Mike Whitney, Counterpunch
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Dos Comentários, em Unz Review:
"A única coisa que me intriga é que Mr. B esteja dizendo tudo isso publicamente. Por quê? Essa gente jamais diz publicamente o que já não tenha vendido mil vezes 'em sigilo'. Fala agora, provavelmente, porque os EUA já não têm condições nem para salvar as últimas panelas" [Pano rápido].
O principal arquiteto do plano de Washington para governar o mundo abandonou o esquema e, agora, fala de construir laços com Rússia e China. Embora o artigo de Zbigniew Brzezinski na revista The American Interest, intitulado "Towards a Global Realignment" (17/4/2016) [Rumo a um realinhamento global] tenha sido praticamente ignorado na mídia-empresa, ele mostra que poderosos membros do establishment produtor de projetos políticos já não creem que Washington conseguirá vencer, no esforço para ampliar a hegemonia dos EUA no Oriente Médio e na Ásia.
Brzezinski, principal propositor dessa ideia e quem traçou o rascunho da expansão imperial em seu livro de 1997, The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives [O grande tabuleiro de xadrez, port. PDF], rendeu-se e clama agora por uma revisão dramática de toda a estratégia. Eis um excerto do artigo de AI:
"Com o fim da era da dominação global dos EUA, o país tem de assumir a liderança no realinhamento da arquitetura do poder global.
Cinco evidências básicas relacionadas à emergente redistribuição do poder político global e o violento despertar político no Oriente Médio assinalam a chegada de um novo realinhamento global.
A primeira dessas evidências é que os EUA ainda são a mais poderosa entidade politicamente, economicamente e militarmente, mas, dadas complexas mudanças geopolíticas nos equilíbrios regionais, os EUA já não são a potência globalmente imperial" ("Toward a Global Realignment", Zbigniew Brzezinski, The American Interest)
Repitam comigo: os EUA "já não são a potência globalmente imperial". Compare-se essa avaliação e o que Brzezinski disse anos antes, no Tabuleiro, que os EUA eram "a potência excepcional máxima do mundo".
" (...) A última década do século 20 testemunhou uma mudança tectônica nos assuntos do mundo. Pela primeira vez em todos os tempos, uma potência não eurasiana emergiu, não só como árbitra chave nas relações de pode eurasianas, mas também como potência excepcional máxima do mundo. A derrota e colapso da União Soviética foi o passo final na rápida ascensão de uma potência no Hemisfério Ocidental, os EUA, única e, realmente a primeira verdadeira potência global" (The Grand Chessboard: American Primacy And Its Geostrategic Imperatives," Zbigniew Brzezinski, Basic Books, 1997, p. xiii).
Eis um pouco mais do artigo de 2016, em AI:
"O fato é que nunca houve potência global verdadeiramente "dominante" até a emergência dos EUA no cenário mundial. (...) A nova e decisiva realidade global foi o surgimento no cenário mundial, dos EUA como, simultaneamente o ator mais rico e militarmente o mais poderoso. Durante a parte final do século 20, nenhuma outra potência chegou sequer perto. Essa era agora está terminando." (AI)
Mas por que "essa era agora está terminando"? O que mudou desde 1997, quando Brzezinski referia-se aos EUA como "a potência excepcional máxima do mundo"?
Brzezinski aponta a ascensão de Rússia e China, a fraqueza da Europa e o "violento despertar político dos muçulmanos pós-coloniais" como causas mais próximas dessa virada repentina. Os comentários sobre o Islã são particularmente instrutivos, posto que há ali uma explanação racional para o terrorismo, não a típica conversa fiada dos governos sobre "odeiam nossas liberdades". Diga-se a favor dele, que Brzezinski vê o crescimento do terror como a "eclosão de ressentimentos históricos" (de "injustiça profundamente ressentida"), não como violência sem direção, de psicopatas fanáticos.
Naturalmente, em artigo curto, de 1.500 palavras, Brzezinski não pode recobrir todos os desafios (ou ameaças) que os EUA podem vir a enfrentar no futuro. Mas é claro que está muito preocupado com o fortalecimento de laços econômicos, políticos e militares entre Rússia, China, Irã, Turquia e outros estados centro-asiáticos. Essa é a área principal de suas preocupações e, de fato, até antecipou o problema em 1997, quando escreveu Tabuleiro. Eis o que disse:
"Assim sendo, os EUA podem ter de determinar o modo como enfrentar coalizões regionais que tentarão expulsar os EUA para fora da Eurásia, ameaçando assim o status dos EUA como potência global" (p.55).
"(...) Em termos que nos devolve à era mais brutal dos antigos impérios, os três grandes imperativos da geoestratégia imperial são impedir a colusão e manter vassalos dependentes de segurança, para manter os tributários submissos e protegidos e impedir que os bárbaros se unam" (p.40).
"... impedir que os bárbaros se unam." Está bem claro, não?
A política externa temerária do governo Obama, particularmente as ações que derrubaram os governos na Líbia e na Ucrânia, acelerou muito gravemente o ritmo em que se formaram essas coalizões anti-norte-americanas. Em outras palavras, os inimigos de Washington emergiram como resposta ao comportamento de Washington. Obama tem de culpar-se, ele mesmo e só ele mesmo.
