Manifestantes protestam em frente à embaixada do Equador, pedindo o salvo-conduto a Julian Assange
Reunião da OEA mostrou divergências entre EUA e representantes latino-americanos
A crise diplomática envolvendo Equador e Reino Unido em torno da concessão de asilo político ao jornalista australiano Julian Assange já mobilizou três das principais organizações multilaterais do continente americano.
A OEA (Organização dos Estados Americanos) realizou nesta quinta-feira (17/08) uma reunião em sessão extraordinária para tratar da situação, e algumas divergências entre os países-membros já apareceram. Neste final de semana, também deverão ser realizadas reuniões em caráter de urgência, com a provável presença dos ministros das Relações Exteriores dos países membros da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e da Alba (Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América).
Em Washington
Os representantes permanentes dos países membros na OEA se reuniram na sede do organismo, em Washington, às 16h30 locais (17h30 de Brasília) desta quinta-feira (17) e só decidirão na sexta (18) se haverá uma convocação dos chanceleres de todos os países-membros.
A proposta de convocar uma reunião de chanceleres "de forma urgente", formulada pela representante equatoriana María Isabel Salvador, obteve o apoio da maioria dos Estados representados na reunião, entre eles Brasil, México, Colômbia, Chile, Peru, Venezuela, Argentina, Uruguai e Paraguai.
No entanto, contou com a oposição de Estados Unidos e Canadá, que consideraram que o assunto concerne unicamente ao Reino Unido e ao Equador e que "uma reunião de chanceleres não teria um propósito útil", de acordo com o segundo representante norte-americano na OEA, William J. McGlynn.
Para convocar uma reunião de consulta dos chanceleres do continente seria preciso uma maioria absoluta de votos a favor da proposta de resolução do Equador.
No começo da sessão, a representante equatoriana condenou as "inadmissíveis ameaças vertidas explicitamente pelo governo britânico" contra seu país a respeito da possibilidade de ingressar "pela força" na delegação equatoriana em Londres, algo que "viola normas do direito internacional".
O observador permanente do Reino Unido na OEA, Philip Barton, ressaltou que seu país "não considera que ocorreria uma ameaça" à delegação do Equador e tem "a intenção de chegar a uma solução mútua e diplomática" sobre o caso. Não especificou, no entanto, se haverá de fato uma invasão na embaixada equatoriana em Londres para capturar o fundadordo site Wikileaks e extraditá-lo para a Suécia.
"Sob a legislação do Reino Unido temos a obrigação vinculativa de extraditar Assange à Suécia", declarou Barton, ressaltando que sua postura "não se refere à atividade do Wikileaks nem à postura dos EUA".
Por sua parte, Jonas Hafstrom, observador da Suécia na OEA, considerou "inaceitável" a atitude do Equador e rejeitou "categoricamente as acusações contra o sistema legal da Suécia".
Unasul e Alba
Nesta quarta-feira (16), uma fonte da chancelaria equatoriana confirmou que convocou os ministros de Relações Exteriores dos países-membros da Alba e Unasul para uma reunião neste final de semana em Guayaquil – a primeira no sábado (19) e a outra, no domingo (20). As reuniões, no entanto, ainda não estão oficialmente confirmadas pelas duas organizações, nem suas respectivas datas.
O chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, já havia antecipado pela manhã em entrevista coletiva, quando anunciou o asilo concedido pelo país a Assange, sobre a possibilidade da reunião ministerial.
No entanto, o secretário-executivo da Alba, o venezuelano Rodolfo Sanz, praticamente confirmou o encontro, ao indicar à agência de notícias Efe que "a situação criada pelo asilo político" outorgado a Assange será analisada em reunião. “Todos sabemos das firmes posições do presidente (do Equador, Rafael) Correa de não permitir ingerências nos assuntos internos do Equador e os países da Alba vieram apoiá-lo”, disse Sanz ao canal Teleamazonas.
