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sábado, 29 de novembro de 2014

Pepe Escobar: Como Rússia e Alemanha podem salvar a Europa da guerra

Sistema de mísseis Patriot dos EUA
foto de Bernd Wustneck
EUA, OTAN e Rússia estão mesmo numa espiral alucinada que levará a Europa à guerra? É inevitável? Não. Longe disso.

Petro Poroshenko, vassalo dos EUA, que atualmente é a estrela do bailado dos oligarcas na Ucrânia, promoveu essa semana a ideia de que os ucranianos, em futuro próximo, depois de suas “reformas”, votem se querem ou não querem unir-se à OTAN.

Falemos sério. Alguns de vocês podem já ter ouvido falar de shatter belt” [lit. ap. cinturão de esfacelamento], territórios e povos que foram historicamente esmagados entre a Águia Alemã e o Urso Russo.

No pé em que estamos, todo o cinturão de esfacelamento – exceto Ucrânia e Bielorrússia – é constituído de países que já são membros da OTAN. Se a Ucrânia vier a tornar-se membro da OTAN – embora pareça possibilidade remota – o cinturão de esfacelamento e respectiva “almofada de proteção” [orig. buffer zone] terão desaparecido. Significará a OTAN – essencialmente, os EUA – plantados exatamente junto à fronteira ocidental da Rússia.

Washington acaba de anunciar que pré-posicionará mais veículos militares na Europa, para que sejam usados em exercícios ou “potenciais operações militares”. É notícia perfeitamente afinada com a incansável boataria gerada na “think-tank-lândia” norte-americana, segundo a qual OTAN e EUA serão “obrigados” a equilibrar seu compromisso com a segurança na Europa Ocidental, contra potencial “agressão” russa.

Com a Ucrânia, os Estados do Báltico e a Polônia persistindo em orquestrada histeria sobre a tal “agressão”, a opção de uma guerra nuclear EUA-Rússia pós-MAD (Mutually Assured Destruction [Destruição Assegurada para os Dois Lados]) aparece, como que por acaso, sobre a mesa de discussões. Pelo menos, há corrente de oposição; muitos e muitos norte-americanos bem informados perguntam-se por que os EUA teriam de pagar pela defesa da Europa, quando o PIB europeu é maior que o PIB dos EUA.

Quer brincar de guerra, rapá?

Quanto à “ameaça” de guerra nuclear na Europa – é bobagem. Não faz sentido comparar as capacidades nucleares estratégicas de EUA e Rússia em termos de números, mas não na qualidade.

Míssil russo de alta precisão modelo Iskander
foto de Alexei Danishev
Tomem-se os PIBs somados de EUA, Alemanha, França e Inglaterra e comparem com o PIB da Rússia: é vitória por larga margem. Examinem então o cenário nuclear estratégico, e a história é completamente outra. O PIB sozinho não “ganha” coisa alguma.

A elites de Washington/Wall Street estão mergulhadas até o pescoço na paranoia da guerra nuclear. Apenas um ou outro estudo aponta, pelo menos, na direção do óbvio: a flagrante fraqueza estratégica dos EUA.

Considerem-se alguns elementos básicos:

●– Os Mísseis Balísticos Intercontinentais [ICBMs] russos, armados com MIRVs [1] viajam a cerca de 18 Mach; é mais rápido que qualquer coisa que haja no arsenal dos EUA. E são basicamente invencíveis.

●– Os S-400 e S-500 duplicam o problema: Moscou concordou em vender o sistema de mísseis terra-ar S-400 à China; o resumo é que, assim, Pequim se torna impermeável ao poder aéreo dos EUA, ICBMs e mísseis cruzadores. A Rússia, por sua vez, está focada no S-500, estado-da-arte dos mísseis, e que faz o sistema antimísseis Patriot parecer uma [bomba] V-2 da IIª Guerra Mundial.

●– Os mísseis russos Iskander voam à velocidade de Mach 7 – com autonomia de 400 km, carregando uma ogiva de 700kg de vários tipos, e com 5 metros de margem de probabilidade de erro em relação ao alvo. Tradução: última palavra em matéria de arma letal contra campos de pouso ou infraestrutura logística. O Iskander pode atingir alvos em territórios muito profundos no interior da Europa.

●– E há afinal o Sukhoi T-50 PAK FA.

Sukhoi T-50 PAK FA
Os palhaços da OTAN que sonham com guerras e com guerra contra a Rússia teriam de aparecer com sistema muito especial, para bater esses Iskanders. E não têm sistema especial algum. Além do mais, têm também de enfrentar os S-400s, que os russos podem distribuir por todo o espectro.

