Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
"Les hommes aux moeurs doux et un peu molles [devinrent] des moutons enragés, ne rêvèrent que destruction et massacre" / Homens de maneiras suaves e um pouco frouxas [transformaram-se] em ovelhas enfurecidas, pensando só em destruição e massacre
(Alexis de TOCQUEVILLE, Souvenirs, 1893 [10 (sobre a revolução de 1848)]
"Quando li que Jeb Bush gastou $130 milhões para ser atropelado em North Carolina, seu Waterloo, ri tanto que caí da poltrona"
(comentário de Michael Sosebee, leitor)*
Em todos os meus anos de observar a política nos EUA, jamais vi eleição presidencial que desencadeasse emoções tão predominantemente negativas. Todos odeiam Donald Trump, Hillary Clinton ou, cada dia mais, os dois. Assim se vai criando um severo problema psicológico para muita gente: querem dizer aos amigos e ao mundo que Clinton é mentalmente instável e escroque, mas vivem em conflito, porque ao dizer tal coisa estariam apoiando Trump. Ou querem dizer a todos o quanto Trump não passa de falastrão idiota vulgar, narcisista, egoísta, mas sentem-se em conflito, porque se disseram o que pensam estariam apoiando Clinton. Alguns estão abandonando o duopólio dos grandes partidos em favor de partidos menores, prontos a votar em Jill Stein, a Verde, ou em Gary Johnson, o Libertarista, mas se dilaceram porque votar em Stein tiraria votos da Clinton, a escroque, e assim seria apoiar Trump o falastrão egoísta, e votar em Johnson tira votos de Trump e seria apoiar Clinton a escroque. Não há vitória possível. Ou há?
Há uma longa lista de argumentos a favor de votar contra os dois principais candidatos, algumas delas aparentemente válidas. No topo da lista das aparentemente válidas é que Clinton é corrupta e belicista, e Trump é inexperiente e promove divisões na sociedade. Mas, também, nada mais difícil do que encontrar uma única razão válida, seja onde for, pela qual alguém deva querer votar a favor de qualquer dos dois. Disseram alguns que é menos provável que Trump inicie a 3ª Guerra Mundial, porque tem instintos de comerciante, e o que quer, antes de tudo, é fazer dinheiro, não fazer guerra; mas Clinton gosta tanto de dinheiro quanto Trump – basta ver o gigantesco fundo lamacento privado dela, conhecido como Clinton Foundation! Por outro lado, talvez Trump só goste da ideia de paz até o momento de ser eleito; imediatamente depois, alguém explicará a ele que o império norte-americano é uma negociata de extorsão, e que quebrar pernas (também chamado "guerras") é o jeito de fazer, e faz-se. A partir de então, ele amará a guerra tanto quanto Clinton a ama. Nada disso facilita a empreitada de votar em sã consciência num ou noutro, para quem seja amante da paz e da liberdade.
Ouvi Jill Stein dizer que as pessoas deveriam poder votar pela própria consciência. Sim, concedamos que votar contra a própria consciência provavelmente faça mal à alma – se não for mau para seu bolso. Mas nesses termos a coisa soa como se a cabine de votação fosse um confessionário, não o que ela é – aparelho pelo qual as pessoas podem afirmar o próprio muito limitado poder político. Mas você tem algum poder político? Ou as eleições norte-americanas não passam de jogo de manipulação no qual você sempre perde, não importa em quem vote?
Um estudo de 2014, Testing Theories of American Politics: Elites, Interest Groups, and Average Citizens [Testando teorias da política norte-americana: elites, grupos de interesse e cidadãos médios], de Martin Gilens e Benjamin I. Page, mostrou conclusivamente o modo como as preferências dos cidadãos médios não fazem nenhuma, nem a mais mínima diferença para coisa alguma; mas as das elites e grupos de interesses endinheirados, sim, fazem, e muita. Assim, pode-se responder facilmente a pergunta de se você é vencedor ou derrotado no jogo da política eleitoral dos EUA: se você é multibilionário e capitão de indústria, você provavelmente ganha; se você é cidadão comum, nesse caso suas chances de vencer são precisamente zero.
