A derrota dos EUA na guerra do Vietnã é lembrada neste sábado (30) quando se comemora os 41 anos da fuga de Saigon das tropas norte-americanas, expulsas pelos vietnamitas, pondo fim ao longo conflito iniciado mais de 30 anos antes, quando os comunistas e nacionalistas vietnamitas levantaram-se contra a ocupação japonesa, durante a Segunda Grande Guerra.
Por José Carlos Ruy
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Foi uma guerra dura, cuja fase final (de 1954 a 1975) os vietnamitas chamam, com razão, de “guerra americana” – conhecida no Ocidente como Guerra do Vietnã.
Ao Vietnã – um pequeno e pobre país no sudeste asiático – coube o feito notável de derrotar três grandes e ricas potências imperialistas – o Japão, a França e os Estados Unidos. E demonstrar que o imperialismo não é invencível.
A rigor o país teve poucos momentos de paz deste a ocupação francesa, iniciada em 1884 (nove décadas antes), que impôs um regime colonial “marcado pelo racismo, pela brutalidade, por uma política econômica, social e educacional desesperadamente retrógrada, e pela exploração mais cruel dos trabalhadores e camponeses”, diz o estudioso Richard Morrock (ver “Revolução e intervenção no Vietname”, publicado no livro. Revolução e Repressão, de David Horowitz, Rio de Janeiro, 1969).
A resistência contra a ocupação estrangeira começou logo no início do século 20, registra o Informe Político ao 9º Congresso do Partido Comunista do Vietnã: “Desde o final do século 19às primeiras décadas do século 20nosso povo nunca deixou de se insurgir contra o colonialismo” (em Partido Comunista do Vietnã. IX Congrès National – documents. Hanoi, 2001).
Em 1930 um grupo de militantes, tendo à frente Ho Chi Minh (1890-1969) fundou o Partido Comunista do Vietnã, que dirigiu greves, protestos e grandes manifestações de camponeses e trabalhadores rurais.
Ho Chi Minh, que já era um líder nacional reconhecido, participou da Conferência de Versalhes (1919) ao final da Primeira Grande Guerra, e nela teve a ousadia de exigir dos aliados (e da França em particular) a autonomia dos povos da Indochina. A atitude foi rechaçada mas teve grande repercussão no Vietnã e fez a fama daquele que, nas décadas seguintes, seria o principal dirigente do Partido Comunista do Vietnã e da resistência nacional.
O início da Segunda Grande Guerra levou, em 1940, à ocupação da França pela Alemanha nazista. Em consequência, um ano depois, o Japão, aliado de Adolf Hitler, ocupou a Indochina.
A resistência contra a ocupação japonesa foi organizada pela liderança comunista. Ho Chi Minh, Vo Nguyen Giap (1911-2013) e Pham Van Dong (1906-2000) formaram, em maio de 1941, uma ampla frente patriótica, a Liga da Independência Vietnamita (Viet-Nam Doc Lap Dong Minh, conhecido como Viet Minh), que dirigiu a luta contra a ocupação japonesa.
O domínio japonês durou até 1945, quando – derrotados na guerra – foram expulsos do Vietnã e a independência do país foi proclamada por Ho Chi Minh em 2 de setembro de 1945.
Mas os colonialistas franceses não aceitaram a independência e começaram ações militares para reocupar a Indochina; no final de 1945 já tinham 50 mil soldados no país, iniciando uma guerra longa. Em 1953 o Viet Minh controlava 3/4 do norte e 1/3 do sul. Naquele ano o governo do Vietnã iniciou uma grande ofensiva para expulsar os franceses.
A batalha final ocorreu em Dien Bien Phu, em maio de 1954. Nela, sob o comando de um dos maiores generais da história, Vo Nguyen Giap, os vietnamitas impuseram aos franceses uma derrota memorável e puseram a potência colonial de joelhos.
Naquele ano os EUA já estavam profundamente envolvidos na guerra. Segundo oThe New York Times (04.06.1954), citado por Bertrand Russel, Washington já era responsável por 78% dos custos da guerra e, durante a batalha de Dien Bien Phu, o governo dos EUA chegou a oferecer armas nucleares aos franceses (ver em Bertrand Russel, Crimes de guerra no Vietnã. Rio de Janeiro, 1967).
O armistício com a França, assinado em Genebra, Suíça, em 1954, não resolveu o problema mas criou uma armadilha para o futuro, que prolongaria a guerra por mais duas décadas. O armistício previa a divisão temporária do país, com o norte sob controle do Viet Minh, e o sul (abaixo do paralelo 17) governado por Bao Dai, o imperador títere apoiado pelos franceses. E marcou, para 1956, uma eleição para decidir sobre a reunificação do país e a formação de um governo nacional.
Para evitar a derrota previsível, e inevitável, naquela eleição o primeiro-ministro de Bao Dai, o direitista Ngô Dinh Diem, deu um golpe de Estado, declarou a independência do sul e cancelou a eleição de 1956. Nasceu assim o Vietnã do Sul, com imediato apoio de Washington, justificado por uma declaração do presidente dos EUA, o general Dwight David Eisenhower, base da chamada teoria do dominó: “Se você colocar uma série de peças de dominó em fila e empurrar a primeira, logo todas acabarão caindo, até a última… Se permitirmos que os comunistas conquistem o Vietnã corremos o risco de se provocar uma reação em cadeia e todo os estados da Ásia Oriental tornar-se-ão comunistas, um após o outro”.
Essa ridícula “teoria do dominó” justificou uma das mais bestiais guerras de todos os tempos. O governo do chamado Vietnã do Sul foi uma ditadura brutal e assassina como poucas, voltada contra os nacionalistas e comunistas.
Para lutar contra ela foi formada, em dezembro de 1960, a Frente de Libertação Nacional cujos militantes receberam, dos estadunidenses, o apelido de vietcong, numa vã tentativa de desmoralizá-los (abreviação da expressão vietnamita viet nam cong sam, significando comunista vietnamita – o que, para os estadunidenses, era pejorativo!).
Para isolar os combatentes da FLN de sua base camponesa, as tropas dos EUA e a ditadura sul-vietnamita começaram a esvaziar povoados rurais suspeitos de apoiar a guerrilha, alojando a população em “povoados estratégicos” que eram verdadeiros campos de concentração. Era o reinado do terror da polícia secreta cujos “processos eram incrivelmente cruéis”, diz Bertrand Russel.
Até 1963 a ditadura havia assassinado 163 mil pessoas; outras 700 mil foram torturadas e mutiladas; havia 400 mil presos; 31 mil pessoas foram violentadas; três mil foram estripadas; quatro mil foram queimadas vivas. E o auge da guerra e dos horrores da ditadura ainda estava longe…
A escalada estadunidense na guerra foi exponencial. Suas tropas no Vietnã passaram de apenas 900 soldados em 1960 para 11 mil em 1962, 50 mil em 1963, 180 mil em 1965, até o auge de 540 mil em 1969.
Mas a determinação da resistência vietnamita era clara. Em janeiro de 1968 foi lançada a ofensiva do Tet, que atacou 36 cidades e chegou a ocupar a embaixada dos EUA em Saigon (atual Ho Chi Minh).
Foi um ataque arrasador. Embora contido, significou inegável vitória política por demonstrar ao mundo a disposição vietnamita de expulsar os invasores e reunificar o país.
O impacto da oposição mundial à guerra (e dentro dos Estados Unidos) foi intenso, com repercussão sobre o governo de Washington: a guerra ficava cada vez mais impopular, e os políticos estadunidenses se viram obrigados a admitir que seu fim estava longe. Passaram a buscar desde então uma “saída honrosa” para aquele conflito em cujo horizonte estava espectro da derrota da maior potência financeira e militar do planeta.
A crônica da guerra foi um rosário crescente de barbaridades e torpezas cometidas pelas tropas norte-americanas (como o massacre de My Lai, a aldeia onde, em março de 1968, soldados dos EUA estupraram mulheres e mataram mais de 400 pessoas – entre elas cerca de 170 crianças -, crime denunciado ao mundo em 1970).
Em busca da ansiada “saída honrosa” que pudesse disfarçar sua derrota, Washington multiplicou os esforços de negociação, feitos em termos quase sempre inaceitáveis para os nacionalistas e comunistas.
Paralelamente foram intensificados os bombardeios aéreos, como o cometido contra Hanói e Haiphong, entre 18 e 30 de dezembro de 1972, considerado o mais devastador da história.
A ação dos aviões militares se generalizou pela península indochinesa, atingindo o Camboja e o Laos.
Tudo e vão. Até que, em janeiro de 1973, o governo dos EUA desistiu e anunciou a “vietnamização” da guerra e o começo da saída das tropas norte-americanas. Supunham, com armas e dinheiro, iriam transferir as operações para o exército títere do sul.
Não deu certo, e o fim se aproximava rapidamente. A ofensiva conjunta de guerrilheiros e tropas regulares dos vietnamitas cresceu em 1974; desarticulou as desmoralizadas tropas do sul e, no final, derrotou o governo ilegítimo. Daí até a vitória final, em 30 de abril de 1975, foi um passo. Na tarde daquele dia foi registrada a foto que simboliza a derrota dos EUA – um helicóptero tentando alçar voo a partir da laje do prédio onde funcionava a embaixada dos EUA, com as pessoas em fuga. Era a imagem que fixou e eternizou a derrota do imperialismo!
Aquela foi uma guerra sórdida. Matou mais de 1,5 milhão de vietnamitas (do norte e do sul), e deixou 3 milhões de feridos – quase 4% de mortos e 8% de feridos numa população de 39 milhões.
O Vietnã foi o país mais bombardeado nas guerras do século XX. Os aviões dos EUA jogaram sobre seu território 45 milhões de toneladas de bombas, mais do que caiu na Alemanha em toda a Segunda Grande Guerra.
A criminosa guerra química teve larga aplicação com o uso desde bombas de napalm até desfolhantes químicos de vários tipos – o principal deles foi o chamado agente laranja – despejados sobre florestas e plantações, envenenando a terra, rios e lagos.
Bertrand Russel citou o relato de um médico vietnamita que na época visitou várias aldeias que sofreram esses ataques. “Geralmente”, disse, “são empregados em forma de pó, ou lançados de forma líquida, sobre vastas extensões, por aeroplano”. Eles “envenenam a água, os alimentos, a vegetação, e toda vida animal e humana. O envenenamento da água e da vegetação amplia a ação das substâncias para áreas ainda maiores. Substâncias tóxicas são também misturadas ao arroz [e também ao açúcar – NR], que é a seguir vendido ou distribuído entre o povo. Encontrei isso nas províncias de Kon Tum e Gia Lai, em 1965”.
Muitos vietnamitas morreram, entre grandes sofrimentos. “Examinei onze crianças que estavam seriamente doentes por terem nadado em um riacho que fora envenenado. Três delas ficaram cegas”.
Reunificado desde 30 de abril de 1975, o Vietnã se tornou oficialmente, em 1976, a República Socialista do Vietnã. Desde então pode-se ver o mesmo ânimo que os vietnamitas demonstraram na luta pela libertação nacional, durante a qual derrotaram três potências imperialistas (inclusive a maior delas, os EUA). Esse ânimo é aplicado, desde que a paz foi finalmente conquistada, esforço de reconstrução e desenvolvimento do país. Esforço que marca o período de paz iniciado depois da derrota dos três imperialismos.
Do Portal Vermelho
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