Sanz afirmou que a figura do asilo “deve ser respeitada" e foi respeitada "durante tempos de guerra. Mesmo durante governos ditatoriais militares, nunca se interveio, ou se ocupou militarmente ou pela força policial uma embaixada”. Ainda nesta quinta-feira, a Alba enviou um comunicado em que manifesta apoio ao Equador e alerta o Reino Unido sobre asconsequências de uma eventual invasão da embaixada sul-americana.
O caso
Assange, que lançou o Wikileaks em 2010, é procurado pela Justiça da Suécia para responder por um suposto crime sexual. Ele ainda não foi acusado ou indiciado. No Reino Unido, ele travou uma longa batalha jurídica contra sua extradição para o país escandinavo, que se recusava a interrogá-lo em solo britânico. No entanto, a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que ele deveria ser extraditado. Há sete semanas, o jornalista buscou asilo na Embaixada do Equador em Londres, em uma jogada classificada como “tenaz” pela imprensa local.
Assange teme que, após ser preso na Suécia, os Estados Unidos peçam sua extradição, onde poderá ser julgado por crimes como espionagem e roubo de arquivos secretos. O Wikileaks obteve acesso e divulgou centenas de milhares de arquivos diplomáticos norte-americanos, muitos deles confidenciais.
Alba repudia ameaça britânica de invasão de embaixada
Bloco afirma que ação, se concretizada, violaria Convenção de Viena e Carta da ONU
Os países-membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) expressaram, através de um comunicado, repúdio pela ameaça do Reino Unido de invadir a embaixada equatoriana e Londres para prender o jornalista Julian Assange, fundador do Wikileaks.
“Advertimos ao governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte sobre as graves conseqüências que a execução de suas ameaças teriam para as relações com nossos países”, disse o comunicado da associação. Para a Alba, aliança política da qual o Equador faz parte, essa medida, se for de fato tomada, violaria tratados como a Convenção de Viena para a Carta da ONU (Organização das Nações Unidas).
O jornalista se encontra desde o dia 19 de junho na missão diplomática do país sul-americano em Londres e, nesta quinta-feira, obteve finalmente o asilo político do presidente Rafael Correa. No entanto, a chancelaria britânica afirmou que não outorgará salvo conduto para que o jornalista tenha um trânsito seguro da embaixada até o Equador. E, em uma carta endereçada ao chanceler equatoriano Rafael Patiño, chegou ao ponto de afirmar que se utilizaria de medidas legais para invadir o prédio e prender Assange.
Assange, que lançou o Wikileaks em 2010, é procurado pela Justiça da Suécia para responder por um suposto crime sexual. Ele ainda não foi acusado ou indiciado. No Reino Unido, ele travou uma longa batalha jurídica contra sua extradição para o país escandinavo, que se recusava a interrogá-lo em solo britânico. No entanto, a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que ele deveria ser extraditado.
Assange teme que, após ser preso na Suécia, os Estados Unidos peçam sua extradição, onde poderá ser julgado por crimes como espionagem e roubo de arquivos secretos. O Wikileaks obteve acesso e divulgou centenas de milhares de arquivos diplomáticos norte-americanos, muitos deles confidenciais.
Além do Equador, a Alba é composta por Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua,República Domincana, Antígua e Barbuda, Dominica e São Vicente e Granadinas.
Leia abaixo a íntegra da nota:
Os países-membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) expressam forte repúdio às ameaças feitas pelo Governo do Reino Unido e da Irlanda do Norte contra a integridade da Embaixada da República do Equador em Londres.
As declarações dos porta-vozes do Reino Unido sobre o caso Julian Assange sugerem que este governo poderia violar a Convenção de Viena sobre Privilégios e Imunidades, desconsiderando assim conhecer suas obrigações internacionais.
Os governos da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) expressam solidariedade indefectível com a República do Equador, advertindo o governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte sobre as graves conseqüências que a execução de suas ameaças teriam para as relações com nossos países.
Para avaliar esta situação, a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América convocou uma reunião extraordinária de ministros de Relações Exteriores, que se realizará nas próximas horas.
Caracas,16 de agosto de 2012.
Reino Unido tem obrigação de conceder salvo-conduto, diz advogado de Assange
Caso autoridades britânicas não cumpram as regras diplomáticas, defesa enviará o caso à Corte Internacional de Haia
O Reino Unido tem a obrigação de conceder o salvo-conduto ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, afirmou seu advogado, Baltasar Garzón, em entrevista nesta quinta-feira (16/08) ao jornal espanhol El Pais. O líder da equipe de defesa do jornalista respondeu às declarações do ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, William Hague, de que seu governo se recusava a expedir a autorização para o jornalista deixar o país rumo ao Equador, que lhe concedeu asilo político.
Segundo Garzón, as autoridades britânicas têm que cumprir a Convenção do Refugiado e respeitar “o risco que corre uma pessoa vítima de perseguição política”. O advogado ainda criticou o governo do Reino Unido, afirmando que o asilo diplomático deve ser reconhecido. “O Reino Unido tem que aplicar as obrigações diplomáticas da Convenção do Refugiado e deixa-lo partir com um salvo-conduto”, afirmou ele.
Caso o governo de Londres não cumpra com suas obrigações, o advogado informou que irá entrar com pedido na Corte Internacional de Haia. Garzón, assim como o seu cliente, está convencido de que a extradição à Suécia é uma “desculpa para julgá-lo nos Estados Unidos por revelar informações que afetam as instituições norte-americanas”.
Para ele, “Assange não teria um julgamento justo no país porque não seria processado por atos delitivos reais, mas sim por pura represália política”, declarou o jurista em entrevista ao El Pais no dia 5 de agosto.
[Baltasar Garzón na cerimônia de posse de Danilo Medina na Republica Dominica nesta quinta-feira (16/08)/Agência Efe]
Garzón assumiu o caso no dia 24 de julho e passou a liderar a equipe de advogados de Assange. Segundo um comunicado do Wikileaks, a estratégia seguida pela defesa “buscará defender tanto o Wikileaks quanto o seu fundador dos abusos de processo e de arbitrariedades do sistema financeiro internacional”.
Ex-juiz espanhol, Garzón ficou famoso por ter ordenado a prisão contra o ex-chefe de Estado chileno Augusto Pinochet. Ele foi afastado de sua profissão por 11 anos em fevereiro de 2012 pelo Supremo Tribunal da Espanha ao ser condenado por abuso de autoridade sob acusações de ter ordenado escutas telefônicas ilegais entre advogados e réus em um caso de corrupção.
Em outro caso controverso que reabriu feridas da ditadura franquista (1936-1975), Garzón é processado por suposto abuso de poder ao investigar dezenas de milhares de assassinatos atribuídos a forças leais ao general Francisco Franco. O juiz é acusado pela organização de extrema direita Manos Limpias (Mãos Limpas) de ter desconsiderado a Lei de Anistia local, de 1977.
Assange: como o criador do Wikileaks poderia deixar a embaixada equatoriana
Uma das possibilidades é conceder tanto a cidadania quanto o estatuto de diplomata do país sul-americano ao australiano
Após quase dois meses aguardando refugiado na Embaixada do Equador em Londres, o fundador do Wikileaks Julian Assange finalmente conseguiu obter nesta quinta-feira (16/08) a concessão de um asilo político pelo governo de Rafael Correa. Contudo, sua tentativa de contornar o que classifica como uma perseguição política do governo britânico ainda não foi concluída e ele agora precisa encontrar meios de se deslocar definitivamente para fora do território do Reino Unido.
Diante desse cenário, a hipótese mais natural era de que a defesa de Assange, encabeçada pelo magistrado espanhol Baltasar Garzón, buscaria a emissão de um salvo-conduto que o permitisse se deslocar livremente até um aeroporto e, então, partir rumo ao Equador. O Opera Mundi ouviu diplomatas e juristas que afirmaram, que essa pode não ser a estratégia mais plausível ou eficiente para a resolução do caso.
