Sírio/Berliner ensemble
2/10/2015, Pepe Escobar, Asia Times
Tradução Vila Vudu
BERLIN – Oh, eu amo som de Su-24 bombardeando bandidos de “califatos” logo pela manhã. Tem cheiro de… vitória. Quero dizer, não, não tem. Porque quem bombardeia não somos nós, os Masters of the Universe.
Espero pelo meu amigo, com 36 desvalorizados euros na mão, bem à frente da embaixada do Império do Caos, que olha de lado para o Portão de Brandenburg. Em toda volta, grandes preparativos para as “festividades” que celebrarão o 25º aniversário da reunificação da Alemanha.
Brisa de outono, magnífico dia ensolarado, uma longa caminhada pelo [rio] Spree, cruzando o [parque] Tiergarten. Ich bin ein Berliner. [Sou um berlinense]. Ora, toda a minha geração sempre foi, desde que JFK imortalizou o local. Toda aquela gente atravessando para o lado “do mal”. You are leaving the American sector [Você está saindo do setor norte-americano]. Medo e ranger de dentes – e demência dadaísta – na República Democrática da Alemanha. Atravessava o [bairro] Kreuzberg em 1977 com uma valquíria pré-Rafael, enquanto Bowie fazia Low and Heroes – de Always Crashing in the Same Car até The Secret Life of Arabia –, mas estávamos chapados demais para atinar com o endereço do apartamento que ele dividia com Iggy Pop.
E naquela época todos estávamos sempre detonando o mesmo carro conceitual, dado que virtualmente todos os conceitos chaves dos últimos 200 anos foram inventados na Alemanha. E devemos tanto a Hegel como a Schopenhauer, tanto a Novalis como a Heine, tanto a Holderlin como a Kant, tanto a Bettina von Arnim como a Kraftwerk, para nem falar daquela culminação romântica em forma de pacto suicida no Wansee, Kleist e Henriette Vogel. Desculpem Foucault, Barthes, Lacan, Derrida e até Deleuze, mas sem Nietzsche vocês teriam de ganhar a vida… atrás de um balcão de bar?
Mas nem quando saboreava uma lembrança com um muito ansiado Martini no Hotel Adlon, nem ali conseguia tirar a Síria da minha cabeça. A coisa estava evoluindo como caso grave de eu estar enfiado (feliz da vida) em Berlin, mas sofrendo sempre do mesmo quebranto sírio.
Meu amigo – jornalista financeiro craque – aparece afinal, com sua deliciosa namoradaMade in Istanbul transbordando de estórias Rabelaisianas, desde os Masters of the Universefinanciando o nazismo, até material sobre os segredos (privados) da porta giratória entre o Fed e o estado profundo prime – mais de 200 páginas de fontes – para o próximo livro dele (a ser lançado no verão de 2016). Paramos para um café no Einstein, onde a adorável garçonete, oh, tão berlinense, imediatamente instantaneamente põe-se a discutir detalhadamente Twin Peaks – mas que café bom! –, quando se junta a nós um cineasta craque, cujo mais recente documentário exibido no canal Arte examina a guerra “secreta” de “Santo” Ronnie Reagan contra a URSS.
E dali rumamos para a Haus der Kulturen der Welt (HKW) [Casa das Culturas do Mundo] a qual, dentro de um fabuloso projeto de longo prazo 100 Years from Now [Daqui a 100 anos] (que está investigando “as condições que produzem os regimes temporais do capitalismo global de hoje”), teve a gentileza de me convidar para falar sobre tema com o qual os leitores de Asia Times estão bem familiarizados: o Novo Grande Jogo na Eurásia – com suas complementares Novas Rotas da Seda. Ouçam o podcast aqui; e não percam a devastadora análise de Margarita Tsomou sobre a Grécia, como “estrela” do colonialismo interno europeu).
O “sonho coletivo”
Tantas discussões fabulosas na HKW. Como a Alemanha ter “inventado” a adolescência – do Werther de Goethe e do Siegfried de Wagner, até a contracultura da California nos anos 1960s (ecos da [gravadora] Lizard King: “Morra jovem, mantenha-se bonito, deixe um belo cadáver”). E o inevitável eterno retorno daquele anjo trágico — Walter Benjamin, que conceitualizou o “sonho coletivo”: cultura burguesa da qual a história está totalmente ausente. E quando a história evapora, o que fica é a loucura (sem nenhuma regulação) do mundo da mercadoria – nosso mundo. Daí uma abundância de sonhos coletivos projetados que se encaixam perfeitamente na história do terror político.
Inevitavelmente, “sonho coletivo” – e terror político – me arrastariam de volta, outra vez, para a Síria, onde a Rússia, em apenas 48 horas, já fez muito mais para esmagar a matrixde terror dos jihadistas wahhabista/salafista, que a coalizão de finórios oportunistas em mais de um ano e mais de 6 mil “saídas”. Quantos e quantos são os prodígios que se podem operar com um par de Su-24s, decente inteligência por satélite, decente inteligência em campo e vontade política…
E tem também o bang ainda maior, não algum soluço: o ridículo maior que a vida que cerca aquele complexo militar-industrial de segurança-inteligência que desperdiça 1,3 trilhão/ano.
Daí o Ultraje de Pleno Espectro: de neoconservadores a neoliberais conservadores, aos imperialistas “humanitários”, todos estão disparando fogo pelas ventas. Vai desde “Putin atira-se num caldeirão para salvar Assad” – não, tolinhos, a Rússia está é distribuindo os caldeirões, como armadilhas, para ISIS/ISIL/Daesh – até a mais recente “mancada estratégica” dos russos (o novo Afeganistão deles), e o Pentágono considerando usar “força” para “proteger os rebeldes apoiados pelos EUA na Síria contra os quais os russos estão atirando.”
