A Grande Muralha da Impotência do Pentágono, por Pepe Escobar - Noticia Final

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quinta-feira, 9 de junho de 2016

A Grande Muralha da Impotência do Pentágono, por Pepe Escobar

Ninguém nunca perdeu dinheiro apostando em que o Pentágono conseguiria controlar a própria retórica excepcionalista. 

Mais uma vez, o atual El Supremo do Pentágono e neocon de carteirinha Ash Carter, não desapontou no Diálogo Xangrilá – fórum anual regional de segurança em Cingapura e absoluto must-go, do qual participam ministros da Defesa, intelectuais e empresários executivos de toda a Ásia.

O contexto é tudo. O Diálogo Xangrilá é organizado pelo International Institute for Strategic Studies (IISS), com sede em Londres, que é, na essência, think-tank pró anglo-norte-americanos. E acontece no transportador privilegiado dos interesses geoestratéticos imperiais no sudeste da Ásia: Cingapura. 


Como disse o neocon Carter, a retórica do Pentágono – fiel à avaliação que o próprio Carter fez e divulga, segundo a qual a China seria a segunda maior "ameaça existencial" contra os EUA (a primeira seria a Rússia) – dá volta sempre em torno dos mesmos temas: o poderio e a superioridade militar dos EUA durará para sempre; somos o "principal avalista da segurança asiática" por, ok, sim, por toda a eternidade; e a China que se comporte no Mar do Sul da China, se não... a China já sabe!

Tudo isso vem incorporado num muito comentado mas até agora super anêmico movimento de "pivô para a Ásia", anunciado pelo governo pato manco de Obama – mas que promete entrar em ritmo frenético e fazer hora extra no caso de Hillary Clinton vir a ser a próxima inquilina do número 1600 da Avenida Pennsylvania.

Há ameaças reais, previsíveis, incorporadas na retórica. Segundo Carter, se Pequim reclama para si terra no Atol de Scarborough no Mar do Sul da China "a demanda resultará em ações a serem empreendidas pelos EUA e... por outros na região." 

Restaria à China, em pentagonês, aceitar ser membro de uma nebulosa "rede de segurança com princípios e valores" para a Ásia – que também ajudará a proteger o oriente contra "ações preocupantes da Rússia". Carter repetiu a expressão "com/por princípios" nada menos de 37 vezes em sua fala. A torcida uniformizada "por princípios" inclui até agora Japão, Índia, Filipinas, Vietnã e Austrália.

Aqui vai uma tradução instantânea: fazemos uma OTAN na Ásia; controlamos tudo; vocês responderão a nós; e na sequência nós cercamos vocês – e a Rússia – e tudo bem. Se a China diz não, é simples. Carter anunciou que Pequim erguerá uma "Grande Muralha de autoisolamento" no Mar do Sul da China.

Se esses são os melhores estrategistas que o Pentágono tem para enfrentar a parceria estratégica Rússia-China, melhor voltarem à sala de aula. Da escola primária.

Naveguem livremente, caros vassalos 

Como se podia prever, o Mar do Sul da China foi assunto insistente em Xangrilá. O Mar do Sul da China, via de trânsito de trilhões de dólares norte-americanos em comércio anual, duplica de valor, como ninho de riqueza ainda não explorada, de petróleo e gás. O Japão estagnado e cada vez mais irrelevante, através do ministro da Defesa general Nakatani, até anunciou que os japoneses ajudarão as nações do sudeste asiático a construir as próprias "capacidades de segurança" para enfrentar o que chamou de ações "unilaterais" e "coercitivas" dos chineses no Mar do Sul da China. Os mais cínicos não atrapalhariam se logo identificassem semelhanças com a Esfera Expandida de Co-prosperidade do Leste da Ásia, do Japão Imperial.

A delegação de Pequim manteve-se cool – até certo ponto. O subalmirante Guan Youfei disse que "ações dos EUA, de tomar lado nas disputas, são desaprovadas por vários países". Youfei – presidente do Gabinete Chinês de Cooperação Militar Internacional – não deixou passar sem crítica uma "mentalidade de Guerra Fria", que observou nos suspeitos de sempre.

Quanto ao Japão, o ministro de Relações Exteriores da China detalhou que "países de fora da região deveriam cuidar de cumprir o que prometem, e não fazer comentários insensatos sobre questões de soberania territorial". É que o Japão nada tem a ver, absolutamente nada, com o Mar do Sul da China.

