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domingo, 2 de dezembro de 2012

Robert Fisk: “Sderot - os moradores palestinos originais foram varridos do mapa por Israel”

Os moradores de Huj – hoje já praticamente esquecidos – ajudaram o Haganah, milícias de judeus armados, a escapar dos britânicos, em 1948. Como agradecimento, foram expulsos para Gaza, como refugiados.

Acho que, no fim de semana passado, encontrei a vila de Huj – mas a placa na estrada dizia “Sderot”. O mundo conhece a antiga vila, hoje, como Sderot, a cidade israelense atingida pelos foguetes do Hamás. Até Barack Obama apareceu por lá, para visitar. Mas Huj tem muito a ver com essa história.

Robert Fisk
Pelos meus cálculos e mapas, a vila, há muito tempo destruída, fica do outro lado de uns campos, em frente a um centro recreativo, próximo à entrada de Sderot, uma fileira de casas velhas dispostas em círculo, onde crianças israelenses brincavam na tarde do Shabat.

Os habitantes de Huj eram todos palestinos árabes muçulmanos e, ironia das ironias, davam-se muito bem com os judeus da Palestina. Devemos agradecer ao historiador israelense Benny Morris a redescoberta da história deles, tão sombria quanto carregada de dor e tristeza.

A tragédia de Huj tem data conhecida: 31/5/1948. Foi quando o 7º Batalhão da Brigada Israelense do Negev, que tentava escapar do avanço do exército egípcio, chegou à vila. Nas palavras de Morris, “a brigada israelense expulsou os moradores da vila de Huj (...), para a Faixa de Gaza”.

Agradecimentos
Benny Morris

Morris elabora: “Huj, tradicionalmente, era vila amiga dos israelenses; em 1946, os moradores haviam escondido homens do Haganah, que estavam sendo perseguidos por uma brigada inglesa. Em meados de dezembro de 1947, durante visita a Gaza, o mukhtar (prefeito) e seu irmão foram assassinados por um grupo que os acusou de “colaborar com o inimigo”. Mas no final de maio, dada a proximidade da coluna egípcia que avançava, a Brigada do Negev decidiu expulsar os habitantes da vila. Em seguida, os israelenses saquearam e destruíram as casas”.

Quer dizer: o povo de Huj ajudara o exército de judeus do Haganah a escapar dos britânicos; como agradecimento, foram expulsos para Gaza, como refugiados. Segundo Morris, três meses depois da expulsão, os três líderes dos kibbutzimjudeus mais próximos chegaram a protestar, em carta dirigida a David Ben Gurion, primeiro primeiro-ministro de Israel, contra o tratamento dado aos seus antigos vizinhos. Bem Gurion respondeu: “Espero que o QG dê atenção ao que vocês contam, e, no futuro, evitarei esse tipo de ação injusta e sem justificativa, e cuidarei para acertar essas contas com o passado, o mais depressa possível”. Mas Ben Gurion não instruiu o novo exército israelense a permitir o retorno dos moradores de Huj.

No mês seguinte, os palestinos pediram para voltar. O Departamento Israelense de Assuntos Domésticos observou que aquelas pessoas mereceriam tratamento especial, porque haviam sido “leais”, mas o exército israelense decidiu que não voltariam. Por isso, os palestinos de Huj tiveram de permanecer em Gaza, onde seus descendentes vivem até hoje, ainda como refugiados.

Walid Khalidi
Mas a atual Sderot, escreve o historiador palestino, Walid Khalidi, foi construída em terra cultivada que pertencia a outra vila árabe palestina chamada Najd, onde os 422 moradores muçulmanos viviam em 20 casas, plantando limões, bananas e cereais. Tiveram destino idêntico ao do povo de Huj. Nos dias 12 e 13 de maio de 1948, a Brigada do Negev do exército de Israel – novamente, segundo Morris – expulsou todos de suas casas. E eles também foram exilados para Gaza.

Ilan Pappé
Assim se fez a limpeza étnica da Palestina, como outro historiador israelense, Ilan Pappé, diz, sem meias palavras, do destino do povo que vivia e trabalhava a terra sobre a qual seria construída Sderot.

Ironia

Veem-se Huj e Najd no mapa que Munther Khaled Abu Khader reproduziu da Palestina do Mandato. Sderot foi fundada em 1951, mas Asraf Simi, que ali chegou em 1962 e depois trabalhou na biblioteca da cidade, nada sabe sobre essa história. Quando lhe perguntei, ela sacudiu os ombros. “Por aqui nada se ouve sobre assuntos árabes. Meu tio chegou no começo, por volta de 1955, e viveu lá, numa tenda – e todos pensávamos que essa seria uma das cidades mais modernas de Israel! Não tenho medo de nada – mas estou feliz com o cessar-fogo. Acho que deveríamos ir até lá e acabar com aquilo de uma vez para sempre”.

Outra ironia. Asraf Simi nasceu no Marrocos e aprendeu a falar árabe com sotaque marroquino, antes de partir para Israel, aos 17 anos. E não sabe que hoje, na miséria de Gaza, vivem bem mais de 6 mil descendentes do povo que vivia em Huj. Dessa matéria se faz a tragédia palestina, a Nakba – catástrofe – tão diretamente conectada com os israelenses de Sderot.
Por isso, precisamente, Israel não pode “ir lá e acabar com aquilo de uma vez para sempre”. Porque os milhares de foguetes que caem sobre os israelenses ao longo dos últimos 12 anos vêm exatamente de onde hoje vivem as famílias que, antes, viviam em terra que lhes pertencia e de onde foram expulsas por Israel. Por isso Sderot tem ligação tão íntima com uma data que o presidente Obama parece ter esquecido completamente quando aqui esteve, em visita: 1948, o ano que não acabou.


Redecastorphoto

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