O presidente Vladimir Putin da Federação Russa respondeu à ameaça de instabilidade crescente na região e ao movimento de empurrar forças da OTAN para cima das fronteiras russas, e fortaleceu alianças com países no perímetro russo e por todo o Oriente Médio. Ao mesmo tempo, Putin e seus colegas nos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estabeleceram um sistema bancário alternativo (Banco dos BRICS e Banco Asiático de Investimento, BAII), que eventualmente desafiará o sistema dominado pelo dólar que é a fonte do poder global dos EUA. Eis por que Brzezinski tratou de fazer meia-volta rápida e abandonar o plano da hegemonia dos EUA: porque está preocupado com os perigos de um sistema não baseado no dólar, que surja entre países não alinhados e em desenvolvimento e que substitua o oligopólio do banco central mundial. Se acontecer, então, sim, os EUA perderão o controle que ainda mantêm sobre a economia global e terá fim o sistema de exploração viciosa da natureza e do trabalho dos mais pobres hoje vigente.
NOTA DE ATUALIZAÇÃO: O golpe em curso no Brasil, em julho-ago. 2016, parece ter relação direta e imediata com esses desenvolvimentos. Alijados do Oriente Médio e fracos dentro de uma Europa mortalmente enfraquecida, só resta aos interesses hegemonistas norte-americanos recorrer ao seu velho quintal tradicional dos anos 50s: a América Latina. Para terem sucesso, aqueles interesses hegemonistas têm de desconstruir o grupo dos BRICS e as instituições multipolares que estão sendo construídas. Evidentemente, não podem 'desconstruir' China e Rússia, muito menos se aliadas entre elas; mas Brasil e Índia, sim, podem ser detonados. Trata-se disso, no golpe em curso contra o governo do Partido dos Trabalhadores no Brasil [NTs].
Infelizmente, a abordagem mais cautelosa de Brzezinski não será considerada pela candidata Hillary Clinton, que se aproxima da presidência dos EUA e que é crente obcecada da viabilidade de alguma expansão imperial pela força das armas. Foi Clinton quem introduziu o movimento "de pivô" no léxico estratégico, em discurso de 2010, intitulado "O século do Pacífico Norte-americano" [ing. "America’s Pacific Century"]. Eis um excerto daquele discurso, publicado na revistaForeign Policy:
"Com a guerra do Iraque já em recessão, e os EUA retirando seus soldados do Afeganistão, os norte-americanos estão hoje num momento pivô. Ao longo dos últimos dez anos, alocamos recursos imensos naqueles dois teatros. Nos próximos dez anos, temos de ser espertos e sistemáticos sobre onde investir tempo e energia, de modo a nos posicionar do melhor modo para manter nossa liderança, proteger nossos interesses e promover nossos valores. Uma das tarefas mais importantes do estado norte-americano na próxima década será portanto firmar-se em investimento substancialmente ampliado – diplomático, econômico, estratégico e qualquer outro – na região do Pacífico asiático. (...)
Aproveitar o crescimento e o dinamismo da Ásia é central para os interesses econômicos e estratégicos dos EUA e prioridade chave para o presidente Obama. Abrir mercados na Ásia oferece aos EUA oportunidades sem precedentes para investimento, comércio e acesso a tecnologia de ponta. (...) Empresas norte-americanas [devem] mergulhar na vasta e sempre crescente base de consumidores da Ásia. (...)
A região já gera mais de metade da produção global e quase metade do comércio global. Quando nos empenhamos para alcançar o objetivo do presidente Obama, de duplicar as exportações até 2015, estamos à procura de oportunidade de mais e mais negócios na Ásia (...) e de nossas oportunidades para investir nos dinâmicos mercados asiáticos" ("America’s Pacific Century", secretária de Estado Hillary Clinton", Foreign Policy Magazine, 2011)
Comparem-se o discurso de Clinton e os comentários de Brzezinski em Tabuleiro, 14 anos antes:
"Para os EUA, o principal prêmio geopolítico é a Eurásia (p.30). (....) Eurásia é o maior continente do globo e geopoliticamente axial. Potência que domine a Eurásia também controlará duas das três regiões mais avançadas e economicamente mais produtivas do globo (...). Cerca de 75% da população do mundo vive na Eurásia, e a maior parte da riqueza física do mundo está lá, seja nas suas empresas seja no subsolo. A Eurásia gera 60% do PIB mundial e cerca de ¾ dos recursos de energia conhecidos do planeta" (p.31).
Os objetivos estratégicos são idênticos, a única diferença é que Brzezinski fez, no século 21, uma correção de curso, consideradas as circunstâncias mutantes e a crescente resistência em todo o mundo contra os abusos, a dominação e as sanções de que os EUA são agentes. Ainda não chegamos ao fundo do poço do primado dos EUA, mas o fundo do poço aproxima-se rapidamente e Brzezinski sabe disso.
Bem diferente dele, Clinton continua obcecadamente dedicada a ampliar a hegemonia dos EUA na Ásia. Não compreende os riscos que essas ações criam para o país e para o mundo. Vai persistir nas intervenções, até que o monstro bélico dos EUA seja detido e paralisado – o quê, a julgar pela retórica hiperbólica da candidata, acontecerá logo, provavelmente ainda no seu primeiro mandato.
Brzezinski oferece plano racional, embora autoindulgente, para desescalar, minimizar conflitos futuros, evitar conflagração nuclear e preservar a ordem global (codinome "sistema dólar"). Mas a sanguinária Hillary ouvirá seus conselhos? Sem chance.
blogdoalok
domingo, 28 de agosto de 2016
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Tabuleiro quebrado: Brzezinski entrega o Império, por Mike Whitney
Tabuleiro quebrado: Brzezinski entrega o Império, por Mike Whitney
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