Imaginem um pesado enxame de S-400s posicionados no exclave russo de Kaliningrado: seria o suficiente para transformar em pesadelo absolutamente horrendo, as operações aéreas da OTAN no interior profundo da Europa. Além do mais, os bons velhos jatos de combate da OTAN custam fortunas. Imagine o efeito de centenas de jatos de combate destruídos, numa União Europeia financeiramente devastada, já atacada até a beira da morte pela “austeridade”.

Como se isso não bastasse, ninguém conhece a exata extensão das capacidades estratégicas da OTAN. Bruxelas não fala. Extraoficialmente, as tais capacidades não são nenhuma maravilha. A inteligência russa sabe disso.

Ainda que se assuma que aqueles palhaços da OTAN insistam em brincar de guerra, Moscou já disse bem claramente que usará seu aterrador arsenal de mais de 5 mil armas táticas nucleares – e tudo mais que seja preciso usar – para defender a nação contra ataque convencional pela OTAN. E bastam uns poucos milhares de sistemas S-400 e S-500 para bloquear um ataque nuclear norte-americano.

E esse cenário de Apocalypse Now, de arrepiar os cabelos, ainda não considera a aliança Rússia-China – o mais importante evento, desses que viram o jogo, na história da Eurásia nessa primeira década do século XXI.

Se por acaso a gangue do “pivô para a Ásia” começar a ter ideias sobre bombardear também o Império do Meio, a China está investindo massivamente em mísseis contra satélites (ing. bouncing lasers off satelites); submarinos silenciosos que podem emergir à frente de porta-aviões dos EUA sem terem sido detectados; e um míssil antimíssil made in China que pode atingir satélite que esteja reentrando, com velocidade superior à de qualquer Míssil Balístico Intercontinental (ICBM).

Sistema de mísseis terra-ar S400 "Triumph"
foto de Alexey Kudenko
Em resumo, Pequim sabe que a frota de superfície dos EUA é obsoleta – e que não há como defendê-la. Desnecessário dizer que todos os desenvolvimentos para modernização que os chineses estão fazendo andam muito, muito mais depressa que qualquer coisa que esteja em andamento nos EUA.

Proposta modesta

O matraquear dos especialistas “de mídia” nos EUA é incansável: a Rússia encaminha-se para ser um império do século XXI.

O ministro Sergey Lavrov, de Relações Exteriores da Rússia, explica, em detalhes, como toda aquela conversa é lixo puro, sem diluição. O que realmente aconteceu é que Moscou afinal gritou “é blefe”, ante o golpe na Ucrânia, de inspiração brzezinskiana – com todos seus excessos e sobretons. Não surpreende que o Império do Caos [orig. Empire of Chaos] esteja furioso.

E aí está uma solução para desarmar a atual corrida ensandecida para a lógica da guerra. Examinei em detalhe o jogo de “roleta russa” em que Washington insiste. Agora é hora de apresentar uma modesta proposta – já discutida por uns poucos analistas preocupados nos EUA, Europa e Ásia.

Essencialmente, é muito simples. Depende da Alemanha. E trata de desmontar o que Stálin fez.

Stálin, no final da IIª Guerra Mundial, tomou da Alemanha o Leste da Prússia e passou o leste da Polônia para a Ucrânia. Originalmente, o leste da Ucrânia fora parte da Rússia; é parte da Rússia e foi dado à Ucrânia por Lênin.

Ora! Devolvamos à Alemanha o leste da Prússia; devolvamos o leste da Polônia à Polônia; e o leste da Ucrânia, assim como a Crimeia – que Khrushchev deu de presente à Ucrânia – volta a ser parte da Rússia.

Cada um fica com o que lhe cabe. Nada de Stálin. Nada de fronteiras inventadas à força. É o que os chineses definiriam com situação de ganha-ganha-ganha, “triplo ganha-ganha”. Claro que o Império do Caos combaterá alucinada e freneticamente essa acomodação pacífica: acabará a possibilidade de inventar mais e mais caos manipulado para tentar justificar uma cruzada contra alguma “agressão” russa inventada.

A bola está na quadra da Alemanha. Cabe agora aos prussianos do leste apresentar os fatos a Angela Merkel. É esperar para ver se ela é capaz de captar a mensagem.


Nota dos tradutores
[1] MIRV em si significa simplesmente “Veículo com Múltiplas Entradas Independentes – disse Lennox. – “E isso significa que seis ogivas – ou o que quer que o míssil carregue – podem ir, cada um delas, para alvos diferentes no solo”.

ICBM SS-20 da Rússia equipado com MIRV


Redecastorphoto

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