6/2/2016, Tony Cartalucci, New Eastern Outlook (NEO)
Traduzido por Vila Vudu
Com as forças sírias e aliados já completando a retomada da principal cidade da Síria, Aleppo, os EUA e aliados regionais dão sinais de interesse aumentado nas operações em campo na Síria, inclusive com os EUA garantindo apoio aéreo a forças turco-sauditas.
Por mais que obviamente EUA e aliados respondam assim diretamente ao colapso em todo o país, de suas forças ‘contratadas’, as mais recentes ameaças que fizeram de escalar ainda mais o conflito na Síria só muito fracamente ainda falam de “combater o ISIS.”
O Guardian, em artigo intitulado “Arábia Saudita oferece-se para enviar tropas para combater o ISIS em solo na Síria” noticiou:
Pela primeira vez a Arábia Saudita ofereceu-se para enviar tropas à Síria para combater o Estado Islâmico, disse o ministro de Defesa, na 5ª-feira.
“O Reino está pronto para participar de qualquer grande operação em solo que a coalizão (contra o Isis) decida levar a efeito na Síria,” disse o porta-voz militar brigadeiro-general Ahmed al-Asiri durante entrevista à rede de TV al-Arabiya.
Fontes sauditas afirmaram ao Guardian que milhares de forças especiais podem ser deslocadas, provavelmente em ação coordenada com a Turquia.
Na verdade, Turquia e Arábia Saudita desempenharam papel central tanto ao intencionalmente organizarem o ISIS como também no apoio logístico e financeiro que permitiu a perpetuação das atividades do grupo terrorista dentro da Síria e do Iraque. É o que dizem os inimigos de Ancara e Riad, mas também o principal aliado dessas capitais, os EUA.
Na verdade, Turquia e Arábia Saudita desempenharam papel central tanto ao intencionalmente organizarem o ISIS como também no apoio logístico e financeiro que permitiu a perpetuação das atividades do grupo terrorista dentro da Síria e do Iraque. É o que dizem os inimigos de Ancara e Riad, mas também o principal aliado dessas capitais, os EUA.
Já no início de 2012, documento da Agência de Inteligência da Defesa (orig. Department of Intelligence Agency, DIA) (.pdf) admitia, sobre o conflito sírio e o crescimento do ISIS que:
Se a situação se resolver lá há possibilidade de estabelecer-se um principado salafista declarado ou não declarado no leste da Síria (Hasaka e Der Zor), e é exatamente o que desejam as potências que apoiam a oposição, para isolar o regime sírio, considerado aprofundamento estratégico da expansão dos xiitas (Iraque e Irã).
A menção a esse “principado” (Estado) “salafista” (islamista) em 2012 acontecia claramente no momento em que foi decidido converter no que depois se chamaria ISIS, os afiliados da Al-Qaeda – oficialmente designados como “rebeldes” – apoiados por EUA, sauditas e turcos. Para esclarecer quem, dessas “potências que apoiam a oposição”, apoiaram a criação do ISIS, o relatório da DIA explica (itálicos meus):
O ocidente, os países do Golfo e a Turquia apoiam a oposição; e Rússia, China e Irã apoiam o regime.
É evidente portanto que esse repentino interesse em escalar nada tem a ver com o ISIS e só tem a ver com arrancar de lá os terroristas a serviço do ocidente antes de serem todos mortos, presos e/ou expulsos do país. A Rússia, que desempenhou papel crucial para que a maré virasse contra os terroristas da Al Qaeda e do ISIS na Síria, já avançou e já revelou que a Turquia prepara-se para o que parece ser uma incursão militar contra a região norte da Síria.
A Agência Reuters noticiou, no artigo intitulado “Rússia e Turquia trocam acusação em torno da Síria,” que:
A Rússia disse na 5ª-feira que tem motivos para suspeitar que a Turquia prepara incursão militar contra a Síria, tão logo fonte militar no exército sírio disse que Aleppo em pouco tempo estará tomada por forças do regime sírio e apoio aéreo dos russos.
O ISIS, exatamente como foi concebido, serve apenas como pretexto que justificará qualquer operação que EUA e aliados regionais decidam empreender – operação que terá o único objetivo de conter e sendo possível fazer retroceder os ganhos territoriais de sírios em russos em campo. Na pior das hipóteses, a ação visará a criar santuário seguro em território sírio, para onde os exércitos a serviço do ocidente possam retroceder.
A zona ‘tampão’ (outra vez)
Também a ideia de demarcar uma ‘zona tampão’ em território sírio também nasceu em 2012, quando se tornou claro que não seria fácil conseguir na Síria a ‘mudança de regime’ à moda do que o ocidente fez na Líbia. A ideia seria mudar, do (i) ritmo acelerado, claramente de guerra à distância, ‘por procuração,’ que os EUA e aliados contavam com que bastaria para que o governo de Damasco entrasse em pânico e fugisse, para (ii) guerra por procuração mais lenta, lançada a partir de um dos “paraísos seguros” ocupados pela OTAN na Síria.
Com cobertura aérea da OTAN, os terroristas poderiam lançar operações cada vez mais profundas em território sírio, expandindo assim, lentamente, a zona tampão, uma zona aérea de exclusão de facto, ilegal.
O plano rezava que as tais “zonas tampão” levariam diretamente e infalivelmente ao colapso do regime de Bashar al-Assad em Damasco.
Outra vez, e diferente dos planos das teorias conspiracionais, esse plano foi discutido abertamente nos círculos políticos de Washington.
