Encontro Putin-Trump em Helsinki: Objetivos maiores que Síria e o Oriente Médio, por Elijah J. Magnier - Noticia Final

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terça-feira, 17 de julho de 2018

Encontro Putin-Trump em Helsinki: Objetivos maiores que Síria e o Oriente Médio, por Elijah J. Magnier


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Presidentes Vladimir Putin e Donald Trump (...) discutiram em Helsinki, Finlândia, questões muito mais importantes que eventos no Oriente Médio. Apesar da importância intrínseca, a situação na Síria não é tão urgente quanto esclarecer as intenções dos EUA em relação à Rússia e o desejo potencial de ambas as partes de desenvolver o relacionamento comercial-militar-de segurança entre os dois países.
Os EUA parecem não ter compreendido até hoje que a Rússia não tem qualquer intenção de engajar-se numa guerra nem numa corrida armamentista, cujos resultados seriam caríssimos para os dois lados. Ao contrário, Putin aspira a uma cooperação comercial com Trump e à abertura dos mercados mundiais, com benefício para a prosperidade econômica em todo o mundo.

Os EUA parecem viver ainda o complexo dos "vermelhos" (os partidos comunistas), apesar de a União Soviética comunista já não existir, nem o Partido Comunista da União Soviética. A realidade por trás da abordagem agressiva dos EUA contra a Rússia tem a ver com disputas pela dominação planetária ou (dito talvez mais claramente), só tem a ver com a "contribuição" dos russos para pôr fim à hegemonia mundial dos EUA.

Os objetivos da Rússia e dos EUA são muito diferentes. Washington visa a controlar a Europa, o Oriente Médio e a Ásia, e gostaria de permanecer como referência mundial. De fato, os EUA fracassaram na tentativa de conquistar aliados confiáveis, dadas a arrogância e a atitude de beligerância na relação com países e líderes mundiais. Todos os países e líderes-alvo aprenderam a temer o poder dos EUA e suas reações imprevisíveis – ou aceitavam e concordavam com tudo, ou tornavam-se candidatos a sanções econômicas e, até, a "mudança de regime", os cavalinhos de brinquedo preferidos dos EUA.

Donald Trump serviu-se com frequência dessa linguagem quando disse, sem meias palavras à Arábia Saudita e outros países no Golfo, que o poder daqueles governantes dependia existencialmente do apoio dos EUA. Trump disse, em entrelinhas, que poderia mudar as monarquias reinantes por lá, a menos que pagassem e aceitassem todas as exigências e o bullying dos EUA. O presidente dos EUA foi mesmo além disso e pôs preço nos serviços que as forças armadas dos EUA prestam àqueles governos (com baixas e sacrifício do interesse nacional dos EUA). Mas bem pagos, seria possível manter os serviços. Essa atitude, precisamente, está forçando o mundo a buscar alternativa para obter algum equilíbrio que proteja países e governos contra as ações dos EUA para mudança de regime.

É onde começa o papel da Rússia, depois de sua longa hibernação: Moscou assistiu impotente à destruição da Líbia e o modo como o ocidente conseguiu converter aquele país estável e rico em petróleo, em estado falhado e locus onde hoje só prosperam gangues de jihadistas fanáticos. Enquanto isso, a Rússia trabalhava para reconstruir o próprio poder. Durante esse tempo, não tinha condições para intervir nem se posicionar contra os EUA e seus aliados. 

A partir de maio de 2000, quando Vladimir Putin assumiu o controle do Kremlin, a Rússia pôde começar a recuperar o que Michael Gorbachev e Boris Yeltsin conseguiram destruir.

Durante os anos de recuperação, os diplomatas russos não se cansaram de enviar mensagem muito aos EUA, de que os russos não tinham interesse em combater contra nem em fazer concorrência a Washington, nem na Europa, nem no Oriente Médio nem em qualquer outra plataforma, exceto no caso de a segurança nacional da Rússia ser agredida ou ameaçada.

Washington, claro, interpretou a mensagem de Moscou como sinal de fraqueza. Analistas e 'especialistas' norte-americanos avaliaram que Moscou não se recuperaria antes do final de 2020. Por isso os EUA passaram a se dedicar, em tempo integral, a fechar portas para a Rússia em todos os campos possíveis, para adiar o mais possível a recuperação e prolongar a hegemonia jamais contestada ou partilhada, dos EUA.

Os EUA porém erraram ao estimarem o tempo de que os russos precisariam para se recuperar, ou, para dizer o mínimo, foram otimistas temerários. Quando a guerra na Síria começou em 2011, apesar de a Rússia saber que ainda era incapaz para intervir em solo,[1] o país sabia que já tinha meios para impedir, em ação na ONU, que o ocidente tivesse carta branca. E os russos conseguiram evitar que se repetisse na Síria, o erro que fora cometido na Líbia. 

Mas os eventos na Síria forçaram os russos a avançar, num primeiro passo importantíssimo: quando os EUA decidiram que bombardeariam o palácio presidencial sírio e incapacitariam o Exército Árabe Sírio (e abririam o caminho para a ação dos jihadistas fanáticos), os russos viram-se forçados a se envolver diretamente, nos mínimos detalhes e movimentos, da guerra na Síria.