Dado que você vai perder, como deve jogar? Deve você agir como Ovelha Enfurecida, obedecer a todos os sinais que lhe enviam os candidatos, as organizações deles e os comentaristas 'de política nos veículos das mídia-empresas de massa? Deve você fazer sua parte para entregar a maior vitória possível aos que estão manipulando o processo político para maior vantagem deles mesmos? Ou deve você recusar qualquer cooperação na máxima medida possível e tentar desmascará-los e neutralizar os esforços deles na manipulação política?
Claro, há uns poucos arrepios baratos dos quais a Ovelha Enfurecida pode servir-se – endorfinas de tanto pular para cima e para baixo acenando com signos produzidos em massa e gritando slogans pré-aprovados por comitês de campanhas. Mas se você é o tipo de pessoa que gosta de ter um pensamento independente vez ou outra, você, com alta probabilidade, está à procura de três coisas:
• evitar dano psicológico por ter de observar e participar nesse espetáculo absurdo e degradante;
• sentir o delicioso arrepio de ver o sistema fracassar e todos que estão por trás dele, em papel ridículo; e
• reconquistar alguma quantidade de fé na possibilidade de um futuro para seus filhos e netos que envolva alguma coisa que realmente se pareça com algum tipo de democracia, não com um jogo viciado, humilhante, sórdido.
Antes de jogar, temos de compreender que tipo de jogo é esse, em termos técnicos. Há muitos diferentes tipos de jogos: jogos de força (cabo de guerra); jogos de habilidade (esgrima) e jogos de estratégia (gamão). Esse, agora, é jogo de força, que se joga com grandes sacos de dinheiro, mas pode ser convertido em jogo de estratégia pelo lado mais fraco, não para vencer, mas para negar a vitória ao oponente.
A maioria de nós somos criados com a agradável ideia de que jogos devem ser justos. Num jogo justo, os dois lados tem uma chance de vitória, e normalmente há um vencedor e um perdedor, ou, se não acontece, há empate. Mas jogos justos são só um subconjunto dos jogos, e todo o resto – a grande maioria dos jogos – são injustos. Aqui, estamos falando de um tipo específico de jogo injusto no qual o lado em que você estiver sempre perderá. Mas isso significa que o outro lado tenha sempre de ganhar? Não, absolutamente não! Há dois resultados possíveis: "você perde – eles ganham" e "você perde – eles perdem".
Agora, se vocês, não sendo nem multibilionários nem capitães de indústria, estão diante da evidência de que passarão o resto da vida no campo perdedor, que resultado desejariam? Claro que qualquer pessoa desejará que o outro lado também perca! A razão: se os que estão do outro lado começam a perder, eles abandonarão esse jogo e recorrerão a outros meios para se assegurarem uma vitória injusta. No caso do jogo da política eleitoral dos EUA, assim se conseguirá rasgar o véu de falsa democracia, gerando um nível de indignação pública que pode tornar possível, pelo menos teoricamente, a restauração da democracia verdadeira.
Então, como se muda o resultado, de "você perde – eles perdem" para "você perde – eles perdem"?
A primeira questão é se você deve dar-se o trabalho de votar, e a resposta é sim, você deve votar. Se não vota, você entrega o campo à Ovelha Enfurecida a qual, sendo mais facilmente manipulável, entregará vitória fácil ao inimigo. Resta então a pergunta de Como você deve votar, para fazer o outro lado perder? A coisa aí não deve ser tratada como assunto de escolha pessoal; nada de se preocupar com "o mal menor" ou com que candidato fez as promessas mais sem sentido. Você não estará votando a favor de alguém: você estará votando contra todo o processo. Pense em você como um soldado que se apresenta como voluntário para defender a liberdade: você estará simplesmente cumprindo ordens. A dinamite já foi plantada por outra pessoa; sua missão, caso a aceite, é acender o pavio e afastar-se. Essa ideia deve motivar você, ao mesmo tempo, para ir, votar e tornar o processo de votar mais fácil e sem tensão. Você deve ir, subverter o paradigma e afastar-se para assistir aos fogos de artifício.