Como os Russkies atrevem-se a bombardear “nossos” rebeldes “moderados” e ah, como são moderados os coitadinhos, os nossos rapazes que lutam ao lado da Al-Qaeda?
Instantaneamente esquecido, aquele notório documento, de agosto de 2012, da Agência de Inteligência da Defesa [orig. Defense Intelligence Agency (DIA)] que explicava em detalhes como o combo CCG-OTAN e a Turquia estavam facilitando a emergência de um “califato” de jihadistas salafistas para assim apressar a operação “Assad tem de sair” de mudança de regime.
E instantaneamente esquecido também, como o general Michael Flynn, que chefiava a DIAnaquele momento, foi à televisão para dizer que aquela era uma “firme decisão” do governo Obama.
E depois, há ainda o top honcho da CIA John Brennan a declarar recentemente que a CIAestava “alerta” à emergência do falso “califato” – e avaliara “corretamente” o poder deles, em 2012. Bom trabalho! Pena que logo no início de 2014 – quando ISIS/ISIL/Daesh já havia capturado Fallujah e partes de Ramadi – Obama continuasse a zombar dos homens dos Califa, que, para ele, não passavam de “ala jovem da al-Qaeda.”
Quer dizer que nem a CIA nem Obama nem qualquer dos grumos da sopa de letrinhas da inteligência dos EUA jamais deram nem a mínima bola para ISIS/ISIL/Daesh. Firme decisão. Eles que façam lá um bom inferno. É o que explica o longo comboio de flamantes Toyotas brancas cruzando o “Siriaque”, para tomar Mosul, sem que nenhum dos mais sofisticados sistemas de vigilância por satélites as detectasse.
Qualquer um que saiba alguma coisa sobre o teatro do “Siriaque” sabe que não há “rebeldes moderados”. E agora Moscou está mostrando como se combate toda a matrixdos jihadistas wahhabistas/salafistas: um mix de drones, inteligência para orientação dos aviões e inteligência em solo (itens dos quais há déficit permanente na coalizão dos finórios oportunistas). É progressivo – começando por áreas próximas de centros urbanos no leste, e andando na direção do deserto ocidental. E serão incansáveis, para incluir apoio direto em solo para o Exército Árabe Sírio quando a fase de “recapturar território” ganhar ímpeto, lado a lado com apoio aéreo. You are leaving the American sector [Você está saindo do setor norte-americano].
Preparem-se, porque a guerra de informação, daqui em diante, será absolutamente doentia. Toda a galáxia dos neoconservadores, neoliberais conservadores e imperialistas “humanitários” estarão em frenesi, tentando vender à opinião pública mundial um “sonho coletivo” monstro; porque a Rússia é “o mal”, porque a Rússia bombardeia os “nossos” rebeldes e – horror dos horrores – porque a Rússia mata civis! Nós, aqui nos EUA, NUNCA cometemos tais atrocidades!
E há também o efeito cenográfico cômico, para coroar a farsa: o ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel al-Jubeir – nas funções de proverbial lacaio do Império do Caos – declara peremptoriamente que a hacienda de petrodólares que é a Casa de Saud jamais aceitará o esforço russo para manter Assad no poder. E, posto que não há solução política, então os inexistentes rebeldes “moderados” receberão mais e mais armas.
Aí está pancadaria a que vale a pena assistir: a paranoica/acovardada Casa de Saud, chamando para a briga a Força Aérea Russa. Melhor deixar para resolver na hora do recreio – e vamos ver por que o próprio Império do Caos está, ele mesmo, ainda mais ensandecido que o usual.
Lubitsch aparece para salvar
Nessa 6a-feira, o formato “Normandia 4″ voltará a discutir aquela falida colônia do FMI, a Ucrânia. Normandia 4 reúne França e Alemanha plus Rússia e Ucrânia. Em jogo, está a possibilidade de a União Europeia relaxar as sanções sobre a Rússia, já no início de 2016.
O Império do Caso simplesmente não pode permitir que a União Europeia apoie a Rússia na Síria – não importa o quanto já seja grave e mesmo que se agrave ainda mais a crise dos refugiados na Europa (crise, por falar dela, que foi precipitada pela Turquia que esvaziou, em massa, os “campos de contenção” de refugiados que mantinha em seu país). A União Europeia agora quer uma solução para a Síria, solução da qual a Europa muito precisa. O governo Obama ainda sonha com mudança de regime; ISIS/ISIL/Daesh + refugiados não passam de detalhe incomodativo.
Agora, imaginem que a União Europeia venha eventualmente a apoiar a Rússia na Síria – no caso de haver avanço claro, consistente em solo – e, ainda por cima, se decidir relaxar ou mesmo extinguir aquelas dolorosas e contraproducentes sanções relacionadas à Ucrânia; é quando começam ira e ranger de dentes de proporções intergalácticas, que acometerão o combo neoliberal “humanitário” imperialista.
Mas chega desse “sonho coletivo” fake. Há muito o que fazer: a exposição de Botticelli na Gemaldegalerie. Revisitar a espetacular coleção asiática do Pergamon. Longa parada no restaurante Lubitsch, sob o emblema do patrono que fuma um charuto e seudoppelganger. Lubitsch disse que filme bom é “filme misterioso, com coisas não ditas.” Se pelo menos tivéssemos um neo-Lubitsch para fazer a crônica do que fica sem ser dito em todos esses sonhos de mudança de regime. O céu não pode esperar.
Oriente Mídia
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