Em setembro de 2013, Barack Obama acordou com Vladimir Putin que suspenderia seu plano militar contra a Síria, em troca do desmonte do arsenal químico da Síria. Grupos jihadistas declararam mais de uma vez o desejo de remover os russos da base naval que mantêm no porto sírio de Tartous. Os mesmos jihadistas revelaram também objetivos expansionistas para países vizinhos, principalmente para o Líbano. O chamado "Estado Islâmico" [ing. ISIS] e a al-Qaeda na Síria, conseguiram recrutar dezenas de milhares de combatentes estrangeiros, inclusive alguns russos e chineses. E esses combatentes anunciaram seus planos de expansão no Oriente Médio e Europa, e ameaçaram internamente Rússia e China.

O Irã, membro do "Eixo da Resistência", respondeu ao chamado do governo da Síria, que precisava de ajuda para a própria defesa. Líderes da República Islâmica levaram a Putin a notícia de que estavam decididos a bombardear Telavive, Israel, no instante em que o primeiro míssil dos EUA fosse disparado contra o Exército Árabe Sírio. De repente, o conflito sírio ganhava ramificações muito mais graves, com vários partidos e grupos implicados existencialmente no mesmo conflito.

Mas a primeira ação militar russa direta, em solo, aconteceu em setembro de 2015, quando forças sírias e aliados decidiram preservar o controle das fronteiras Líbano-Síria, sobre a capital Damasco, sobre as cidades de Homs, Hama e sobre a costa. Essa decisão foi tomada para proteger as áreas rurais habitadas, porque a geografia da Síria não permitia recuperar naquele momento todos os territórios.

O apoio que o ocidente e alguns países árabes deram aos terroristas jihadistas foi espantoso: os EUA autorizaram o ISIS a crescer; combatentes estrangeiros mercenários foram atraídos para a região e infiltrados na Síria através da fronteira com a Turquia sem qualquer tipo de dificuldade. No caminho, saquearam sítios arqueológicos, roubaram relíquias e petróleo, que rapidamente chegaram aos mercados turcos e internacionais. O ISIS impôs taxas e impostos como se governasse a área, arrecadou milhões, sem jamais ter sido perturbado por qualquer força ocidental presente naquela região. A al-Qaeda, por exemplo, recebeu apoio militar, de inteligência, médico e logístico da Turquia, no norte, e de Israel, no sul, além de treinamento militar das forças especiais dos EUA comandadas pela CIA.

Como se não bastasse, a mídia-empresa dominante e analistas norte-americanos apoiaram sempre a 'causa jihadista', servindo-se dos slogans "Fim à ditadura de Assad" (como se o Oriente Médio inteiro não fosse governado por ditadores ou herdeiros de ditadores ou senhores da guerra ou tudo isso junto!) ou "Fim da tragédia humanitária" (quando a maior catástrofe humanitária da história moderna lá está e prossegue com a guerra no Iêmen, só raramente citada na mídia "livre" e sempre sem qualquer destaque.). Os mesmos 'analistas' norte-americanos também zombaram do "equipamento militar enferrujado" dos russos e puseram em dúvida de sua capacidade para mudar o equilíbrio do poder no Levante em benefício do governo central em Damasco. 

Ante o envolvimento de tantos países, com os árabes injetando dezenas de bilhões de dólares e apoiando domesticamente a ideologia e a causa dos jihadistas, e com o ocidente garantindo apoio global, armas, treinamento e propaganda pela mídia-empresa universal, muitos analistas ocidentais rapidamente 'concluíram' que a batalha na Síria seria rápida e a vitória, certa.

Bem, aqueles analistas ocidentais midiáticos erraram, dentre outros motivos porque analisaram o que não conhecem, jamais viram uma zona de guerra, não puseram os pés no Oriente Médio nem sentiram as guerras que lá se travam. Vivem de encenar uma 'guerra' só deles, sempre repetindo o próprio pensamento circular desejante, das respectivas poltronas em Washington ou noutros salões. Esses especialistas midiáticos subestimaram completamente a determinação dos sírios e dos aliados dos sírios, para os quais derrotar os jihadistas wahhabistas sempre foi questão de vida ou morte. Os jihadistas já tinham planos para avançar e destruir outras sociedade multiétnicas e multiculturais no Oriente Médio. 

A determinação dos russos, para entrar na arena mundial pela janela síria, aliada à determinação dos russos, à sua maneira, de vencer, não foi antevista, prevista nem pressentida, e foi claramente subestimada.

Quando aconteceu de o mundo ver os russos em ação, Moscou já tinha desenvolvido novas e modernas capacidades militares, introduzido jatos estratégicos e de combate, mísseis cruzadores de longo alcance e, sobretudo, chegava amparada em extraordinárias capacidades diplomáticas, oferecendo estruturas que visavam à paz, mesmo quando atacava os jihadistas e aliados dos jihadistas.

Putin introduziu uma nova diplomacia, novidade até para Sun-Tzu: impôs a reunião de Astana, ultrapassando Genebra, sem confrontá-la diretamente, e em Astana conseguiu dividir todos os atores beligerantes e as cidades sob ataque, isolou incontáveis grupos e, assim, pôs fim à guerra em praticamente todos os pontos e casos. A operação foi executada de tal modo que o Exército Árabe Sírio e aliados puderam ir libertando cada cidade e vila, uma a uma. Os russos sempre souberam que os padrinhos ocidentais dos jihadistas não se renderiam facilmente e violariam qualquer cessar-fogo que tivesse sido assinado em Astana.

Toda a "Síria útil" [habitada] (Damasco, periferia rural de Damasco, Homs, Hama, Lattakia, Tartus, Aleppo, al-Suweida’, Daraa e Quneitra onde se travam as últimas batalhas) está já libertada, e só o norte, ainda ocupado por Turquia e EUA, permanece fora do controle do governo central em Damasco, porque as batalhas no sul estão próximas do fim. 

Os EUA controlam o norte de al-Hasaka e o ponto de passagem de fronteira em al-Tanf leste. Esses dois pontos em nada atrapalham os planos da Rússia no Levante. 

No que tenha a ver com Putin, o presidente Trump nada tem a oferecer ou trocar na Síria, que torne alguma troca interessante para os russos. As colinas ocupadas do Golan Trump terá de oferecê-las não ao presidente Putin, mas ao seu parceiro estratégico sírio, o presidente Assad.

A Rússia controla a costa do Mediterrâneo, uma das maiores e mais promissoras reservas de gás no Oriente Médio. Controla também al-Badiya (a estepe síria), rica em petróleo e gás. Os russos já assinaram um acordo de 49 anos com Damasco, pelo qual os russos permanecem nas águas tépidas do Mediterrâneo em Tartous, e a vasta maioria do território sírio é controlada pelo Exército Árabe Sírio.

Sobretudo, Putin está determinado a eliminar todos os jihadistas, incluindo a al-Qaeda que tem base em Idlib sob ocupação turca, se o presidente Erdogan não cumprir a parte dele no acordo de Astana (desmantelar a al-Qaeda Na Síria).

Assim sendo, Putin tem uma carta muito forte para negociar com Trump: as colinas sírias do Golan ocupadas por Israel. Mas o presidente dos EUA não tem nenhum poder real para negociar o Golan, pela suficiente razão de que Israel não está pronta para desistir do território sírio que ocupa desde 1973.

Contudo, Trump gostaria de agradar aos seus parceiros árabes, limitando a influência do Irã no Oriente Médio. Para isso, está tentando dominar o Irã, ação na qual os EUA têm fracassado notavelmente desde que o Imã Khomeini chegou ao poder em 1979 e da vitória da "Revolução da República Islâmica". O Irã favorece seus parceiros europeus, russo e asiáticos, à frente dos EUA, desde a assinatura do "acordo nuclear", ainda que tenham sido os EUA a pressionar seus parceiros para levantar o embargo sobre Teerã nos anos de Obama. Além do que, como sempre, Washington gostaria de atender aos desejos de Telavive, ansiosa por ver partir da Síria os conselheiros iranianos e aliados.

De qualquer modo, no caso de Trump querer negociar a presença dos iranianos, o presidente Bashar al-Assad já tem acertado com seus aliados que "não se incomodará de os iranianos deixarem a Síria, desde que Israel devolva as colinas do Golan". Poderá Trump atuar como intermediário e negociador num acordo desses? Permitam-me duvidar…

Em 1975, Helsinki hospedou o "Ato Final" da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, um passo para reduzir as tensões da Guerra Fria. Também aconteceu lá, em 1990, uma reunião Bush-Gorbachev durante a guerra Iraque-Kuwait. Mais ainda, em 1997, um encontro Clinton-Yeltsin, do qual os EUA arrancaram uma OTAN ampliada. Hoje (2ª-feira), a cidade hospeda um encontro entre o especialista em inteligência judô-política, Vladimir Putin, e seu contraparte Donald Trump, noviço político e reconhecidamente ignorante de geografia (que nem sabia se bombardeara o Iraque ou a Síria, no aeroporto militar em Shuay’rat).

É momento crítico para o presidente dos EUA que perdeu seus tradicionais aliados europeus, é temido pelos parceiros árabes, declarou guerra econômica contra a China e guerra de tarifas contra o resto do mundo, e enfrenta uma colaboração de Ásia-Rússia-Irã em vários negócios econômicos e de energia.

Trump nada tem a oferecer no Iraque e na Síria. O que tirará da cartola em Helsinki? O que, além de conversar com o presidente Putin, que Trump admira, apertar-lhe a mão e ser o centro da atenção da mídia mundial por algumas horas?*******


[1] Essa é a tese também do Saker (The Vineyard of the Saker), em vários artigos ao longo dos últimos anos, muitos deles traduzidos ao português no Blog do Alok e emOriente Mídia [NTs].

blogdoalok

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