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domingo, 27 de setembro de 2015

Iêmen, uma tragédia esquecida

Sem recriminação, a coalizão liderada pela Arábia Saudita destrói o país vizinho, que “em cinco meses se parece com a Síria após cinco anos”
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Adulto e criança iemenita recebem cuidados em um hospital de Taiz, na segunda-feira 21, após serem feridos em confronto entre tropas leais a Hadi e soldados houthis

Uma característica da imprensa internacional é a incapacidade de acompanhar de forma simultânea mais de uma tragédia no Oriente Médio e na África. Isso faz com que alguns dramas sejam esquecidos ou simplesmente ignorados. É o que ocorre atualmente com o Iêmen. Enquanto a comunidade internacional (ocidental) se preocupa com a crise de refugiados na Europa ou com o Estado Islâmico, a coalizão liderada pela Arábia Saudita está destruindo o Iêmen.

O Iêmen vive um duro conflito há seis meses. No fim de março, a Arábia Saudita lançou uma ofensiva contra os houthis, movimento político religioso xiita que tomou quase todo o território do país no início do ano, forçando a renúncia do presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi. Historicamente opostos à influência saudita no Iêmen e alinhados ao Irã, os houthis são encarados como uma ameaça pela monarquia saudita. Temendo a influência iraniana em suas fronteiras, a Arábia Saudita arregimentou uma aliança de dez países muçulmanos e decidiu intervir para restituir Hadi ao comando do país.

Parte importante da ofensiva é feita por meio de bombardeios. Em grande medida, os ataques aéreos têm características de crimes de guerra. ONGs internacionais relatam bombardeios contra área civis densamente populadas em Taiz, Aden e Mokha, no sul do Iêmen, mas a prática parece ser corriqueira.

Em maio, um porta-voz da coalizão afirmou que a cidade inteira de Saada, bastião houthi no norte do país, era uma alvo militar, o que viola a lei humanitária internacional, por não distinguir alvos militares de civis. Em agosto, a ONU reportou uma “severa destruição de infraestruturas civis” na cidade, incluindo mercados, bancos e escolas.

Também no norte do Iêmen, a Arábia Saudita tem utilizado bombas de fragmentação, que explodem no ar, liberando diversas “sub-bombas”. Esse tipo de munição coloca os civis em risco por atingir grandes áreas e por criar campos minados com os artefatos que não explodem. O resultado da ofensiva aérea está em um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU divulgado no início de setembro: entre 26 de março e 30 de junho, os bombardeios mataram ao menos 941 civis e deixaram 2.295 civis feridos.

No mesmo período, mostra o relatório, os houthis e seus aliados (militares leais ao ex-ditador do Iêmen Ali Abdullah Saleh, aliado da milícia xiita) mataram 508 civis e deixaram outros 954 feridos. Em grande medida, a letalidade se deve ao fato de os houthis frequentemente usarem foguetes, morteiros e artilharia em áreas civis populosas (o que também pode implicar em crimes de guerra), às vezes matando dezenas de pessoas simultaneamente.

Esses números da carnificina, que não incluem agosto e setembro, certamente serão ampliados. As forças locais anti-houthi também atacam áreas civis e, desde o fim do mês passado, contam com o auxílio de tropas terrestres da coalizão liderada pela Arábia Saudita – cerca de 5 mil soldados estrangeiros, sendo 4 mil dos Emirados Árabes Unidos e mil sauditas.

Atualmente, a coalizão tenta chegar à capital Sanaa por duas frentes, uma a leste e outra ao sul, e tem bombardeado áreas civis da cidade, inclusive seu centro velho, patrimônio cultural da humanidade.

Imagem de 19 de setembro mostra os escombros de um edifício na Cidade Velha de Sanaa. Classificado como patrimônio cultural da humanidade destruído, ele foi destruído por um bombardeio saudita (Foto: Mohamed Huwais / AFP)
Imagem de 19 de setembro mostra os escombros de um edifício na Cidade Velha de Sanaa. Classificado como patrimônio cultural da humanidade destruído, ele foi destruído por um bombardeio saudita (Foto: Mohamed Huwais / AFP)

Catástrofe humanitária

A intervenção estrangeira deixou o Iêmen em uma situação catastrófica. Em agosto, Peter Maurer, chefe da Cruz Vermelha Internacional, notou em entrevista para a agência Associated Press que os efeitos da guerra seriam menores em uma sociedade mais forte e com uma estrutura melhor. O Iêmen, no entanto, é o país mais pobre do Oriente Médio e, de acordo com Maurer, “em cinco meses se parece com a Síria após cinco anos”.

Guardadas as proporções entre os dois países, os números indicam que a tese de Maurer está correta. Até aqui, ao menos 1,3 milhão de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas por conta do conflito, sendo que algumas escolheram a Somália como refúgio, por considerar o país africano um lugar mais seguro que o Iêmen.

Segundo a ONU, 80% da população (cerca de 21 milhões de pessoas) precisam atualmente de ajuda humanitária para necessidades básicas e auxílio para ter acesso a água potável (cujo preço pode comprometer um terço do orçamento familiar) e a instalações sanitárias. A dificuldade de obter o mínimo de higiene tem feito doenças como a dengue e a malária se espalharem.

As crianças, que desde março morrem ou são amputadas a uma média de oito por dia, são particularmente afetadas pela guerra. Como a coalizão liderada pela Arábia Saudita impôs um bloqueio naval ao Iêmen, e como o país importa 90% do alimentos que consome, 1,8 milhão de crianças devem sofrer com desnutrição neste ano, sendo 537 mil de forma severa. Um agravante é que o embargo afeta também organizações humanitárias, que não conseguem levar para dentro do país os mantimentos e equipamentos necessários para auxiliar a população local.

O futuro é terrível

As perspectivas futuras do Iêmen são tenebrosas. Observadores da Arábia Saudita indicam que a ofensiva parece ter se tornado um projeto pessoal de Mohammed bin Salman, ministro da Defesa e segundo na linha de sucessão do rei Salman, seu pai. A vitória no Iêmen, contra uma força militar alinhada ao Irã, maior inimigo da Arábia Saudita, seria, assim, fundamental para ele se cacifar na família real como futuro rei.

Apenas a pressão externa poderia fazer o governo saudita recuar, mas essa possibilidade pode ser descartada. A gestão Barack Obama fez os Estados Unidos passarem a ser vistos com suspeitas pela monarquia saudita, por ter reduzido a firmeza da aliança entre os dois países.

A assinatura de um acordo nuclear que reconhece o Irã como potência regional foi a comprovação dos temores sauditas. A rapidez das potências europeias para retomar relações com o Irã diluiu também a capacidade de influência de França e Reino Unido sobre a Arábia Saudita.

Focados em conter a oposição saudita ao acordo nuclear, EUA e europeus têm poucas motivações para desagradar os sauditas ao exigir o fim da intervenção no Iêmen. Além disso, lucram ao vender armas e equipamentos militares aos países do Golfo Pérsico – as bombas de fragmentação usadas no norte do Iêmen, por exemplo, são de fabricação norte-americana.

Neste cenário, há pouca esperança para o Iêmen. Tudo indica que o país continuará a ser destruído e os civis vitimados enquanto a Arábia Saudita desejar, e sem qualquer recriminação internacional.

Fonte: Carta Capital

Plano Brasil

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