Com a ascensão de Temer, o Ministério da Cultura é fundido com a pasta de Educação
Há menos de um ano, quando o impeachment de Dilma Rousseff era uma possibilidade descartada no horizonte do Brasil, discutia-se uma reforma ministerial no Planalto em que o Ministério da Cultura foi um dos primeiros a entrar a fila da guilhotina. Diante dos protestos do setor e sobretudo do furacão político que se seguiu, a ameaça passou. Hoje, com o afastamento da presidenta e a ascensão de Michel Temer à presidência, os cortes dos ministérios voltaram à baila e a Cultura sentiu o golpe da faca no primeiro dia de seu Governo interino. A pasta será fundida com a de Educação, onde será abrigada com o status de secretaria. Ficará a cargo do deputado, agora ministro, Mendonça Filho (DEM-PE), herdeiro da agroindústria, que tem em seu currículo uma atuação mais ligada a iniciativas empresariais, sem expertise em Cultura.
A aglutinação dos ministérios tem um papel simbólico negativo, revelando o peso que o Governo interino de Michel Temer dá para a Cultura. A redução do papel da pasta foi rejeitada por profissionais e especialistas da área, que já articulam manifestos e um abaixo-assinado que circula nas redes. A própria nomeação política de Mendonça Filho aumentou a frustração. A fusão afeta as conquistas de um ministério jovem, que ainda trata de se erguer depois de sua extinção em 1990, sob Fernando Collor, e retomada em 1992, com Itamar Franco. Novamente, em tempos de recessão, aventa-se a possibilidade de restringir o orçamento do setor, sem dar chance de que seus agentes apresentem soluções próprias para superá-la. Por que, num país como o Brasil, a Cultura sempre patina?
Em tempos de política de austeridade, a junção das pastas emitiria um sinal de mais eficiência, acredita o Governo Temer. No entanto, sua extinção coloca em risco conquistas importantes, como o avanço de seis a 150 filmes produzidos por ano entre 2003 e 2010. Sem falar que, em termos econômicos, a Cultura tem um dos orçamentos mais baixos do Planalto – 2,4 bilhões de reais em 2016 (contra 3,3 bilhões em 2015) – sempre sujeitos a contingenciamentos que podem reduzir ainda mais a verba de fato disponível. Para efeitos de comparação, a Educação dispõe neste ano de 99,7 bilhões e a Saúde, um dos maiores, de 118,6 bilhões.
Sabe-se que a Cultura não ocupou, até hoje, nenhuma centralidade na administração pública brasileira e, portanto, nos esforços de desenvolvimento do país. Ainda assim, a criação do MinC, em 15 de março de 1985 pelo então presidente José Sarney, significou um passo para o pensamento cultural no Brasil graças ao surgimento de uma agenda pública autônoma. Em 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso começou a ampliar os investimentos em cultura, fomentando, inclusive o renascimento do cinema nacional. Em 2003, o ministério deixou de atender somente demandas específicas de fomento e passou a pensar em políticas culturais. Era o início da gestão de Lula, que com os ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira (PT), estabeleceu um orçamento crescente para a pasta.
Sob Dilma, mesmo com o legado estabelecido anteriormente, o ritmo de investimento caiu e a evolução esfriou. Segundo dados do Tesouro Nacional, as despesas do Governo Dilma com Cultura recuaram 25% de 2013 para 2014, ainda que no mesmo período as despesas da União como um todo tenham crescido 19%. “O MinC é uma conquista histórica, não só por ser um ministério de importância simbólica, mas sobretudo um espaço estratégico para o desenvolvimento do país, que pode trazer saídas da crise a partir da criatividade e da inovação”, diz do MinC Guilherme Varella, que está deixando a secretaria de Políticas Culturais que ocupava até pouco tempo.
Nesta terça-feira, em um anúncio feito via Internet sobre novidades na gestão da Cinemateca Brasileira, o então ministro de Dilma, Juca Ferreira, se pronunciou sobre a então eventual fusão de Cultura e Educação sob Temer, afirmando que “seria um retrocesso muito grande”. Apesar de que já havia anunciado que deixaria o Ministério para concorrer à prefeitura de Salvador (BA), o atual ministro continua sendo um dos principais interessados na continuação da pasta.
As patinadas da Cultura
Se descontadas os efeitos de uma crise político-econômica da dimensão da que o Brasil vive hoje e suas consequências sobre qualquer reforma ministerial, é fato que a Cultura tem lições de casa a fazer – e que nem sempre se cumprem. Na visão do consultor João Leiva, da J.Leiva Cultura&Esporte, “na hora de reduzir gastos, as áreas que não comprovam sua eficiência são as primeiras a perder investimentos”. Por isso, é preciso “construir estatísticas que sirvam de referência, a começar pela participação da Cultura no PIB”, opina o especialista. Esta é uma luta antiga do setor, que tem cobrado meios de tornar tangíveis as conquistas que a Cultura traz não só em termos de autoestima do país, mas pelo fomento à geração de emprego, por exemplo.
Os números existentes, apesar de escassos, servem para comprovar a importância de conquistas recentes, além de estabelecer as bases necessárias para visualizar caminhos a seguir. Mas são díspares entre os diferentes órgãos que os produzem, quando não falhos ou insuficientes. Estima-se – porque as estatísticas variam e são calculadas por vários órgãos com base em parâmetros diferentes – que a Cultura represente de 4 a 6% do PIB nacional. Mas é preciso mais do que estimativas para consolidar as ações do Estado: “Estamos claramente numa rota de avanço. Mas também não adianta ter ministério para fazer jogo de cena”, opina Leiva.
Nesse sentido, Ana Carla Fonseca está de acordo. “É claro que institucionalizar uma pasta tem um peso político importante, mas de modo geral, não basta – vide que alguns ministérios são menos ativos e proativos do que, por exemplo, a Secretaria das Micro e Pequenas Empresas, que tem status que ministério, sem sê-lo”, diz a especialista em economia criativa. Ela defende “a simbiose que deve haver entre Cultura e Educação” e não teme o fim do MinC per se, mas uma má gestão cultural no país, o que não depende de jogos políticos. “Ter instituições separadas pode ser menos interessante do que uni-las, sempre que uma não fique subalterna à outra e haja sinergia – de escopo, de programas, de orçamento – entre ambas”, declara.
Seja como for, a Cultura, com os negócios que gera, tem grande potencial para ser aquela que faz o Brasil deixar de ser somente um exportador de commodities e explorar as cadeias mercadológicas que têm em seu centro a criatividade e a inovação. Para Leiva, “a falta de informação faz o setor perder credibilidade. Números não são a única forma de leitura, mas podem ajudar na reestruturação e na própria compreensão de debates atuais, como os da Lei Rouanet e do ajuste de metas”. Não muito a respeito consta nos planos de governo do PMDB. Mas a partir de agora terá a cobrança de que, mesmo perdendo o status de ministério, ao menos não se percam as conquistas alcançadas até aqui.
QUEM É O NOVO MINISTRO?
Às vésperas da votação do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, antes mesmo da saída da presidenta estar confirmada, o vice-presidente Michel Temer – agora presidente interino do país – oficializou seu convite ao deputado federal Mendonça Filho (DEM-PE) para assumir o ministério da Educação, do qual a Cultura acaba de se tornar anexa. A lista completa dos novos ministériosfoi divulgada na quarta-feira, pouco depois do pronunciamento de Dilma ao ser notificada de seu afastamento.
Um dos principais articuladores do impeachment na Câmara, "Mendoncinha" (50), como é conhecido, começou na vida política aos 20 anos e foi deputado federal pela primeira vez entre 1995 e 1999. Destacou-se, em seu momento, por ser autor da proposta de emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Retornou à Câmara em 2011 e foi reeleito no ano passado. De 1999 a 2006, atuou no Governo de Jarbas Vasconcellos em Pernambuco – quando assumiu o posto de governador, com a saída de Vasconcellos para concorrer ao Senado. Em 2012, disputou a prefeitura do Recife.
Em matéria de Educação, tocou um projeto de escola integral no Estado em parceria com o Instituto de Co-Responsabilidade Educacional (ICE). Em Cultura, não há projetos que se destacam em sua trajetória.
Mendonça Filho é vaiado por funcionários da cultura no novo ministério
Desde o anúncio da fusão dos ministérios pelo governo Michel Temer, políticos e setores da sociedade civil, especialmente da classe artística, têm emitido críticas
Mendonça Filho foi anunciado titular do novo ministério. Foto: Google/Reprodução |
Anunciado titular do novo ministério da Educação e Cultura, o pernambucano Mendonça Filho foi recebido com vaias por servidores da cultura durante apresentação no auditório do MEC, nesta sexta-feira (13). "O MinC é grande e não dá pra extinguir", gritaram os manifestantes. Desde a divulgação da fusão dos ministérios pelo governo Michel Temer, políticos e setores da sociedade civil, especialmente da classe artística, têm emitido críticas.
Após o anúncio da mudança ministerial, o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura das Capitais e Regiões Metropolitanas declarou, em manifesto, que todo o esforço que o país fizer em termos de desenvolvimento econômico será "sem efeito para o conjunto da população se não considerar os aspectos culturais do desenvolvimento".
"Enquanto a maior parte do mundo caminha para pensar a cultura como estratégica para o desenvolvimento das nações, não podemos caminhar num sentido diferente. Por mais que se tenha que replanejar os investimentos no país, a Cultura precisa ser colocado num outro patamar, posto que o investimento não realizado em cultura hoje terá um alto custo para o país posteriormente. A Cultura é que nos torna realmente humanos, o que nos tira da barbárie", afirma o manifesto, assinado por 28 gestores públicos do país, entre secretários e dirigentes de instituições. O secretário de Cultura de Pernambuco, Marcelino Granja, foi um dos que assinaram.
Mudança
Com a fusão dos ministérios de Educação e Cultura, anunciada pelo governo Michel Temer nesta quinta-feira (12), o ministro Juca Ferreira deixa o cargo, que foi aglutinado ao de Aloizio Mercadante (Educação) e ocupado pelo pernambucano Mendonça Filho. Antes mesmo do anúncio, Ferreira já havia categorizado a alteração como um "retrocesso ao século passado".
Manifestações em Cannes
De acordo com o UOL, um grupo de produtores que estão acompanhando o Festival de Cannes, na França, tem planejado pequenas ações contra o afastamento de Dilma Rousseff da presidência e o fim do Ministério da Cultura. O portal informa que as articulações estão sendo feitas via Facebook. Os manifestantes pretendem utilizar faixas com frases de protesto durante o tapete vermelho de Aquarius, filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho, programado para a terça-feira (17).
De acordo com o UOL, um grupo de produtores que estão acompanhando o Festival de Cannes, na França, tem planejado pequenas ações contra o afastamento de Dilma Rousseff da presidência e o fim do Ministério da Cultura. O portal informa que as articulações estão sendo feitas via Facebook. Os manifestantes pretendem utilizar faixas com frases de protesto durante o tapete vermelho de Aquarius, filme do pernambucano Kleber Mendonça Filho, programado para a terça-feira (17).
Pra que Ministério da Cultura se temos a Globo?
Para a burrice e a subserviência imperarem em um país, é necessário que a seu povo impeçam de produzir e disseminar Cultura. E não só a sua, mas conhecer e digerir a que vem do mundo, como sempre foi muito antes da globalização, porque cultura é também absorver, processar e sintetizar, como o que é: um alimento.
Criado em 1985 – 26 anos depois do primeiro Ministério da Cultura do mundo, na França – o nosso MinC passou por vários governos, mas foi no primeiro mandato do presidente Lula, sob a batuta de Gilberto Gil, que a cultura começou a ser vista pela importância de sua diversidade e pluralidade.
Esses últimos 14 anos mudaram a cena brasileira resgatando aspectos culturais que são a nossa referência como cidadãos brasileiros. O Brasil que não se conhecia começou a se enxergar nos palcos, nas salas de cinema, nos livros, na música.
Pois foi esse o Ministério desta Cultura onde a gente se vê e se transforma o primeiro assassínio político do Governo da Usurpação.
Por economia? Não, mesmo.
Para se ter uma ideia, do ponto de vista orçamentário, o Minc representa 0,5% do Orçamento Geral da União. São 2.500 funcionários trabalhando e pensando a cultura do país, que representa 1,5% do PIB.
E com capacidade de gerar muito mais, inclusive porque não há um lugar onde a cultura brasileira, em todas as artes, não encante o mundo.
É porque cultura é, para esta gente, mercadoria comum, destas que se compra e vende: quem pode, vai à Brodway, quem não pode vê na Globo; O que ela quiser, aliás: seja das coisas boas que produz, seja do lixo que despeja a viciar seus espectadores.
A extinção do Minc vai gerar, em efeito dominó, demissões e desestruturação da atividade cultural no país. Isso terá impacto direto na vida das pessoas do interior e das periferias. Pois o que acontecerá é a volta ao passado, quando atividades de qualidade ocorriam somente nos centros das grandes cidades.
O Sistema Nacional de Cultura corre risco de se desarticular e o Plano Nacional de Cultura será paralisado, não há o que esperar.
O programa Cultura Viva pode, na mais otimista das previsões, sofrer cortes orçamentários, mas, na prática, acabará sendo deixado de lado. A extinção do programa é uma questão de tempo, pouco tempo, aliás.
O Vale Cultura, para ser operacionalizado, precisa de muitos funcionários e estrutura e já está sendo desmontada. Políticas de Promoção da Diversidade? Vai acabar tudo!
O IPHAN, que é um dos órgãos mais importantes do MinC, pois autoriza obras e tem poder de fiscalização e polícia, com o seu provável desmonte, servirá aos interesses da especulação imobiliária.
O caso mais emblemático será o Estelita. Poderão derrubar tudo e construir as torres gigantes no centro de Recife com uma simples canetada do Presidente do IPHAN.
A fusão da Cultura com a Educação é um engodo. Trata-se de um desmonte da cultura do Brasil.
Assim define Pedro Vasconcellos que, até ontem, era o Diretor de Políticas Culturais Estudos e Monitoramento do Minc:
Queremos um casamento da Cultura com a Educação, onde duas políticas andem juntas lado a lado, preservando suas identidades, onde a cultura contribua para a qualificação da educação e a educação contribua par ao desenvolvimento cultural. Isso que eles fizeram ontem é o casamento forçado do Coronel com a filha do outro Coronel que vende o dote, representa uma visão de mundo atrasada e reacionária.
Artistas brasileiros escreveram Carta Aberta em defesa do MinC e várias organizações, artistas e intelectuais do mundo todo deverão se manifestar. Com a extinção do MinC, o Brasil vai virar um pária internacional na área da cultura.
Para o ex-ministro Juca Ferreira:
O Brasil construiu um Ministério da Cultura contemporâneo, preparado para lidar com os problemas que remanescentes do século XIX, todos os do século XX que continuam ai, e já enfrenta os novos do século XXI. Portanto conseguimos produzir uma grande capacidade de enfrentar essa complexidade que é o Brasil, com essa fusão retrocedemos mais de 30 anos de esforços do estado brasileiro com a política cultural
Em seu facebook, o ex-ministro postou a Despedida de “Todos juntos” do MinC.
A luta contra o retrocesso proposto por um governo golpista não poderá parar, nem um minuto sequer.
Quem não tem compromisso com a cultura brasileira não tem compromisso com o povo brasileiro.
Ou tem um: o de não permitir que ele tenha identidade e, tendo identidade, pense seu país.
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