Uma das possibilidades levantadas é a de que o Equador concederá a Assange tanto a cidadania quanto o estatuto de diplomata do país. Dessa forma, o jornalista conseguiria supostamente se proteger com os princípios de imunidade e se deslocar até o território equatoriano.
Mas, “no direito internacional de hoje, a imunidade diplomática não é baseada simplesmente na extraterritorialidade”, ressalta Celso Lafer, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ex-chanceler brasileiro. Seu argumento é de que a inviolabilidade reside atualmente em um caráter “funcional”, o que significa que um diplomata só está imune às leis locais quando comprova que cometeu um delito durante o exercício de suas atribuições oficiais. Como, a seu ver, os britânicos alegam que Assange supostamente cometeu um crime comum, essa tática não prosperaria.
Marcelo Brito Queiroz, coordenador-geral de Direito Internacional do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, não difere dessa interpretação e acrescenta que “reconhecer em Assange uma prerrogativa diplomática é um problema”. Em seu entender, há pelo menos dois elementos básicos que o Equador deve levar em consideração para a retirada de Assange do Reino Unido. Em um primeiro momento é necessário averiguar “se esse é um caso de estado de necessidade, isto é, se há uma ameaça iminente e atual [contra o réu]”. Depois, diplomatas devem verificar “se a natureza do delito é política, isto é, se o crime cometido não é um crime comum” e se, por extensão, gera um caso de “perseguição”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece em seu artigo 14 que “toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”. A exceção a essa norma, contudo, se dá nos casos em que estão em análise violações aos princípios das Nações Unidas ou um “crime de direito comum”. É nessa ressalva que, de acordo com Lafer, o Reino Unido encontra subsídios para alegar, por exemplo, “que Assange não é um perseguido político”.
Para o embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Arvelaiz, a concessão de um estatuto diplomático seria algo pouco eficiente para Assange. Caso isso ocorra, “as coisas se complicam para o Reino Unido, que terá de diferenciar o tratamento entre um cidadão australiano com asilo político do Equador e um diplomata propriamente dito”.
Comportamento latino-americano
A concessão de asilos políticos “é um costume tipicamente latino-americano e não europeu”, afirma Queiroz, mencionando casos como o do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, que se refugiou por semanas na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Daí é que surge, a seu ver, as razões pelas quais a questão tornou-se “muito mais política do que jurídica”.
Confirmando este ponto, Lafer recorda o sintomático caso do fundador do partido peruano APRA (Aliança Popular Revolucionaria Americana, na sigla em espanhol). Em 1948, devido ao fracasso de seus correligionários durante uma tentativa de golpe de estado, Víctor Raúl Haya de la Torre consegue a concessão de um asilo político da Colômbia, mas não consegue deixar seu país porque o governo peruano passa a argumentar que ele não é um perseguido político, mas sim um infrator comum.
O caso foi obrigado a seguir para o arbítrio da CIJ (Corte Internacional de Justiça), que deu ganho de causa à Colômbia e a Haya de la Torre ao notar que o Peru (bem como Brasil e Estados Unidos) não era signatário da Convenção de Montevidéu sobre os direitos e deveres de um estado.
A Convenção de Caracas de 1954 são outro elemento que revela o caráter essencialmente latino-americano da concessão de asilos políticos. Assinada apenas por governos de estados-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos), ela normatiza logo em seu segundo artigo que “todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo, nem a declarar por que o nega”.
Ao mesmo tempo, em concordância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também ressalva que “não é lícito conceder asilo a pessoas que tenham sido acusadas de delitos comuns, processadas ou condenadas por esse motivo por tribunais ordinários competentes, sem terem cumprido penas respectivas”. É desse raciocínio que surge o novo ponto nodal do caso Julian Assange e as razões pelas quais é tão relevante aos britânicos acusarem-no de não ser um perseguido político.
Opera Mundi
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