias estradas na Amazônia, os índios chegam a cobrar pedágio e determinar os horários em que os caminhões podem trafegar. Com isso, desmoralizam o governo local e põem em xeque a segurança do País. Em recente palestra no Clube Militar, no Rio de Janeiro, o comandante militar da Amazônia, general-de-exército Augusto Heleno Pereira, mesmo sob o risco de ser punido por indisciplina, denunciou os disparates que acontecem na região. “A política indigenista está dissociada da história brasileira e tem de ser revista urgentemente”, afirmou o general Heleno. O general-de-brigada Antônio Mourão, comandante da 2ª Brigada de Infantaria da Selva, apóia integralmente seu colega de farda. “A demarcação contínua coloca a soberania em risco. Daqui a pouco, os índios vão declarar a independência de seus territórios”, adverte Mourão.
Uma coisa que irrita os militares é a tendência de se tratar a questão indígena a partir de uma visão romântica, que trata como iguais índios desiguais, em estágios diferentes de civilização. A maior parte dos índios que vivem em Raposa Serra do Sul, por exemplo, é aculturada e não mora mais em malocas
perdidas na floresta. Como em muitos casos os militares constituem a única presença de Estado na selva, eles afirmam, com alguma razão, que conhecem os índios melhor do que grande parte dos ambientalistas. Além disso, parece inaceitável a idéia de permitir aos índios autonomia total sobre as parcelas do território brasileiro em que vivem. “No bairro da Liberdade, vai ter japonês e não-japonês? Só entra quem é japonês? Como um brasileiro não pode entrar numa terra porque é uma terra indígena?”, indagou o general Heleno. Os generais estão certos. Mas manda a prudência que eles guardem distância dos facões dos índios caiapós.
OCTÁVIO COSTA Colaboraram: Cláudio Camargo, Luciana Sgarbi e Luís Pellegrini
IstoÉ,Terra,Plano Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário