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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Conflito na Síria: Uma visão iraniana sobre o envolvimento dos russos e uma possível cooperação dos turcos



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Apresentação (The Saker)

O mais recente artigo de Aram Mirzaei é realmente uma gema rara, pois delineia uma visão iraniana sobre o conflito na Síria e o envolvimento dos russos. Como eu e outros já mencionamos várias vezes, Rússia e Irã são aliados de-facto nessa guerra, mas, diferente das 'coalizões' anglo-sionistas, aquela relação não significa subordinação de um país ao outro, nem há só uma visão que os demais sejam obrigados a papaguear. 

A verdade é que Irã e Rússia sempre tiveram visões diferentes e objetivos diferentes, e nenhum lado jamais foi forçado nem a negar nem a esconder esse fato. O Irã expressou frustração com a Rússia, do que resultou uma viagem que o ministro da Defesa Shoigu fez ao Irã, onde as diferenças foram discutidas com clareza e honestidade. No curto prazo, esses desacordos são, é claro, frustrantes, mas no longo prazo são, acredito firmemente, fenômeno saudável e benéfico, que abrem caminho para vias alternativas, para aliança verdadeiramente multipolar  entre as partes. 


Devo acrescentar que a ideia de que o Hezbollah seja 'procurador' do Irã no Líbano é também profundamente equivocada. Sim, o Hezbollah recebe apoio do Irã; e, sim, Sayyed Hassan Nasrallah é seguidor do Aiatolá Ali Khamenei, mas o pensamento iraniano sempre foi que a Resistência apressaria a emergência de um aliado independente no Líbano, não de um fantoche. Entendo que a Rússia faz o mesmo com o Irã (e com outros aliados, inclusive com a China).

O artigo abaixo expõe uma visão iraniana desse conflito. E embora eu não concorde integralmente com o modo como Aram interpreta os movimentos dos russos, considero muito bem-vinda uma interpretação não russa, iraniana, daqueles movimentos. Agradeço a Aram pela excelente contribuição e espero que possamos continuar a oferecer, por esse Blog, também o olhar do Irã sobre o Oriente Médio e, mais globalmente, o olhar da resistência mundial contra o Império Anglo-sionista [Assina] The Saker.

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Conflito na Síria: 

Uma visão iraniana sobre o envolvimento dos russos e uma possível cooperação dos turcos 
2/8/2016, Aram Mirzaei, The Vineyard of the Saker

Desde o outono de 2015, a coalizão sírio-iraniana-russa tem sido muito efetiva no conflito sírio, com múltiplas vitórias no campo de batalha, mais especialmente nas províncias de Latakia e Aleppo, com mais de 90% de Latakia já libertada dos degoladores que o Ocidente financia e apoia.

Em fevereiro, EUA e Rússia negociaram um cessar-fogo nacional, que deixava de fora os grupos de terroristas notórios Frente Al-Nusra e o Estado Islâmico do Iraque e Levante [ing. ISIL; ar. Daech]. Os russos deram a outros grupos militantes que combatiam ao lado desses grupos terroristas uma chance de se separarem dos terroristas, o que não foi feito, apesar das muitas e muitas conclamações. Em vez de se separar dos terroristas, os militantes islamistas apoiados pela OTAN sempre se aproveitaram dos vários acordos de cessar-fogo para se reagrupar e rearmar-se, para voltar a tentar recapturar os territórios perdidos para as Forças Armadas Sírias. Resultado dos acordos de cessar-fogo, omomentum sírio-iraniano-russo foi contido; e os terroristas, que até ali haviam sido pesadamente atingidos, conseguiram tomar novo fôlego.

Começando em abril-maio de 2016, os grupos islamistas apoiados pelo ocidente lançaram várias ofensivas, sobretudo no sul de Aleppo e conseguiram recapturar parte dos territórios que haviam perdido, inclusive a cidade da colina de Al-Eiss, estrategicamente crucial. Depois da queda de Al-Eiss, os Guardas Revolucionários do Irã (ing. IRGC) estacionados no sul de Aleppo manifestaram profunda insatisfação com os russos, que insistiam para que o exército sírio e aliados não reagissem às provocações. Essa insatisfação culminou em junho, quando o IRGC iraniano e seus aliados libaneses, o Hezbollah, ameaçaram retirar-se completamente de Aleppo.

Para compreender o ponto de vista do Irã sobre o conflito sírio, e por que não estão satisfeitos com a Rússia, é importante examinar os dois lados e objetivos reais do cessar-fogo e como prosseguir nessa guerra.

A visão dos russos sobre a situação em Aleppo 

Desde a implementação do cessar-fogo e o acordo de reconciliação em fevereiro passado, a Rússia investiu grande parte de seu prestígio político em manter a palavra. Em março, a Rússia retirou grande parte da força aérea que mantinha estacionada em Latakia, como sinal de boa vontade e para mostrar que, para ela, o acordo era sério. Desde então a Rússia tem aconselhado as Forças Armadas sírias a não se engajar em novas ofensivas em Aleppo e Latakia, congelando essas zonas de combate. E a Rússia continuou a lançar ataques aéreos contra os grupos terroristas do ISIL e Frente al-Nusra, e orientou o Exército Sírio para se concentrar neles, não nos rebeldes islamistas mantidos e apoiados pelos EUA.

Esse processo culminou no final de março, quando unidades do Exército Árabe Sírio recapturaram a antiga cidade de Palmyra, graças em grande parte aos pesados ataques aéreos e apoio que receberam dos russos. No início de abril, o Exército Árabe Sírio recuperou a antiga cidade cristã de Al-Qaraytayn, o que foi pesado golpe contra os terroristas doISIL. Apesar de inúmeras violações do cessar-fogo pelos islamistas apoiados pelos EUA, a Rússia várias vezes deu a eles a chance de pararem de "misturarem-se" com o grupo listado como "organização terrorista" Frente Al-Nusra, o que até então ainda não acontecera. A Rússia observou bem que os EUA praticamente não controlam as forças que servem como seus 'procuradores' em campo; ou só tem controle mínimo sobre elas.

Dia 6 de junho, um oficial russo, falando off the record em Moscou a um grupo de jornalistas, disse que as relações com Washington são surreais. "Um dia, firmamos acordo sobre alguma coisa, dia seguinte, os norte-americanos fazem o oposto. Quando falamos com eles, jogam a culpa em outros. É difícil construir confiança com eles. E mesmo quando eles se comprometem num acordo formal, demoram meses para implementar o acordo." [1]

A intervenção russa não voltará a conseguir o mesmo impulso que tinha nos primeiros meses quando entraram no conflito, em outubro de 2015. Parece que os russos creem que a intervenção deles e o que conseguiram foram suficientes para iniciar um processo político em fevereiro, coisa que na verdade jamais aconteceu, apesar dos muitos acordos feitos para cessar-fogo.

Verdade é que a intervenção russa não atingiu os objetivos operacionais que os próprios russos anunciaram em novembro de 2015. Os russos destacaram a necessidade imperiosa de chegar à fronteira turco-síria, para fechar as passagens pela fronteira e rotas de suprimento da Turquia, como precondição para qualquer solução. Mas os russos desistiram desse plano. Em vez disso, a trégua que os russos negociaram permitiu que facções armadas, os EUA, Arábia Saudita e Turquia reorganizassem e rearmassem suas fileiras, e reconstruíssem grande parte da infraestrutura destruída pelas operações conjuntas russo-sírias. [2]

Essa situação causou muita frustração entre os aliados da Rússia, sobretudo do Irã e do Hezbollah que desconfiam sempre muito de Washington e não acreditam em cooperação com o mesmo regime que continua a apoiar facções ligadas à Al-Qaeda em Aleppo.

Em entrevista publicada dia 31/5/2015 no diário russo Komsomolskaya Pravda, Lavrov disse que o prazo final que Moscou deu aos "rebeldes moderados" (para se desligarem da Frente Al-Nusra) estava expirando; e acrescentou que: "Eles [os EUA] pediram-nos agora mais vários dias antes de o plano deles – sob o qual todos que não cumpram o cessar-fogo são alvos legítimos, independente de estarem na lista de organizações terroristas ou não – entrar em ação. Pediram mais vários dias de prazo para responder, e esses vários dias expiram essa semana."[3]

A resposta de Washington porém nunca diz respeito às intenções e preocupações dos russos, e só fazem repetir o mantra "Assad tem de sair", com John Kerry, ainda em junho, dizendo que "a Rússia precisa compreender que nossa paciência não é ilimitada, de fato é muito limitada, quando a Assad ser ou não ser acusado". 

Além do mais, nem durante a operação militar russa nem depois que o cessar-fogo foi implantando Washington parou de rearmar as facções militantes. Os EUA e aliados chegaram a fornecer àquelas facções quase 3 mil toneladas de armas, deram-lhes treinamento e organizaram e coordenaram a operação dos grupos, no esforço para desgastar os russos na Síria. Deve-se observar que esse sempre foi clara política de Obama, com o objetivo de impedir que se chegasse a qualquer solução política , como parte do desejo dos EUA de isolar a Rússia. Washington de fato chegou até a pedir à Rússia para não atirar contra posições da Frente Al-Nusra, fato que o próprio Lavrov confirmou. [4]

Seria até o caso de que algum sentimento de amargura e frustração predominasse dentro do Exército Árabe Sírio por perderem a iniciativa para alcançar uma vitória, especialmente em Aleppo, que mudaria o curso da guerra; e algumas fontes dentro do exército dão notícia de crescente descontentamento com as posições da Rússia em relação aos repetidos cessar-fogo. Mas tudo isso parece ter mudado durante o último mês. Desde o início da ofensiva em Aleppo em junho, pelo Exército Árabe Sírio, a Força Aérea Russa tem estado muito ativa nos ataques contra terroristas. Esse movimento levou o Exército Árabe Sírio a conseguir capturar a estrada Al-Castillo no norte de Aleppo, o que corta a última linha de suprimento dos terroristas para os setores leste da cidade. Talvez Lavrov tenha-se afinal convencido de que Washington está enganando os russos e que a "coalizão anti-ISIL" nada faz, e continua o fluxo de terroristas e armas através da fronteira sírio-turca.

Posição do Irã sobre Aleppo e o conflito como um todo 

Para o Irã, a guerra em curso na Síria deixou de ser questão de segurança regional. Agora o conflito tem efeitos e implicações diretas para a segurança nacional do Irã. Essa perspectiva está clara nas declarações diárias emitidas de Teerã, nas imagens na mídia, de soldados e de oficiais de alta patente iranianos martirizados e sepultados na capital do Irã. Houve também a recente nomeação do almirante Ali Shamkhani, secretário do Conselho Nacional Supremo de Segurança do Irã, para o posto de coordenador militar e de segurança do grupo de operação conjunta na Síria comMoscou e Damasco, que diz muito sobre a posição do Irã na questão síria.

Ex-comandante naval do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã (IRGC), Ali Shamkhani se reportará diretamente ao Supremo Líder do Irã Aiatolá Ali Khamenei, "que é quem tem a última palavra nas principais questões na Síria," como disse um oficial iraniano. Espera-se que Shamkhani partilhará ideias e opiniões com Khamenei para "contribuir para o poder e a independência dessa importante sistema islâmico".[5]

Teerã apoia todos os esforços que visem a pôr fim no conflito sírio; um oficial iraniano disse que: "Em Genebra, Viena ou onde for, ver pessoas sentadas à volta da mesa é a melhor coisa do mundo. Mas sentar à mesa só para ganhar tempo não faz sentido. Os norte-americanos estão tentando ganhar tempo para seu novo governo, à custa de vidas humanas na Síria. Não se pode aceitar tamanha hesitação, quando por todos os lados o povo está cercado por tragédias." E acrescentou: "Nossos amigos russos já foram até o fim [da estrada] com os norte-americanos. Várias vezes alertamos que não está certo. Já perdemos oficiais e observadores, por causa da posição dos russos, e agora eles descobriram que deu em nada. Vamos inicia um novo nível de cooperação."[6]

O Irã sempre foi claro sobre suas intenções na Síria, querem esmagar completamente o terrorismo na Síria, o que o ministro de Defesa do Irã Hossein Dehghan já disse muito claramente.[7]

O ministro de Defesa do Irã manifestou a determinação de Teerã, de continuar a prover ajuda militar ao governo sírio. Ao mesmo tempo, destacou a preocupação do Irã com a possibilidade de o Estado Islâmico ganhar acesso a armas nucleares. E comentou sobre os cessar-fogo temporários na Síria, especialmente em Aleppo, dizendo, "Concordamos com cessar-fogo que não ajude os terroristas a aumentar ainda mais a própria potência."

Dehghan referia-se a um ataque dia 7 de maio, no qual a coalizão Jaysh Al-Fateh (coalizão jihadista que reúne, entre outros grupos, a Frente Al-Nusra) atacou e tomou a vila de Khan Touman no sul de Aleppo, matando mais de 13 oficiais iranianos e tomando vários prisioneiros. Ainda mais importante, membros dos Boinas Verdes Iranianos (Brigada Nohed), que também estavam nesse front, sofreram sérias baixas e tiveram de ceder posições. O ataque do dia 7 de maio foi o maior contra forças do Irã na Síria, até agora. E gerou indignação em todo o país.

Depois da queda de Khan Touman, estrategistas e especialistas do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã, que haviam considerado positiva a presença de militares russos na Síria, passaram a manifestar sérias dúvidas e preocupações quanto aos objetivos da Rússia na luta ao lado de forças iranianas, libanesas e sírias.[8]

Outra coisa que também causa suspeitas, do ponto de vista do Irã, é que a Rússia continua negando-se a dar cobertura aérea a forças paramilitares iranianas, do Hezbollah e a forças paramilitares iraquianas aliadas, quando são atacadas no sul de Aleppo, e só bombardeiam pesadamente o norte do interior da província de Aleppo. Só depois do avanço massivo dos Jihadistas sobre Khan Touman em maio, quando os Jihadistas alcançaram posições do Exército Árabe Sírio, é que os russos recomeçaram a visar o front do sul de Aleppo. Isso levou a especulações de que a Rússia poderia ter prometido aos israelenses não apoiar o Hezbollah e os Guardas Revolucionários do Irã, inimigos jurados de Israel.

Dia 10 de junho, o Irã recebeu os ministros de Defesa da Rússia e da Síria, que se reuniram no ministério da Defesa do Irã. O objetivo declarado da reunião foi trocar ideias e discutir a guerra ao terror.

Pode-se dizer com segurança que a Rússia compreende que não pode resolver o impasse na Síria se não em colaboração com Teerã e Damasco. Por isso o ministro da Defesa da Rússia Sergei Shoigu viajou a Teerã. Segundo fontes iranianas, Shoigu lamentou, na reunião, o incidente de Khan Touman e também que o Irã não tivesse sido informado do cessar-fogo em Aleppo. Além disso, enfatizou que Moscou está empenhada em colaborar com Teerã em todas as questões políticas e militares, indicando que haveria maior apoio russo às tropas da Guarda Revolucionária iraniana estacionadas no sul de Aleppo.

Embora a promessa russa de colaborar com Teerã para alcançar objetivos táticos do Irã e do Hezbollah possa ser solução de curto prazo, no longo prazo ela não supera a distância entre os objetivos da Rússia e os do Irã, no que tenham a ver com a guerra síria.

O principal objetivo de Moscou na Síria é manter um governo dependente em Damasco e garantir, à frota naval russa, acesso aos portos do Mediterrâneo oriental. O Irã precisa da Síria e de acesso às regiões do sul do país (Quneitra), para manter o apoio iraniano ao Hezbollah libanês. Se a Rússia alcançar seus objetivos, não verá mais qualquer razão para manter o status quo (com Assad no poder), e isso é precisamente o que sempre preocupou o Irã, desde o início desse jogo.

No que tenha a ver com a batalha de Aleppo e região circundante, o principal interesse do Irã está em sanear as partes sul da província e andar até a fortaleza jihadista de Idlib, onde duas cidades predominantemente xiitas estão sitiadas desde a primavera de 2015 (Kafraya e Al-Fouaa). Essa tarefa se assemelharia à ofensiva no norte de Aleppo em fevereiro de 2016, quando as cidades xiitas de Nubl e Al-Zahraa foram libertadas depois de longo sítio de três anos. Isso não garante apenas um poderoso estímulo para a moral das forças iranianas e do Hezbollah ali estacionadas, mas também garante àquelas forças um forte apoio que lhes chegaria do Irã.

Por causa da insistência dos russos na Síria e aliados, em não responder às ofensivas de Jaysh Al-Fateh, Irã e Hezbollah ameaçaram deixar as linhas de frente, recusando-se a continuarem como alvos parados, enquanto os Jihadistas colhem vantagens de sua inatividade. Isso poderia explicaria a reunião de 10 de junho em Teerã, onde o Irã tomou a iniciativa de fixar a agenda, e o retorno dos russos como temos visto acontecer na província de Aleppo desde o final de junho. Mas, mais ainda, também explicaria a avançada final pelo Exército Árabe Sírio para cercar completamente a cidade de Aleppo, que não teria sido possível sem o grande impulso que receberam dos 'olheiros' russos no céu.

Tentativa de golpe na Turquia e suas consequências mais amplas para a guerra síria 

Em conversa telefônica dia 18 de julho, o presidente do Irã Hassan Rouhani congratulou-se com o presidente turco Recep Tayyip e o povo da Turquia, por ter estancado e revertido a tentativa de golpe levada a efeito por militares.

Há notícias de que Rouhani teria dito ao presidente turco:
"Afortunadamente, o povo turco mostrou sua grande maturidade política ao longo da tentativa de golpe, e provou que abordagens de provocação não têm lugar em nossa região.
Assim como nós lutamos pela estabilidade e segurança de nosso país, também é nosso dever partilhar a responsabilidade pela estabilidade e segurança de países muçulmanos vizinhos e amigos".

Rouhani também destacou que os países na região devem trabalhar juntos para erradicar o terrorismo, e disse a Erdogan:
"Esse evento foi um teste para identificar os amigos e inimigos domésticos e estrangeiros da Turquia."
O presidente turco, por sua vez, gostou do telefonema de Rouhani; respondeu que
"balas e tanques podem matar pessoas, mas não podem destruir os ideais de uma nação."
"Estamos resolvidos a cooperar com o Irã e a Rússia, para alcançar solução para as questões regionais e ampliar nossos esforços para restaurar a paz e a estabilidade na região."[9]

O golpe e seus desdobramentos provavelmente afetarão as relações entre Erdogan e vários países, tanto na região como globalmente. Deve-se assumir que Erdogan não esquecerá os países que condenaram o golpe, os que se mantiveram calados e os que esperaram para ver o resultado antes de condenar o golpe e os golpistas. O apoio de Rússia e Irã que, ambos, condenaram imediatamente o golpe, apesar de terem sido rivais da Turquia no conflito sírio tem máxima importância.

Ao contrário, o governo saudita, suposto aliado da Turquia, pelo menos na Síria, só se congratulou com Erdogan depois de transcorridos mais de dois dias, quando o golpe já havia fracassado.[10]  Algumas fontes também estão noticiam que Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos tiveram envolvimento na tentativa de golpe contra Erdogan, algo que afinal nem é tão impensável, se se considera a ameaça que o ministro saudita de Relações Exteriores Adel Al-Jubeir lançou contra a Turquia um dia antes da tentativa de golpe, relacionada a sinais que a Turquia emitira de mudança de política na direção de favorecer a Síria.[11]

No que tenha a ver com Washington, Erdogan está ainda menos satisfeito. Altos membros de seu partido Justiça e Desenvolvimento [tur. AKP] até já disseram que é possível que Washington tenha apoiado os líderes golpistas. Especulações sobre o apoio dos EUA à tentativa de golpe ganharam destaque quando ficou claro que os jatos F-16 que os golpistas usaram haviam decolado da Base Aérea Incirlik, onde também há forças dos EUA estacionadas; e que o comandante da base, hoje já preso, teria abordado oficiais dos EUA buscando asilo nos EUA.[12] Claro, Washington nega qualquer apoio ao golpe e aos golpistas, mas a controvérsia já estressou os laços entre Turquia e EUA, e apoiadores de Erdogan reuniram-se na parte externa da Base Aérea Incirlik, aos gritos de "Morte aos EUA".[13]

Eventos posteriores à tentativa de golpe também ameaçaram aprofundar o estresse nas relações com a União Europeia, com o revide contra as forças pró-golpe servindo para que Erdogan reinstaure a pena de morte, coisa que a União Europeia já disse claramente que é inaceitável, se a Turquia ainda tiver interesse em se tornar estado-membro.

No que tenha a ver com a Síria, o descontentamento turco com Washington e EU, principalmente quanto a demandas por Washington, de que a Turquia assuma papel mais forte na "coalizão Anti-ISIL", além da cooperação com as Unidades de Proteção do Povo Curdo, YPG (que a Turquia vê como organização terrorista) são ainda outras questões que afastam a Turquia e seus aliados ocidentais.

O desenvolvimento mais significativo, na sequência do golpe falhado é a possibilidade de reaproximação com Rússia e Irã para acertar as questões regionais. Os dois pilotos turcos responsáveis por derrubar o jato russo em novembro de 2015 estão, pelo que se sabe, entre os membros pró-golpe já presos, o que pode ajudar a recompor os laços com Moscou.

Em resumo, Erdogan tem duas opções sobre a Síria: manter o status quo e surfara onda de sólido apoio nacionalista conservador, ou dar novos passos na direção da mudança, reforçando a cooperação com Rússia e Irã.

Apesar das diferenças entre Rússia e Irã, pareceria que permanecem como aliados próximos no campo de batalha, apesar de ter objetivos diferentes para o futuro da Síria. Afinal, o Irã reconhece o tremendo impulso político e militar que a presença russa garantiu à Síria e aliados. É possível que o Irã compreenda que a Rússia, basicamente, foi forçada a concordar com o cessar-fogo, sob pesada pressão de Washington. Contudo, o Irã, especialmente a facção principista, não se curva tão facilmente a pressão de Washington, o que ficou muito claro durante as chamadas "negociações nucleares iranianas". Se compreendem que a Rússia tenha sido forçada a ceder, nem por isso o desapontamento diminui entre os linha-dura iranianos, que veem a Rússia como força muito mais poderosa, que absolutamente não precisa submeter-se à hegemonia dos EUA.

Quanto à Turquia, alguma eventual mudança política não significa necessariamente alguma moderação na feroz objeção à autonomia curda no norte da Síria. Ao contrário, pode acontecer de Erdogan ser empurrado para mais perto de Assad, porque pode tomar o estado sírio como a única força capaz de impedir os curdos de alcançarem um estado federal autônomo (autonomia que o governo sírio rejeitou).

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