CRÍTICOS DIZEM QUE A COMPRA ‘DE PRATELEIRA’, FORA DAS REGRAS DO PROGRAMA MMRCA ORIGINAL, ENFRAQUECE A POSIÇÃO DO COMITÊ INDIANO QUE NEGOCIA A PRODUÇÃO DO RAFALE NA ÍNDIA. TAMBÉM DIZEM QUE 36 UNIDADES SÓ SERVEM PARA ACRESCENTAR OUTRO TIPO DE AVIÃO À JÁ GRANDE RELAÇÃO DE CAÇAS DA ÍNDIA
Noite de sexta-feira no Brasil e na Europa, manhã de sábado na Índia. E, com o nascer do dia, começam a despontar na mídia indiana as primeiras críticas após o impacto do anúncio de um contrato, ainda a ser fechado, para a compra de 36 caças franceses Dassault Rafale “de prateleira” – anúncio feito há algumas horas pelo primeiro ministro indiano Narendra Modi logo no início de sua visita à França.
O jornal Business Standard publicou artigo opinando que essa decisão põe de lado as normas para aquisições indianas de defesa, por silenciar sobre o plano de construir os caças na estatal indiana de aviação HAL (Hindustan Aeronautics Ltd), o que é uma parte central do programa MMRCA (avião de combate multitarefa de porte médio) . Nesse programa, a oferta do Rafale francês foi selecionada há três anos para negociações exclusivas.
Para o jornal, até o momento o MMRCA, que foi concebido para modernizar o setor aeroespacial indiano, só beneficiará essa mesma área na França.
O anúncio, segundo o artigo assinado por Ajai Shukla, demonstra o contínuo fracasso dos dois países em chegar a uma conclusão lógica do programa iniciado em 2007 para a aquisição de 126 caças, dos quais apenas 18 seriam fornecidos pelo fabricante original e 108 seriam construídos na Índia pela HAL. Tudo isso estaria se tornando uma compra direta de um fornecedor único, numa negociação governo a governo – sendo que, desde que se iniciaram as negociações com a empresa francesa (após a sua seleção no início de 2012) o esclarecimento de inúmeras “áreas cinzentas”da proposta financeira levaram os negociadores indianos a concluírem que a oferta era significativamente mais cara do que parecia.
Outros ofertantes podem contestar a decisão – Com essa mudança abrupta de regras, os ofertantes rivais derrotados – Lockheed Martin, Boeing, Saab, MiG e Eurofighter, em especial este último que chegou à fase final – podem de forma legítima levantar objeções. O grupo Eurofighter poderia mesmo argumentar que forneceria 36 de seus caças Typhoon “de prateleira” por menor preço que a Dassault, segundo o artigo. O argumento do articulista é que a Dassault tem apenas 180 encomendas do Rafale na França, além de 24 do Egito, enquanto as seis nações do consórcio Eurofighter encomendaram juntas 571 caças Typhoon, permitindo amortizar custos de desenvolvimento e infraestrutura em três vezes mais aeronaves.
Segundo o vice-marechal (reformado) Nirdosh Tyagi, que supervisionou a disputa do MMRCA, é difícil justificar a compra de um número pequeno de jatos Rafale numa força aérea que já opera sete tipos diferentes de caças: Su-30MKI, MiG-29, MiG-27, MiG-21, Mirage 2000, Jaguar e Tejas LCA.
A compra desses 36 jatos vai requerer uma cadeia logística e de infraestrutura para atender a apenas dois esquadrões de 18 aviões cada um. Tyagi afirmou que “36 caças não são nada aqui ou lá. Desde o começo, o MMRCA previu um contrato de 126 aviões, com opção para mais 63. A fabricação local por meio de transferência de tecnologia é crucial.”
Caso a Índia assine o contrato para esses 36 caças Rafale, a Dassault estará numa posição superior para negociar termos favoráveis para os 90 jatos restantes (pensando-se num total geral de 126). E, caso a Índia não concorde com as condições da Dassault, ficará com apenas dois esquadrões de Rafale, sem nacionalização.
Bom para a França, ruim para a Índia – Às críticas do vice-marechal somam-se as do analista militar Bharat Karnad, que há tempos faz críticas à escolha do Rafale. Karnad considera essa compra indiana fundamental… para a Dassault. A falta de encomendas chegou a levantar questões sobre sua própria existência, e Karnad faz a pergunta provocativa: “O que a Índia ganha em retorno, enquanto a França sorri a caminho do banco?”
O analista prossegue: “Os planos de produção da HAL estão no limbo, a política “Make in India” (produza na Índia) está incerta, e estamos comprando o avião da oferta mais cara. Por que?” Karnad estima que, com mísseis e outras cargas externas incluídas, cada Rafale poderá custar entre 150 e 200 milhões de dólares, fazendo a Índia pagar entre 5,4 e 7,2 bilhões de dólares por 36 caças Rafale, o que é praticamente o dobro do custo do Sukhoi Su-30MKI produzido no país.
Por fim, o artigo do Business Standard sugere que continuará incerta a continuidade das negociações do “Comitê de Negociação do Contrato” (CNC) pelos 90 caças remanescentes, dado que estas estiveram travadas por três anos. O CNC já havia deixado claro à Dassault que esta teria que melhorar sua oferta. Agora, segundo o jornal, a decisão do governo em comprar 36 caças Rafale “de prateleira” enfraquece significativamente o CNC.
Oposição política – Outro meio, no caso a edição de Calcutá do jornal The Telegraph, traz reportagem com ameaça do membro do “partido popular” da Índia (Bharatiya Janata Party – BJP), Subramanian Swamy. Este disse que tomará ações legais caso o governo prossiga nesse acordo para comprar os 36 caças Rafale, alegando que o avião tem desempenho ruim e que uma autoridade da administração indiana anterior havia sido subornada. Swamy diz que o caça é menos eficiente em consumo de combustível e que seu desempenho levou “a nenhum país no mundo a concordar em comprá-lo” – ainda que o Egito tenha contratado 24 exemplares, como fez questão de frisar jornal The Telegraph.
Ao que parece, justificadas ou não as críticas que já se fazia à época da disputa do MMRCA (alimentadas pelo lobby de cada concorrente ou por disputas políticas de longa data) têm tudo para ressurgir e crescer na Índia diante da surpresa deste anúncio de compra “de prateleira” de 36 caças Rafale, após anos de negociação para produzir os aviões na Índia, ainda mais pelo fato do governo de Narendra Modi ter como mote a política “Make in India”.
FOTOS (em caráter meramente ilustrativo): Força Aérea Francesa
Poder Aéreo
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