A Brookings Institution – think-tank mantido por grandes empresas e bancos cujos ‘especialistas’ muito contribuíram para arquitetar a estratégia de alto nível para Iraque, Afeganistão, Líbia e, agora, também para a Líbia, bem como os planos construídos para confrontos futuros com o Irã e outros – foi muito explícita quanto à verdadeira natureza dessas “zonas tampão”. Em documento recente, intitulado “Deconstructing Syria: A new strategy for America’s most hopeless war,” os especialistas da Brookings afirmam que:
…a ideia seria ajudar elementos moderados a estabelecer zonas seguras confiáveis dentro da Síria, tão logo consigam fazê-lo. EUA, bem como sauditas e turcos e britânicos e jordanianos e outras forças árabes atuarão em apoio, não só do ar, mas eventualmente também em solo, mediante forças especiais.
O artigo explica detalhadamente (itálicos e negritos meus) :
O objetivo final dessas zonas não deve ser determinado antecipadamente. O objetivo intermediário deve ser uma Síria convertida em confederação, com várias zonas altamente autônomas e governo nacional (se for o caso) modesto. A confederação exigirá muito provavelmente apoio de força internacional para manutenção da paz, se esse arranjo chegar a ser formalizado por acordo. Mas no curto prazo as ambições serão moderadas – tornar aquelas zonas defensáveis e governáveis, para ajudar a prover alívio para as populações que ali vivam, e para treinar e equipar mais soldados de tal modo que as zonas possam ser estabilizadas e depois gradualmente expandidas.
Em vários sentidos, tudo isso, precisamente, em grau maior ou menor, é o que vem sendo tentado nos territórios sírios ocupados pelos terroristas. Agora, com as forças sírias apoiadas pela aviação russa voltando a assumir o controle sobre Aleppo, relatos da mídia-empresa ocidental lamentam que estão sendo destruídas peças de infraestrutura construídas por governos ocidentais. A tal ‘infraestrutura’ – por exemplo, as padarias literalmente administradas pela Al-Qaeda e que vendem pão produzido com farinha fornecida pelo governo dos EUA – era parte do plano da Brookings para “tornar aquelas zonas defensáveis e governáveis”.
A presença de forças militares russas na Síria parece ter conseguido impedir que o ocidente tornasse “defensáveis” aquelas áreas ocupadas do território sírio; a operação de ‘defendê-las’ sempre significou usar força armada diretamente contra o exército do estado sírio.
Que novos rumos o plano do Brookings tomará, ainda não se pode saber. O mais provável é que se converta em incursão limitada no norte da Síria para guarnecer o corredor (que dia a dia fica mais curto e mais estreito) Afrin-Jarabulus, antes que forças sírias, russas e curdas vedem completamente qualquer acesso por ali. Com forças turcas e sauditas controlando mesmo mínima porcentagem do corredor, podem continuar as tentativas em curto e médio prazo para expandi-lo, exatamente como reza o ‘plano’ Brookings.
O Brookings também pregou que se coordenassem as operações no norte a Turquia, com um ataque israelense pelo sul – mais uma opção que com certeza ainda está sendo considerada.
E também há a possibilidade de o ocidente tentar invadir e ocupar parte considerável do território sírio no leste – com o objetivo de conectar a área a uma porção do Iraque, o qual, parece, também será alvo de tentativa equivalente de roubo de terras, e por táticas ocidentais semelhantes.
O melhor cenário é cenário de derrota+impasse duradouro e caríssimo para o ocidente
O resultado mais provável contudo pode ser um impasse semelhante ao que se criou nas Colinas do Golan, que se arrastaria por anos, se não décadas.
Ainda assim a Síria teria meios para restaurar a paz e a ordem sobre vasta maior parte de seu território; para dar cabo dos marionetes que o ocidente manipula junto às suas fronteiras; e talvez pôr em operação suas próprias marionetes dentro das áreas sírias que tenham sido ocupadas – o que criará conflito de custará muito caro em custos políticos, financeiros e militares para a Turquia.
Quanto à Arábia Saudita, maior distensão de suas forças militares fará aumentar a pressão sobre a prontidão operacional dentro do reino, e diminuirá ainda mais a própria capacidade de combate, já super exigida na guerra de agressão que os sauditas movem contra o vizinho Iêmen. É também mais uma oportunidade para que o mundo conheça a inerente fragilidade das capacidades militares dos sauditas, o que renovará a energia de um arco crescente de oposição que começa a desafiar a influência dos sauditas em todo o Oriente Médio.
O pior cenário ameaça diretamente a hegemonia dos EUA
O pior cenário inclui evento em que a incursão da OTAN no norte da Síria encontra forte resistência, que dê cabo de seus coturnos em solo e de seus aviões nos céus. Dado que a maior parte do equipamento militar de turcos e sauditas é produzido nos EUA e na Europa, o desastre abalaria ainda mais a já abalada ilusão da superioridade militar do ocidente no cenário global. E esse abalo, por sua vez, teria repercussão direta na integridade da União Europeia e da aliança da OTAN e, também, no interesse de outros países em se tornarem membros, no futuro próximo, de uma, de outra ou das duas alianças.
Agora que o fim do jogo aproxima-se rapidamente na Síria, é possível que Damasco e seus aliados passem a investir pesadamente em tornar o mais altamente provável esse segundo e pior cenário, como resultado de qualquer incursão que EUA-Turquia-Sauditas tentem no norte da Síria. Ao fazê-lo, é possível que consigam, para começar, impedir completamente o movimento de agressão. Ou as consequências contra o ocidente serão inimagináveis se insistirem na agressão à Síria, mesmo conhecendo os riscos óbvios.
Uma vez que se sabe que o projeto para implantar uma zona tampão dentro de território sírio, no caso de fracassar a operação-golpe para mudar o regime de Damasco, foi construído ao longo de vários anos – não é descabido esperar que medidas igualmente importantes tenham sido planejadas, também muito cuidadosamente e demoradamente, pela Síria e aliados, para fazer frente àquele ataque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário