Jornal do Brasil.Mauro Santayana, de Brasília
É bom não esperar muito dos próximos doze meses. Os dissídios internacionais tendem a crescer e, se não houver o milagre do bom senso, podem conduzir a novos conflitos armados regionais, com o perigo de que se ampliem. Os chineses, que têm particular visão de mundo, podem dissimular sua alma coletiva, mas no interior de seu excepcional crescimento econômico e tecnológico, militam sentimentos de orgulhosa desforra. Nenhum povo, ao que registra a História, foi tão espezinhado pelos invasores armados quanto o chinês.
Durante milênios, senhores dentro de suas fronteiras, sentiam-se os donos do mundo que conheciam, mesmo que vivessem em guerras internas e se defendessem de vizinhos hostis.
O enriquecimento dos chineses e sua crescente presença internacional são fatos novos, que podem ser o fator mais importante da História neste século, que já entrou em sua segunda década. Eles estão se apropriando, com perseverança e obstinação, das riquezas naturais do mundo, do petróleo às terras raras (de que são grandes possuidores em seu próprio subsolo). Ao mesmo tempo, desenvolvem tecnologia militar própria e fortalecem seus exércitos.
É difícil pensar que, dispondo de tal poder econômico e militar, os chineses não o utilizem na defesa de sua cultura e de seus interesses. E também para cobrar o que lhes fizeram os colonizadores europeus durante o século 18 – e os japoneses, no século 20, na Manchúria. Como eles se lembram bem, contingentes do Exército Japonês, em fúria animal, mataram, entre dezembro de 1937 a fevereiro de 1938, mais de 200 mil militares e civis na cidade de Nanquim, estupraram as mulheres e meninas, antes de matá-las, e dilaceraram os corpos dos meninos, entre eles os de recém-nascidos.
O general Chiang-kai-Chek, que se tornaria anticomunista em seguida, não ficou bem no episódio. Com a desculpa de que deveria preservar a elite de seu exército, abandonou a cidade, entregando-a a recrutas mal treinados e a voluntários civis, além da população, inocente e desarmada. Foi essa gente, sem treinamento e debilitada, que os japoneses venceram e trucidaram. Os chineses não esqueceram os mortos de Nanquim, e os japoneses se esforçam em fazer de conta que não foi bem assim.
Há mesmo quem veja, na decisão japonesa de enviar navios de guerra ao diminuto arquipélago, uma jogada do Pentágono
O dissídio, aparentemente menor, entre Beijing e Tóquio, a propósito das ilhas Senkaku (em japonês) ou Diaoyu (em chinês) pode ser o pretexto para o acerto de contas de 1937. Nos últimos dias do ano, o Japão decidiu enviar uma força naval para a defesa das ilhas, cuja soberania diz manter – o que os chineses contestam. Os chineses advertiram que vão contrapor-se à iniciativa bélica japonesa. As ilhas, sem importância econômica, e desabitadas, eram milenarmente chinesas, e foram incorporadas pelo Japão em 1895, depois da guerra sino-japonesa daquele fim de século. São ilhotas diminutas, a menor com apenas 800 metros quadrados (menor do que um lote urbano no Brasil) e a maior com pouco mais de 4 km2.
Acossados por uma série de vicissitudes, os Estados Unidos começam o ano combalidos pelo confronto político interno, a propósito do Orçamento. Mas não perdem a sua velha arrogância imperial. Há mesmo quem veja, na decisão japonesa de enviar navios de guerra ao diminuto arquipélago, uma jogada do Pentágono, para antecipar, enquanto lhes parece mais conveniente, o confronto com os chineses. Há um tratado de paz dos Estados Unidos com o Japão que prevê a ajuda americana em caso de conflito regional. É uma partida muito arriscada.
O presidente Obama também acaba de sancionar uma lei do Congresso determinando que o governo norte-americano tome medidas para impedir a penetração diplomática do Irã na América Latina, e, no bojo das justificativas, a Tríplice Fronteira é mais uma vez citada, como área que financia o Hesbolá. Como se não houvesse, ali e no resto do Brasil, os que financiam o Estado de Israel. Devemos nos precaver.
Infelizmente, no Brasil, há sempre os vassalos de Washington, que estimulam o intervencionismo ianque em nossas relações internacionais (sobretudo com o Irã e a Palestina), entre eles alguns senadores da República, como revelaram os despachos do Embaixador Sobel, divulgados pelo WikiLeaks.
Infelizmente, no Brasil, há sempre os vassalos de Washington, que estimulam o intervencionismo ianque em nossas relações internacionais
O anunciado conflito armado entre Israel e o Irã é também alimentado pelo ódio da extrema direita judaica contra todos os que criticam Tel Aviv. O Centro Simon Wiesenthal considerou o cartunista brasileiro Carlos Latuff o terceiro maior inimigo de Israel no mundo. Os dois primeiros são o líder espiritual da Irmandade Muçulmana, Mohamed Badie, e Ahmadinejad, o presidente do Irã.
O cineasta Sylvio Tendler, em mensagem de solidariedade a Latuff, lembra que eminentes judeus, entre eles os jornalistas Ury Avnery, Amira Haas e Gideon Levy, são mais críticos da posição de Israel contra os palestinos do que o cartunista brasileiro.
É lamentável que o nome do caçador de nazistas Simon Wiesenthal, que conheci e entrevistei, em Viena, há mais ou menos 40 anos, para este mesmo Jornal do Brasil, seja usado para uma organização fanática e radical, como essa. Wiesenthal, ele mesmo sobrevivente da estupidez nazista, era um obstinado – e legítimo – caçador de criminosos de guerra, que haviam cometido todo o tipo de atrocidades contra seu povo.
O governo direitista de Israel é de outra origem. Não podemos fazer de conta que nada temos contra a ameaça a um cidadão brasileiro, Carlos Latuff, cuja segurança pessoal deve ser, de agora em diante, de responsabilidade do governo. Ou que não nos devamos preocupar com a lei aprovada por Obama. Temos tido bom relacionamento com o governo do Irã, e a política externa brasileira é decisão soberana de nosso povo.
Uma presença militar maior em Foz do Iguaçu e ao longo da fronteira ocidental é necessária, a fim de dissuadir os agentes provocadores. As guerras sempre foram vantajosas para os americanos, desde a invasão do México, em 1846-48. É provável que seus estrategistas estejam retornando à Doutrina Bush da guerra infinita.
Diante desse cenário mundial instável, e na perspectiva de uma campanha sucessória agitada, temos que manter toda serenidade possível. A defesa de posições políticas eventuais não deve comprometer a segurança nem a soberania do povo brasileiro. A nação deve sobrepor se a todos os interesses, mais legítimos uns e menos legítimos outros, de grupos econômicos e partidários.
Infelizmente, desde Calabar e Silvério dos Reis, não faltam os que desprezam o nosso povo e traem os interesses da Pátria.
Jornal do Brasil
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