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sábado, 1 de dezembro de 2012

Por que Israel atacou Gaza... outra vez?


Hamid Dabashi é professor da cátedra Hagop Kevorkian de Estudos Iranianos e Literatura Comparada na Universidade Columbia, NY. Acaba de lançar seu novo livro – Arab Spring: The End of Postcolonialism – pela editora Zed.


Bombardeio de Israel sobre as áreas civis de Gaza
Falando numa conferência de imprensa depois do anúncio do cessar-fogo na 4ª-feira, 21/11, o ministro da Defesa Ehud Barak disse que: “Todos os nossos objetivos foram alcançados, acabar com os foguetes Fajr, plataformas de lançamento e escritórios do Hamás”. Mas em seguida, ele mesmo se autodesmentiu: “E mesmo agora, nesse momento, tarde da noite, continuam a cair foguetes em território israelense. As comunidades do sul de Israel continuarão a ser atacadas nos próximos dias”. E, no frigir dos ovos, concluindo, Barak “agradeceu ao Exército de Israel e seus comandantes, e ao governo Obama pela ajuda para financiar o “Domo de Ferro” [antimísseis]”. [1]

Pelo menos, não se vangloriou de ter assassinado 161 palestinos, no mínimo; entre os quais 71 civis. [2]

Por hora, à parte a evidência de que o ministro de Defesa de Israel não consegue engatar duas frases consecutivas sem se autodesmentir, o que, precisamente, os israelenses teriam conseguido nessa mais recente rodada de bombardeio assassino contra Gaza – e por que, para começo de conversa, lançaram esse novo ataque?

O ministro da Defesa diz que alcançaram “todos os seus objetivos”, a começar por “destruir os Fajr rockets”; em seguida, na linha adiante, admite que “os foguetes Fajr continuam a chover sobre Israel”. Quem produz essas história alucinadas? Quem acredita nessas conversas – por que se preocupar com isso? De fato, para quem tente entender o ataque israelense contra Gaza, o que digam os senhores-da-guerra de Israel não faz, mesmo, diferença alguma.

Assassinaram o agente que fazia o acordo de paz

“Acho que Israel cometeu erro estratégico grave e irresponsável ao assassinar o comandante Jaabari”. Não é avaliação feita por palestino, ou árabe, ou muçulmano, em artigo publicado por revista esquerdista, islamista ou anti-Israel. É a avaliação de Gershon Baskin, o negociador israelense que estava em contato com o Hamás; e essa avaliação foi publicada no New York Times  [3]. Baskin diz mais:

Gershon Baskin
Passando mensagens de um lado para o outro, constatei, pessoalmente, que o comandante Jaabari não estava interessado apenas em algum cessar-fogo de curto prazo; foi também o homem encarregado de implementar outras negociações anteriores negociadas com a agência de inteligência egípcia. O comandante Jaabari implantou e fez valer aqueles acordos de cessar-fogo só depois de confirmar que Israel, sim, concordara em suspender os ataques contra Gaza. Na manhã do dia em que foi assassinado, o comandante Jaabari recebera minuta de acordo para um cessar-fogo de longo prazo com Israel – que incluía mecanismos para fiscalizar os movimentos e ações dos dois lados e assegurar o cumprimento do que fosse acordado. Essa minuta de acordo fora negociada por mim e pelo vice-ministro de Relações Exteriores do Hamás, Sr. Hamad, na semana anterior, quando nos encontramos no Egito.

Assim, se Israel está de fato interessada em paz e em proteger seus próprios cidadãos, como Barack Obama e outros sionistas norte-americanos vivem a repetir que estaria, nesse caso por que assassinar a sangue frio a única pessoa capaz de construir paz efetiva e, imediatamente depois, lançar ataque massivo contra alvos civis, ataque que, sem possibilidade de dúvidas, desencadearia resposta de vingança feroz? Nada disso faz qualquer sentido.

Esse fato, agora corroborado por um alto funcionário israelense, expõe o contexto mais amplo no qual se vê que Israel se interessa por qualquer coisa, menos pela paz, conclusão inescapável e claramente evidente no assalto incansável contra terras palestinas, roubadas, de fato, dia a dia, todos os dias, sem que algum governo dos EUA ou a chamada “comunidade internacional” tenham jamais tido força para impedir a ação criminosa dos colonos israelenses, violentos, assassinos, verdadeiras gangues organizadas para roubar terras palestinas. Nada mais distante, portanto, dos planos de Israel que paz nem, sequer, algum arremedo de paz – o que se viu ainda recentemente na nova rodada de atrocidades contra Gaza.

Cada vez que há um ataque militar, contra o qual não se vê qualquer reação, é sinal de que, enquanto Israel bombardeia Gaza, em outros pontos da Palestina há israelenses roubando terras palestinas. As gangues de colonos vivem dia de ação intensa, sempre que há essas ‘'operações militares'’ israelenses: enquanto duram os ataques, o roubo de terras palestinas pode avançar sem qualquer tipo de obstáculo ou impedimento. Essa ação de roubo ininterrupto de terras – que se faz à luz da história – é absolutamente oposta a qualquer noção (ou desejo) de paz.

Obama gosta de repetir que os israelenses tem (teriam) o direito de se defenderem. É o mesmo que dizer que tem(teriam) pleno direito de roubar cada dia mais terra palestina, aterrorizar os palestinos e continuar a consolidar o estado de apartheid racista de Israel. É estado de apartheid tão racista que, enquanto Obama defende Israel, o próprio aparelho de propaganda e os próprios agentes de propaganda-em-chefe em Israel zombam, pelas redes sociais, do próprio Obama e fazem piada sobre a cor da pele do presidente dos EUA! [4]

Será que a África do Sul também tem (teria) direito de defender o seu próprio estado racista de apartheid? Ou o sul racista dos EUA tem (teria) direito de defender o seu próprio estado de apartheid escravista? E a Índia tem (teria) também direito de pregar o fundamentalismo hindu?

Grande parte das pessoas que hoje vivem em Gaza provêm, de fato, de áreas que os sionistas hoje chamam de “Israel”. Tiveram suas terras roubadas e foram empurrados para um grande campo de concentração, no qual, hoje, são bombardeados pelos jatos de Israel. Israel controla todas as entradas e saídas e todas as fronteiras desse campo de concentração e decide, até, a quantidade de calorias que os homens, mulheres e crianças palestinos podem comer.

A militarização radical

Segundo relatórios recentes [5], “cerca de 10% das crianças palestinas em Gaza, com menos de cinco anos de idade, já tiveram o crescimento comprometido pela desnutrição. Relatório recente de Save the Children e Medical Aid forPalestinians constatou que, além da desnutrição, a anemia alastra-se na população, afetando 2/3 dos bebês, 58,6% das crianças em idade escolar e mais de 1/3 das mulheres grávidas”. Será essa a “tática” dos israelenses para promover a paz?

Por tudo isso, pode-se dizer que desde o primeiro dia de existência, até hoje, Israel jamais, nem por um só dia, interessou-se por construir qualquer paz. O único interesse de Israel sempre foi expulsar e assassinar mais e mais palestinos, e roubar suas terras – e o presidente Obama, “Mr. Audácia da Esperança” aí está, hoje, dedicado ainda a promover o projeto sionista israelense, apesar de soldados israelenses racistas zombarem do presidente e de milhões de cidadãos norte-americanos por serem negros, nas mais repugnantes manifestações imagináveis de racismo.

E voltamos sempre à pergunta inicial: por que, afinal, Israel atacou Gaza... outra vez?! Há um traço bem evidente de ambição eleitoreira aí operante – como Marwan Bishara escreveu em Al-Jazeera, [6] imediatamente depois de Israel ter (re) começado a bombardear Gaza: 

Marwan Bishara
Netanyahu, como seus predecessores, está usando o assassinato do líder do Hamás, Ahmed al-Jaabari e a subsequente escalada militar para minar as lideranças políticas na Palestina (do Hamás e do Fatah) e aumentar suas chances de reeleição, incendiando as questões de segurança nacional de Israel, pondo-as em evidência acima das questões de segurança econômica, na mente dos eleitores israelenses.

Bishara lembra que: “Há seis anos, escrevi um artigo sob o título Oriente Médio: o ciclo das retaliações tem de acabar [7] (em inglês) que se aplica hoje, com pequenas correções de datas, alguns nomes etc. Dado que os fatos não mudam e repetem-se incansavelmente, repito também a análise”.

A vantagem de reler o artigo de Bishara é ver com perfeita clareza o ciclo vicioso de desculpas e mentiras que Israel continua a impingir ao mundo: Israel não tem nenhuma intenção de fazer ou tentar qualquer tipo de paz. A única intenção de Israel é assassinar o maior número possível de palestinos para roubar e confiscar suas terras.

Outra consequência óbvia desse ciclo de mentiras que sempre se repete é a militarização radical da Resistência palestina, que vê as crianças palestinas serem programática, sistematicamente assassinadas por esse inimigo pervertido – militarização radical a qual, por sua vez, é pretexto perfeito para justificar a massa de bilhões de dólares em ajuda militar que Obama oferece a Israel, armamento tão poderoso que, por sua vez, explica que a República Islâmica também continue a ter imenso poder em Gaza, como ajuda à Resistência.

E assim está criado o ciclo vicioso e/ou a profecia que se autorrealiza. A propaganda pró Israel intensifica-se em Washington, DC; e, em todo o mundo árabe cresce a fúria antissionista, a começar por Teerã – o que é exatamente o de que precisam Israel e a República Islâmica para se manterem relevantes nas questões da Região.

Muitos lembraram que com certeza haveria meios melhores para testar o novo sistema antimísseis de Israel, “Domo de Ferro” – sistema de defesa antiaérea considerado à prova de ataques –, presente que Obama deu a Israel, pensando em instalá-lo ali para ser usado, adiante, num possível futuro ataque dos EUA contra o Irã.

A explicação talvez seja essa. Cercado já por pesados muros de apartheid, Obama agora protegeu toda a empreitada colonial israelense com um “Domo de Ferro” de vários bilhões de dólares. Ah! E o quanto é simbólico o tal “domo”!

Agora, Israel está completamente, não só metaforicamente, convertida em máquina autista, autocentrada, encapsulada dentro de seus próprios muros inexpugnáveis e, ainda, com uma cúpula de ferro a proteger-lhes a cabeça, como uma nave militar espacial vinda de planeta estrangeiro e distante, com o objetivo de matar a maior quantidade de seres humanos, adultos e crianças, e, sempre,em total impunidade. Agora, com o tal Domo instalado, talvez Obama espere que, pelo menos, no caso de algum país da região jogar alguma bomba sobre Israel, os senhores-da-guerra israelenses tenham alguns minutos para pensar e, com sorte, talvez decidam não se pôr a bombardear Gaza.

Obama pescando
Tudo faz crer que a principal função da operação Gaza é mostrar a superioridade militar de Israel: conseguiram cercar 1,7 milhão de seres humanos no maior campo de concentração que o mundo jamais viu, para poder bombardeá-los sem qualquer “risco” de punição. Enquanto isso, Barack Obama, depois de dar luz verde a Israel, viajou para pescar em Myanmar.

A verdadeira ameaça existencial

Esses e talvez outros fatores estão todos no campo das possibilidades – mas nenhuma delas dá conta, nem singularmente nem coletivamente, dos motivos pelos quais Israel sempre, de tempos em tempos, põe-se a assassinar palestinos. Portanto, a pergunta continua: por quê?

Netanyahu jamais se teria atrevido a atacar Gaza quando a Primavera Árabe estava em plena floração. Nada disso. Naquele momento, dedicou-se a ameaçar invadir o Irã. Teria sido uma segunda linha de ataque de seu governo. – Mas não deu certo; Adelson e Murdoch não conseguiram comprar-lhe um presidente Republicano o qual, aí sim, teria presenteado Netanyahu com sua sonhada guerra ao Irã. E lá está Obama, outra vez, no Salão Oval. Então... Netanyahu atacou Gaza, como sempre, para mostrar que ele manda, que é o chefão, que imensa superioridade militar é a dele! Eis aí, afinal, porque as coisas sempre se repetem e Israel sempre volta e volta a atacar Gaza.

Mas, por baixo de todos esses fatores, há sempre o medo instintivo de Netanyahu, que treme de medo das revoluções árabes – dos levantes democráticos de ponta a ponta no mundo árabe.

Mahmoud Ahmadinejad
Porque esses levantes e essa democracia, sim, são Aameaça existencial que pesa contra Israel. Fantasiar que Mahmoud Ahmadinejad ou, mesmo, a República Islâmica seriam ameaça existencial contra Israel é piada perversa, doentia, que a máquina de propaganda israelense transformou em bicho-papão assustador, horrendo, apavorante.

As revoluções árabes, mesmo no estágio nascente, turbulento em que estão (ou principalmente nesse estágio) são, sim, ameaça existencial contra as colônias de apartheid exclusivas para judeus [orig.are the existential threat to the Jewish apartheid settler colony]. Para piorar, nem o partido Likud, nem os sionistas liberais parecem ter qualquer ideia sobre o que fazer ou propor para redesenhar o destino de mais de 6 milhões de judeus colhidos na armadilha do sionismo, essa ideologia falida, que tenta sobreviver cercada por trás de seus muros-armadilhas de apartheid e, agora, também coberta por um Domo-armadilha de Ferro.

Fazer chover bombas assassinas sobre palestinos inocentes em Gaza foi mais uma tentativa desesperada para fazer o relógio andar para trás, fazê-lo voltar a dezembro 2008/janeiro 2009, apenas um ano antes de as revoluções árabes eclodirem. Foi ato de nostalgia assassina pervertida, de sionistas alucinados, que se veem atropelados pela história.

É possível que Netanyahu também estivesse testando Mursi? Mas, nesse caso, não teria sido o único: egípcios e árabes em geral também estão testando Mursi (...).

Mas, de fato, o medo de Netanyahu e a causa de ter perdido o rumo e o prumo, não é Mursi. O que transtorna Netanyahu é, isso sim, a erupção vulcânica que, para começar, levou Mursi ao poder, em eleições livres. A Israel que Netanyahu governa, além da Arábia Saudita e outras petroditaduras retrógradas do Golfo Persa, e além dos EUA, por um lado, e, por outro, também o clericato que governa o Irã e a ditadura síria, todos esses temem um único e inegável fato: as revoluções árabes, que – mais dia menos dia, imediatamente ou dentro de algum tempo – porão abaixo todos esses regimes de opressão.

Nas excelentes palavras de of Haidar Eid [8], professor da Al-Aqsa University, em Gaza:

Haidar Eid
Agora é a hora da verdade, hora de mandar mensagem bem clara ao novo mundo árabe: a era Mubarak e Abu el-Gheit é passado. O poder de “contenção” que dependia do massivo desequilíbrio de poder entre Israel e os palestinos, já não está nas mãos de Israel e dos seus aliados ocidentais. Esse poder hoje está com os homens e mulheres comuns nas ruas de Túnis, Cairo, Rabat, Doha, Amã e Muscat. As manifestações, que irromperam em Londres, New York, Glasgow e outras cidades, todas elas, se traduzirão em nova realidade, concreta. Nesses novos tempos, palestinos e árabes, os egípcios em particular, devem ser parceiros da paz, não mediadores em negociações que os povos não controlam.


Redecastorphoto

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