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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Trump e Putin começam a trabalhar no reset EUA-Rússia, por MK Bhadrakumar

MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Traduzido pelo coletivo da vila vudu

Na 2ª-feira, o presidente russo Vladimir Putin fez o tão esperado telefonema ao presidente eleito dos EUA Donald Trump.

Sabe-se, claro, que o porta-voz presidencial no Kremlin, Dmitry Peskov, um dos mais próximos auxiliares de Putin, viajou a New York semana passada, ostensivamente para assistir a um evento mundial de xadrez, mas principalmente para preparar o terreno para a conversa telefônica da 2ª-feira.

A agenda dessas conversações russo-norte-americanas é praticamente sempre definida com antecedência. O resumo distribuído pelo Kremlin (e os breves comentários feitos pela equipe de transição de Trump em New York) apresenta balanço positivo da conversa telefônica.


Considerados os detalhes disponíveis, foi conversa substantiva, focada em ressuscitar as relações russo-norte-americanas, e, mais importante, considerou em algum detalhe o conflito sírio, incluindo "questões relacionadas a resolver a crise".

Assim, o que emerge é que Putin e Trump começaram a discutir a Síria já na primeira conversa como estadistas, mínimos seis dias depois da eleição nos EUA, antes até que os postos chaves tenham sido preenchidos e ainda oito semanas antes da posse e início oficial do novo governo.

Claramente, a Síria está no topo da lista das preocupações de Trump – bem como a necessidade de se acertar com a Rússia. Mais uma vez, Trump tocou na Síria durante a entrevista do fim-de-semana ao Wall Street Journal (quando deixou bem claro que os EUA devem abandonar os rebeldes sírios).

Muito obviamente, a conversa telefônica da 2ª-feira mostrou eloquentemente que Trump não fantasiava nem agia como dissidente quando repetidas vezes levantou a cabeça durante a campanha e expôs-se às mais violentas acusações de ser "poodle russo", quando continuou a insistir na imperiosa necessidade de negociar construtivamente com Putin, como colaborador, não como adversário.

Como se poderia esperar, Putin disse a Trump que Moscou está pronta "para desenvolver um diálogo de parceria" com os EUA baseado nos "princípios de igualdade, respeito mútuo e não interferência nas questões domésticas um do outro" – em resumo, uma relação regida por princípio que pode ser o núcleo duro de um reset EUA-Rússia.

Do ponto de vista do Kremlin, o que Putin articulou é uma agenda minimalista. Putin não falou de equilíbrio de interesses ou de ser necessário que os dois países mostrem sensibilidade aos interesses um do outro – embora tenham discutido a luta contra o "inimigo comum" – terrorismo e extremismo internacional.

O quartel-general da transição de Trump citou fala do presidente eleito, na qual teria dito a Putin que "espera firmemente ter relacionamento forte e duradouro com a Rússia e o povo da Rússia."

Com a conversa da 2ª-feira, uma parte controversa do plano de Trump para a política externa vai ganhando transparência. Ambos Trump e Putin "expressaram apoio a esforços ativos para normalizar relações e buscar cooperação construtiva numa ampla pauta de questões".

Enfatizaram a importância de estabelecer um "fundamento confiável para laços bilaterais, com desenvolvimento do componente comercial e econômico", o qual, por sua vez, ajudaria a "estimular uma volta à cooperação pragmática mutuamente benéfica."

O gorjeio [orig. twitter] que circulava em New York dizia que Trump e Putin discutiram "questões econômicas estratégicas". Questões de energia? Sanções ocidentais contra a Rússia? Logo saberemos. Alguma coisa parece fermentar aqui.

Seja como for, é sinal preocupante, para quem pense no futuro. Porque, como seria possível desenvolver o "componente comercial e econômico", enquanto as sanções continuam vigentes, ou quando as nuvens da Nova Guerra Fria pesam tão baixas sobre nossa cabeça?

Seja como for, o resumo do Kremlin omitiu qualquer referência à Ucrânia. Contudo, ambos, Putin e Trump, observaram que, no nível da liderança, eles "devem encorajar um retorno a cooperação pragmática, mutuamente benéfica, no interesse dos dois países e da estabilidade e da segurança global."

Naquela mesma 2ª-feira Trump também falou com o presidente Xi Jinping da China. A agência noticiosa Xinhua noticiou que Trump prestou amplas homenagens à China como "um grande e importante país com futuro de desenvolvimentos realmente impressionantes". Trump acrescentou que com relações sino-norte-americanas "testemunharemos desenvolvimento ainda maior" durante seu governo. Trump e Xi combinaram reunir-se "em data próxima".

É interessante que Putin e Trump também acertaram não só que continuarão em contato pelo telefone, mas também que iniciam planos para encontro pessoal. E esse encontro? Acontecerá antes ou depois da posse de Trump em janeiro?

Pode-se dizer que aí estão os primeiros sinais de um novo tipo de relacionamento de grandes potências. Trump parece estar buscando uma entente cordiale EUA-Rússia-China, para promover a liderança global dos EUA, enquanto os EUA cuidam de reparar e reconstruir a economia e a sociedade norte-americana. Essa abordagem encaixa-se perfeitamente com a agenda de "América em primeiro lugar" de Trump.

Não há dúvidas, Trump começou a correr no instante em que pôs o pé na estrada. Isso parece confirmar a impressão geral de que Trump tem pressa. E parece que Putin esperava exatamente isso.

O comentário de Peskow, auxiliar do Kremlin, foi que Putin e Trump são dois homens "muito parecidos (...) no modo como abordam as relações internacionais", e que há boa razão "para crer que conseguirão estabelecer boas relações."

Contudo, esse tipo de diplomacia 'proativa' extraordinária executada pelo presidente eleito, como ele mostrou na 2ª-feira, pode não combinar satisfatoriamente com o establishment da política exterior e da segurança nos EUA.

Parte dessa irritação pode ter até assomado à superfície quando o governo Obama escolheu a mesma 2ª-feira para anunciar novas sanções contra a Rússia – contra seis parlamentares russos que representam Crimeia e Sevastopol no Parlamento.

Seja como for, Moscou também deu adeus, na 2ª-feira, ao governo Obama. Reagindo ao noticiado conselho do secretário de Defesa dos EUA Ashton Carter a Trump, de que não cooperasse com a Rússia na questão Síria, o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Ryabkov disse em Moscou na 2ª-feira que Moscou tem tanto interesse nessa cooperação quanto os EUA (leia-se: os EUA) e agirá nessa linha.

Ryabkov disse com sarcasmo que, aconteça o que acontecer, Moscou não tem planos para "persuadir a liderança do Pentágono a mudar algum detalhe nesse assunto." Fato é que as coisas chegaram a tal ponto nas relações EUA-Rússia que, daqui em diante, as coisas só podem melhorar.

Tudo isso posto, um reset genuíno das relações russo-norte-americanas depende de se equilibrarem os interesses dos dois lados em vários fronts, nos quais o progresso será lento e só haverá evolução se houver muito empenho. O teatro eurasiano é o que exibe os mais formidáveis desafios.

Questões como a expansão da OTAN, Crimeia, mísseis norte-americanos de defesa, deslocamentos futuros da OTAN ao longo das fronteiras russas, 'revoluções coloridas' – todos esses são tópicos difíceis. Talvez a experiência de trabalhar juntos na Síria – e alívio considerável das sanções ocidentais contra a Rússia, plenamente concebível em algum momento de 2017 – tenha efeito positivo de clima geral de confiança mútua.

O telefonema da 2ª-feira é evidência de que a Rússia, sem dúvida, está vendo uma janela de oportunidade no próximo governo Trump; de que é possível um reset na relação, apesar de tão conturbada; e de que talvez haja entre Putin e Trump a química interpessoal que Putin jamais considerou possível com Obama.

blogdoalok

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