Na sequência, você tem de entender como o jogo eleitoral é jogado. É jogado com dinheiro – altíssimas somas de dinheiro –, e os votos são secundários. Em termos matemáticos, o dinheiro é a variável independente, e os votos são a variável dependente; mas a relação entre dinheiro e voto é não linear e varia com o tempo. No turno aberto, os interesses que controlam o dinheiro jogam enormes pilas de dinheiro nos dois principais partidos – não porque eleições tenham de ser, pela própria natureza delas, ridiculamente caras, e, sim, para erigir muralha intransponível, que impeça a entrada de cidadãos comuns. Mas a decisão final é efeito de margem de vitória relativamente mínima, para que o processo eleitoral pareça legítimo, não pura encenação, e para gerar excitação. Afinal, se os interesses que se organizaram por trás do dinheiro jogam o próprio capital em seu candidato preferido, garantindo, pelo dinheiro, a vitória antecipada daquele candidato, não de qualquer outro, o jogo todo não pareceria suficientemente democrático. Então, usam somas gigantes de dinheiro para se separarem de você e do dinheiro miúdo que usam para viciar as balanças.
Ao calcular como viciar as balanças, os especialistas políticos que o dinheiro emprega servem-se de informações sobre filiação partidária, dados de pesquisa e padrões históricos de votação. Para mudar o resultado, de "perde-ganha" para "perde-perde", você tem de neutralizar os três (todos eles) fatores seguintes, que têm grande peso nas 'pesquisas' de voto:
• Perguntado sobre afiliação partidária, a resposta certa é "nenhum partido", a qual, por alguma razão bizarra, é considerada resposta de eleitor "independente" (e cuidado com o Partido Independente Norte-americano, aquele pequeno partido de direita na Califórnia que conseguiu enganar muita gente para que se alistassem como "independentes" por engano). Que seja. A Ovelha Enfurecida será contada como "dependente". De qualquer modo, os dois grandes partidos estão morrendo, e o número de pessoas sem partido já é quase igual ao número de Democratas e Republicanos somados nos EUA.
• Ao responder pesquisas, você tem sempre de optar por "indeciso", até e inclusive no momento em que entra na cabine eleitoral. Se questionado sobre como se posicionou em várias questões, é preciso lembrar que o interesse deles por sua opinião também é viciado: o modo como você se posicionou em outras questões vale coisa alguma para eles (vide estudo acima referido), exceto como parte de um esforço para meter você, a Ovelha Enfurecida, num determinado curral político. Assim sendo, sempre que falar com pesquisadores de opinião, seja vago, fale a favor dos dois lados de qualquer questão, sempre destacando que o item sobre o qual você for perguntado absolutamente não pesa no seu processo de tomar decisões. Se o interrogarem sobre o que mais importa, na sua avaliação, concentre-se em coisas como "linguagem corporal" do candidato, "senso nato de elegância", modo de se portar. Com isso, você realmente põe em curto circuito qualquer tentativa para manipular o seu pensamento, usando a sua própria habilidade puramente ficcional para influenciar a política pública. Ninguém pode ser a favor ou contra algum candidato falar bem e não tergiversar; nem há qualquer teste crucial para determinar o que é bom comportamento ou senso nato de elegância recomendáveis.
Os políticos devem ser capazes de empurrar ovelhas enfurecidas para dentro do curral mediante promessas que os políticos jamais cogitaram cumprir. Mas o que acontece se os eleitores (conscientes do fato de que a opinião deles absolutamente não interessa a nenhum político), de repente, põem-se a 'exigir' melhor postura à mesa, gestos de mão mais graciosos, tom de voz mais sedutor e passos mais ágeis ao subir escadas? O mundo se acaba! O que foi pensado como campo de batalha falso, mas fortemente ideológico, com linhas de frente ficcionais, mas claramente demarcadas, é convertido de repente em macabro concurso de beleza disputado num campo uniforme de lama liquefeita para todos.
• O passo final é invalidar tudo que os pesquisadores e especialistas sabem sobre padrões históricos de votação. Aqui, a solução perfeitamente óbvia é votar randomicamente, ao acaso, sem nem olhar o que faz do seu voto. Voto randômico gerará resultados não randômicos, mas caóticos, que invalidará a ideia segundo a qual o processo eleitoral tem algo a ver com programas de partidos, políticas, questões relevantes para o eleitor ou mandato representativo. Mais importante, o voto randômico invalidará o processo pelo qual os votos são comprados. O voto randômico expulsa, da política, o dinheiro.
Para votar randomicamente, a única coisa importante é que você não pode esquecer de levar uma moedinha, um réis, com você, para dentro da cabine de votação. Aqui, um fluxograma que explica como você deve escolher randomicamente em quem vota (se e somente se você estiver dentro da cabine eleitoral, com uma moedinha, o réis, na mão).
Se além de votar, você quiser militar, leve um saquinho de moedinhas e distribua às pessoas, na fila para votar. Não é preciso convencer multidões, para produzir o efeito desejado. Lembre-se, para preservar a aparência de eleições democráticas, a margem de vitória, artificial, financeiramente induzida, é sempre mantida bem estreita, e qualquer mínima quantidade de acaso que se introduza no processo já basta para mudar tudo. Aponte sempre para a palavra "liberty" gravada com destaque em cada penny [no Brasil, pode-se, por exemplo, apontar para a espada de D.Pedro, desembainhada na moeda de 10 centavos, sabe-se lá... (NTs)]. Explique em poucas palavras o que é a Ovelha Enfurecida, e como o exercício da liberdade [independência, quem sabe (NTs)] é exatamente o oposto da Ovelha Enfurecida. Em seguida explique como usar a moedinha: o primeiro lançamento determina se você vota na esquerda ou na direita; o segundo, se você vota no maior ou no menor candidato. Não esqueça de dizer e repetir que esse é meio garantido para excluir das eleições, o dinheiro. Tente com "Não há dinheiro que compre esse réis". Não discuta nem debata; nada de 'conversa de elevador', entregue a moedinha e passe para o eleitor seguinte. O último detalhe que todos têm de lembrar é o que responder nas pesquisas de boca de urna, depois de já ter votado, para realmente impedir que o 'pesquisador' compreenda sequer um mínimo, do que aconteceu. Se perguntado sobre em quem você votou, responda: "É segredo".
Depois, vá para casa, ligue a caixa dos idiotas e assista a um espetáculo cômico, de 'especialistas' que rangem dentes e rasgam vestes, jogando cinzas sobre os torsos falantes. Você não verá o rancor por trás da cena, as recriminações dentro das elites endinheiradas, mas pode imaginar a fúria delas, ao ver os bilhões de dólares deles derrotados por um punhado de réis.
Você talvez pense que votação randômica, com cada candidato obtendo igual fatia dos votos, seria previsível, o que permitiria garantir a vitória com, simplesmente, viciar umas poucas máquinas de votar. Mas jamais acontecerá assim no mundo real, porque é claro que não acontecerá de todos votarem com a moedinha de réis. Você pode também pensar que, nesse caso, ainda seria possível manipular os votantes antimoedinhas, empurrando-os para votar em uma dada direção. Mas como alguém poderá prever quem votará e quem não votará randomicamente? E se todos os votos são, na essência, como se vê, comprados, como alguém poderia sair por aí a comprar votos randômicos, ou saber qual dos candidatos seria favorecido pela compra de votos? Nessa situação, comprar votos só servirá para embaralhar ainda mais o resultado. O efeito de acrescentar acaso ao resultado já não será randômico: será caótico.
E assim, camaradas norte-americanos, consegue-se converter um resultado "você perde – eles ganham" em um muito mais justo e igualitário "você perde – eles perdem", nesse específico jogo de estratégia.
blogdoalok
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