Brics Business Magazine: No final de setembro, o Banco Mundial publicou três cenários de médio prazo para o desenvolvimento econômico da Rússia. O melhor deles prevê baixo crescimento do PIB nos próximos anos. Entre outras coisas, os especialistas do banco apontam que não será possível obter uma maior aceleração do crescimento econômico simplesmente a mantendo a atual política de estímulo fiscal. Você concorda com essas conclusões? Como você avalia a situação atual da economia russa?
Oleg Sienko: Está longe de ser uma questão simples. Já ficou claro que as sanções têm causado sérios problemas. É difícil contrapor os cenários expostos pelos especialistas do Banco Mundial – não haverá grande crescimento, especialmente nos pilares da economia.
No entanto, também é certo que o país deve tomar medidas para estimular a economia, independentemente das limitações orçamentais. Outros países têm conseguido encontrar seu caminho para sair de crises semelhantes, injetando dinheiro na economia.
Na minha opinião, há um outro aspecto que é muito importante neste caso. Se quisermos sair da crise rapidamente, o governo tem que ser muito mais proativo do que têm sido. Decisões lentas significam que os esforços para combater a crise deverão ser dobrados.
BBM: Como essa lentidão do governo se manifesta?
OS: Há setores-chave da economia que precisam de apoio imediato. Nós mesmos criamos alguns desses problemas adotamos leis a torto e a direita, e agora estamos correndo atrás para superá-las. Por alguma razão, ninguém parece se preocupar com esse tipo de incoerência política, mesmo que seja um ponto muito importante. Mas não para por aí. A ajuda do governo não deve se limitar à injeção de dinheiro na economia; também deve se concentrar em proteger e preservar o mercado interno. Até agora, tem sido justamente o oposto. Quando a Rússia aderiu à OMC, quase todo mundo ganhou acesso ao mercado russo.
Vamos pegar o exemplo da indústria automotiva. A meta de 50% de localização, que é construída em acordo com as empresas automotivas no exterior e governa a montagem industrial, ainda é tão inatingível como sempre foi. Empresas metalúrgicas russas fabricam chapas de carro, mas elas não são usadas, ou pelo menos não na medida em que poderiam ser. Por não produzir as peças no mercado interno, deixamos de estimular outros setores da nossa economia, como a indústria de mineração, metalurgia, o setor da construção, e a lista continua.
BBM: Você defende uma aproximação entre os países do Brics, incluindo a criação de uma moeda comum. Por que isso é tão importante? E qual viável é essa iniciativa?
OS: É totalmente viável. Os países do Brics, juntos, correspondem a metade da população do planeta, e já deram um importante passo para a criação de um mecanismo financeiro independente. Refiro-me ao recente acordo para criar um Banco de Desenvolvimento do Brics e um pool de divisas de reserva para contrabalançar instituições como o FMI. O próximo passo lógico seria a criação de uma moeda comum para os países do Brics. Na minha opinião, essa medida permitiria que os países se afastassem da dependência dos centros financeiros ocidentais e do dólar americano como principal moeda de reservas e transações. Este é o passo mais realista, que poderia anunciar a melhoria econômica em todos os países do grupo, incluindo a Rússia.
BBM: Na sua opinião, qual mecanismo seria necessário para criar essa moeda?
OS: Os países teriam que escolher uma ‘moeda dos Brics’ para todas as transações entre os países do grupo e atrelá-la ao euro para facilitar a conversão; em seguida, criar centros monetários e de transação, bem como um sistema de pagamento próprio.
Tenho certeza que muitos países da América Latina, Sudeste Asiático e África iriam gradualmente usar essa moeda, já que estão ficando cada vez mais cansados da hegemonia do dólar e euro – as duas únicas moedas em que as coisas são compradas e em que os investimentos são feitos.
Se isso acontecer nos próximos três anos, esse novo sistema de pagamento global englobaria pelo menos 70% de todos os países, em termos de população mundial, o que poderia nos livrar do dólar de uma vez por todas.
BBM: Como é que uma moeda comum do Brics poderia se diferenciar do dólar ou do euro?
OS: A diferença é que seria apoiada por ativos e recursos reais – incluindo recursos humanos, naturais e matérias-primas – nos quais nossos países são ricos. Muito provavelmente, uma vez que essas medidas forem introduzidas, o mundo ficará dividido em dois grupos: o “progressista”, que incluiria países dos Brics e os mercados emergentes alinhados a eles; e os “pessimistas”, que incluiria os Estados Unidos, a Europa e os países associados a eles.
É por isso que criar a nossa própria moeda é um passo vital. Quanto mais cedo ocorrer, maiores serão os avanços no nosso desenvolvimento econômico e melhores as nossas chances de construir uma aliança poderosa e independente para contrabalançar os EUA.
BBM: Você poderia resumir os principais passos que a Rússia e demais países devem tomar para compensar as consequências das sanções e para levar suas economias para um novo nível tecnológico?
OS: Como eu disse antes, o primeiro passo seria a criação de uma moeda comum. O segundo seria remontar a nossa base tecnológica em conjunto com nossos parceiros. Nem todas as tecnologias importantes estão disponíveis nos países que introduziram sanções contra nós. Além disso, há países no Ocidente que adotaram uma perspectiva mais sóbria; eles têm as tecnologias que precisamos, mas não possuem matérias-primas. Precisamos negociar e encontrar maneiras de alcançar e explorar as oportunidades de benefício mútuo. Claro que também precisamos construir tecnologias por nós mesmos.
Enfim, o terceiro passo está relacionado a infraestrutura, e talvez esta seja a área mais importante. O desenvolvimento de infraestrutura estimularia outras indústrias, porque é a base sobre a qual tudo é construído – do prego à parte mais complexa de qualquer equipamento. Para que isso aconteça, precisamos adotar uma nova maneira de pensar e começar a lidar com essas questões. Precisamos fazê-lo imediatamente, e não procrastinar hábitos como de costume.
Publicado originalmente pela BRICS Business Magazine
Plano Brasil
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