As demandas de Pequim sobre recifes no Mar do Sul da China põem a China naturalmente em conflito direto com Vietnã, Filipinas, Malásia e Brunei. Assim sendo, a intromissão dos EUA – sob o manto conveniente da "liberdade de navegar" – seria mesmo inevitável. Operações de "liberdade de navegar" não passam de joguinho tolo de intimidação, com navios ou aviões da Marinha dos EUA passando bem próximos de uma ilha que a China reivindica no Mar do Sul da China.

Coube ao almirante Sun Jianguo, vice-comandante do Gabinete Conjunto da Comissão Militar Central da China, cortar a conversa fiada. Chamou a atenção para "ações de provocações por alguns países", e acrescentou que "interesses egoístas" "superaqueceram a questão do Mar do Sul da China. Criticou duramente o Pentágono por operar com dois pesos e duas medidas e pelo "comportamento irresponsável". E criticou as Filipinas por levarem o conflito a uma muito duvidosa corte de arbitragem da ONU, depois de terem infringido acordo bilateral vigente com a China: "A China não cria confusões, mas não temos medo de confusões."

A posição chinesa é de preferir o diálogo e a cooperação – e Jianguo reforçou essa ideia, convocando a ASEAN a agir. De fato, a China já alcançou o que tem sido chamado de um consenso de quatro pontos com Brunei, Cambodia e Laos, há dois meses, sobre o Mar do Sul da China. As Filipinas são osso mais duro de roer – porque o Pentágono não poupa nada e ninguém para continuar a governar Manila "pela retaguarda".

Até o Vietnã, pelo vice-ministro da Defesa Nguyen Chi Vinh, deixou claro – na mesma sessão plenária em que se manifestou o almirante Jianguo – que o Vietnã prefere soluções mediante a Convenção da ONU sobre a Lei do Mar, e negociação entre China e ASEAN.

Curvem-se às nossas regras, porque, se não... 

Depois dos excessos retóricos de Xangrilá, a ação passou para Pequim, local do 8º Diálogo Estratégico e de Desenvolvimento China-EUA. É o festival de conversas anuais lançado em 2009 por Obama e o então presidente da China Hu Jintao.

O vice-ministro das Relações Exteriores da China Zheng Zeguang pintou quadro róseo, destacando a troca de visões honestas, em profundidade sobre questões sensíveis importantes de interesse partilhado." O embaixador da China aos EUA Cui Tiankai mais uma vez teve de destacar que o relacionamento dos dois países é "importante demais" para ser "sequestrado" pelo Mar do Sul da China. Pois usar o Mar do Sul da China para sequestrar o relacionamento é, exatamente, a agenda do Pentágono.

Mas Pequim não será desviada do caminho que traçou. Como disse o Conselheiro do Estado Yang Jiechi, o diálogo China-ASEAN está avançando mediante a abordagem que Pequim chama de "trilha dupla", pela qual as disputas são negociadas entre as partes diretamente envolvidas. Implica que Washington não interfere.

Além do que tenha sido discutido seja em Xangrilá ou no diálogo China-EUA, o Grande Quadro é claro. Os planejadores do Excepcionalistão modelaram uma narrativa na qual a China seria forçada a escolher: ou se curva às "nossas" regras, como no atual jogo estratégico unipolar – ou, então....

Ora, Pequim já escolheu. E a escolha chinesa implica mundo multipolar de nações soberanas sem primus inter pares. A liderança chinesa no governo de Xi Jinping vê claramente o quanto e como a chamada "ordem" internacional, na verdade "desordem", é sistema vicioso definido no final da 2ª Guerra Mundial.

A esperta diplomacia chinesa – e o comércio chinês – sabe como usar o sistema para promover interesses nacionais chineses. Foi assim que a China moderna converteu-se em "salvadora" do turbo-capitalismo global. Mas nada disso significa que uma China ressurgente aceitará para sempre essas "regras" ensandecidas – para nem falar das lições de moral em que os EUA insistem. Pequim sabe que o Excepcionalistão não aceitaria sequer partilhar o espólio em algum tipo de arranjo entre esferas de influência geopolítica. Em Washington, contenção e contenção – com ramificações possivelmente perigosas – é o Plano A. E não há Plano B.

Resumo disso tudo – finamente disfarçado nas respostas ainda polidas às ameaças do Pentágono – é que Pequim simplesmente não mais admitirá uma desordem geopolítica que não foi criada por ela. Os chineses não dão um réis de mel coado pela Nova Ordem Mundial [ing. New World Order (NWO)] sonhada por seletos Masters do Universo. Pequim trabalha na construção de outra ordem, nova, multipolar. Não surpreende que China – e Rússia, sua parceira estratégica – tenham sido e continuem a ser as ameaças gêmeas que o Pentágono mais teme.

blogdoalok


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

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