Ali Abunimah |
Um dia depois da votação na ONU que admitiu a “Palestina” como estado não-membro, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton elogiou publicamente a Autoridade Palestina (AP) liderada por Mahmoud Abbas, por sua colaboração com o exército israelense ocupante.
Falando num think-tank sionista em Washington, na 6ª-feira, Clinton defendeu a AP, que havia sido criticada pelo ministro israelense de Negócios Exteriores, Avigdor Lieberman. Segundo o jornal Ha’aretz, Clinton disse que “... com muito pouco dinheiro e sem recursos naturais, eles [a Autoridade Palestina] conseguiram muito, construindo uma força de segurança que trabalha junto, todos os dias, com as IDF (Israel Defense Forces [nome oficial do exército de Israel]). Obtiveram vários sucessos empresariais. São nacionalistas – mas amplamente seculares. Israel deve apoiá-los”. [1]
São as mesmíssimas “forças de defesa de Israel” que há apenas alguns dias estavam massacrando famílias palestinas em Gaza e assassinando palestinos na Cisjordânia que se atreveram a protestar contra os crimes de Israel.
E durante e depois do mais recente ataque contra Gaza, o mesmo exército israelense entrou em surto de prender gente na Cisjordânia, e prendeu centenas, por manifestarem sua opinião.
À luz do comentário de Clinton, é hora de perguntar até que ponto a Autoridade Palestina participou daquelas ações de ódio e vingança, resultado da fúria de Israel por ter sido derrotada em Gaza.
Hillary Clinton comenta... |
Clinton poderia ter acrescentado que a colaboração diária com a força ocupante não foi o único “feito” notável da Autoridade Palestina de Abbas apoiada pelos EUA. Durante anos, a Autoridade Palestina foi armada e treinada sob supervisão dos EUA para agir como força auxiliar da ocupação israelense, para reprimir todas as várias faces da Resistência palestina; para espancar e reprimir palestinos que manifestassem sua opinião e para prender e perseguir jornalistas que se atrevessem , a criticar a mesma Autoridade Palestina e a mesma ocupação.
O governo da Autoridade Palestina é precisamente o tipo de governo-cliente repressor que os EUA sempre apoiaram em outros países árabes, razão pela qual Clinton recomendou que sua parceira Israel apoie a Autoridade Palestina.
Mahmoud Abbas por Latuff |
O currículo da Autoridade Palestina de Abbas, no campo da colaboração com Israel, contra o desejo e os interesses dos palestinos, é longo, vergonhoso e muito bem documentado. Inclui conluio com Israel, EUA e o já deposto governo de Mubarak no Egito, para derrubarem o governo eleito do Hamás depois de 2006; conluio com Israel para enterrar o Relatório Goldstone sobre os crimes de guerra de Israel em Gaza em 2008-2009; súplicas para que Israel não libertasse prisioneiros palestinos, o que daria crédito ao Hamás; e, mais recentemente, a renúncia pública, por Abbas, ao direito de retorno dos palestinos – posição aliás já antiga da Autoridade Palestina, em todas as negociações.
Essas duras realidades devem fazer ver sob outra luz as mal-orientadas celebrações pelo resultado da votação na ONU, a qual, como já expliquei em Al Jazeera é, no melhor dos casos, equivalente a vencer um jogo de futebol internacional; e, no pior, como Joseph Massad explicou no The Guardian, oficializa um status quo de racismo.
Jogar a isca e fisgar o peixe
Apesar disso, muita gente tentou pintar a votação na ONU como grande vitória, reagindo aos céticos com a ideia de que o resultado daria acesso aos palestinos à Corte Criminal de Justiça [orig. International Criminal Court (ICC)], para processar Israel por crimes de guerra. Quem, em sã consciência acreditaria que a Autoridade Palestina de Abbas, que fez tudo o que fez, e que Clinton elogia pela estreita colaboração com o exército ocupante, algum dia processará Israel por algum crime de guerra?
Mas, sim, jogaram a isca e fisgaram o peixe. Imediatamente, apenas um dia depois da votação na ONU, Abbas já jogava água fria em qualquer esperança desse tipo. “Agora, temos o direito de recorrer à ICC, mas não usaremos esse direito agora e só o usaremos no futuro, no caso de agressão israelense” – Abbas disse a jornalistas. Em Gaza ainda há palestinos em luto, e, na Cisjordânia outros palestinos lutam para não perder suas terras, no assalto diário praticado pelos colonos israelenses. Mas o líder aparente dos palestinos ainda não viu qualquer “agressão israelense”.
Estratégia oca
A vacuidade da votação na ONU [2] não poderia ser mais claramente ilustrada, do que no que todos viram acontecer – ou não acontecer – depois dela.
Na 5ª-feira, a Assembleia Geral da ONU aprovou a admissão da “Palestina”, estado inexistente, como estado não membro. Na 6ª-feira, Israel anunciou a intenção de construir mais milhares de casas para mais milhares de colonos israelenses em território do suposto estado não membro e sem direito a voto. Qual será, agora, a resposta internacional, depois da votação na ONU?
Além das condenações rituais rotineiras, haverá, pergunto, alguma ação efetiva, específica, real, inclusive sanções, por iniciativa de qualquer dos 138 países que votaram a favor do pedido da “Palestina”, para fazer parar a nova agressão israelense e para fazer reverter a colonização ilegal que prossegue, ininterrupta, desde 1967, nos territórios ocupados? Infelizmente, é pouco provável que haja. Sinal bem claro de que a votação na ONU não passou de gesto oco e substituto pressuposto de qualquer ação efetiva para pôr fim aos crimes de Israel.
Ajuda a lembrar que já não existe “solução dos dois estados”. Na Palestina histórica continua a haver uma única entidade geopolítica. Não é possível que o mundo admita que Israel continue a entrincheirar-se, com seu estado de apartheid, racista e colonialista, naquela terra.
Os palestinos ainda arrancam alguma esperança, não de gestos cenográficos ocos na ONU, mas do movimento de base de solidariedade, que insiste em denunciar os crimes de Israel e exigir que sejam punidos. Esse movimento, sim, marcou um belo tento essa semana, quando o cantor Stevie Wonder cancelou sua participação em evento previsto para arrecadar fundos para o exército de Israel, e que foi alvo de intensa campanha de protestos. [2]
Ações como essa, de figuras do mundo cultural, indicam que a campanha pelo boicote, desinvestimento e sanções [orig. boycott, divestment and sanctions (BDS)], campanha que reproduz o que foi feito contra e ajudou a derrubar o regime de apartheid da África do Sul, vem ganhando força e legitimidade maiores a cada dia.
É campanha que não depende de negociar pressupostos direitos para criar algum miniestado na Cisjordânia, que já nascerá sitiado por regime repressivo apoiado pelos EUA, mas que visa a restaurar plenamente os direitos de todos os palestinos, estejam onde estiverem.
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