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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Como a presença russa já muda o conflito sírio

Bombardeios ameaçam mexer com frágil equilíbrio de forças no Oriente Médio, afastando a Turquia e tornando Hisbolá e Irã mais ativos. Alvos de ataques aéreos russos, rebeldes moderados se afastam de solução política.
Destruição causada por bombas russas em Idlib, no noroeste da Síria

Os bombardeios russos na Síria chegaram ao sexto dia nesta terça-feira (06/10), dando sinais de que já alteram as bases de uma guerra que, desde 2011, já deixou mais de 250 mil mortos e deslocou um quarto da população local.

Que o conflito passaria a espelhar, em outro campo, as diferenças de longa data de Rússia e Estados Unidos sobre o Oriente Médio, já se esperava. É a primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, que ambos realizam missões de combate num mesmo país.
Mas a intervenção russa já demonstra também potencial para aumentar a distância entre atores locais e regionais do conflito. E parece deixar uma solução diplomática cada vez mais distante, numa evidência dos riscos de um acirramento internacional da guerra civil síria.

Moscou e Ancara mais distantes

Nesta terça-feira, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse duvidar da explicação de Moscou de que foi por erro que o espaço aéreo da Turquia, país-membro da Aliança Atlântica, foi violado por caças russos na fronteira com a Síria no fim de semana.
"Não vou especular sobre os motivos, mas esse não parece ser um acidente, e vimos dois deles", afirmou Stoltenberg sobre as incursões aéreas na região de Hatay.


Erdogan durante visita a Bruxelas: "É muito difícil manter a paciência diante das atuações russas"
Os incidentes, descritos pela Otan como "extremamente perigosos" e "inaceitáveis", ameaçam minar as relações entre Turquia e Rússia, antes fortes, mas que se viram arranhadas por diferenças sobre a guerra civil e a passagem de um gasoduto russo por território turco.

A Turquia, país que mais recebe refugiados da Síria, defende a instalação de uma "zona de segurança" na fronteira, onde sírios em fuga poderiam esperar para voltar a seu país após a guerra.

"É muito difícil manter a paciência diante das atuações russas. A Rússia deveria entender que perderá muito se perder um amigo como a Turquia", afirmou o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

Moscou, atualmente, não tem bases de confiança no Mediterrâneo para acomodar sua Marinha – tudo precisa passar pelo estreito de Bósforo, na Turquia. A Rússia possui, além disso, aviões e militares em um aeroporto na cidade síria de Latakia.

Aliança xiita em alerta

O que poderia alterar de forma fundamental o conflito seria uma intervenção armada russa em solo. O presidente Vladimir Putin nega a possibilidade, mas os indícios – reforçados pela Otan nesta terça-feira – apontam para o contrário.

A Otan obteve relatos de um substancial acúmulo militar russo no país, incluindo tropas terrestres e navios na costa síria, no Mediterrâneo. Segundo fontes do Exército americano, mais de 600 soldados russos, não fardados, já estariam em território sírio. E mais de 2 mil estariam sendo esperados na base próxima a Lataki, no noroeste sírio, perto da fronteira com a Turquia.


Assad com o ministro do Exterior do Irã, Mohammed Zarif: países são aliados regionais
A estratégia parece similar à atuação russa nos meses que antecederam a ocupação da Crimeia, em março de 2014, e durante o conflito com rebeldes pró-Moscou no Leste ucraniano, que teriam recebido auxílio militar diretamente do Kremlin.
Uma atuação russa em solo sírio, porém, iria além do simples apoio às tropas do presidente Bashar al-Assad. 

Ela poderia envolver uma mobilização sem precedentes entre os aliados xiitas do Oriente Médio, com participação do Irã e do Hisbolá, que há anos já atua na Síria em apoio ao regime de Assad.

A queda de Assad representaria um pesadelo para o Hisbolá e para a aliança xiita que engloba ainda a Síria e o Irã. O grupo radical libanês tem interesse em ajudar o ditador porque, sem ele, perderia sua principal fonte de subsistência. É Assad que abre caminho para o Hisbolá ter armas, dinheiro e se manter em operação.

Um enfraquecimento do presidente sírio, além disso, acabaria com o mais valioso ponto de apoio de Teerã no mundo árabe – a elite no poder em Damasco é alauita, uma ramificação do xiismo, que, por sua vez, é o ramo do islã predominante entre os iranianos.
Rebeldes na mira

Desde seu início, na última quarta-feira, os bombardeios russos vêm sendo vistos pelo Ocidente mais como uma tentativa de assegurar a sobrevivência de Assad, maior aliado russo no Oriente Médio, do que de combater o "Estado Islâmico".

"A Rússia busca garantir a permanência de Assad. A luta contra o 'Estado Islâmico' é algo secundário", afirma a analista política britânica Emile Hokayem.


Rebeldes do Exército Livre da Síria: grupos anti-Assad também estariam sendo alvos de bombas russas
A Rússia lançou dezenas de bombardeios contra bases da Jaysh al-Fatah (Exército da Conquista), a poderosa coalizão rebelde que inclui a Frente al-Nusra, uma afiliada da Al Qaeda na Síria, e uma série de organizações islamistas menos radicais.
Nos últimos meses, o Exército da Conquista foi responsável por impor sérios reveses às forças de Assad, ocupando a cidade de Idlib e, mais tarde, a província homônima – numa clara ameaça às áreas costeiras, tidas como reduto do ditador. E é justamente nessa região que a Rússia vem concentrando parte de seus bombardeios.

Como consequência, grupos rebeldes opositores tanto a Assad quanto ao "Estado Islâmico", incluindo alguns apoiados pelos EUA, já declararam não terem a intenção de participar de qualquer processo de paz que envolva os russos.

Em comunicado, 41 grupos rebeldes disseram que "a ocupação brutal russa bloqueou o caminho para qualquer solução política". O texto, assinado por organizações de várias regiões do país, ainda conclama à formação de uma frente que lute não só contra o regime sírio, mas também contra os aliados Irã e Rússia.

RPR/dpa/rtr/afp

DW

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