Brasil precisa lidar com uma série de desafios na sua produção alimentícia para conseguir suprir as demandas internacionais crescentes. Novas técnicas de processamento de alimentos e até de confecção de embalagens podem ajudar a superar o desperdício e at
O Brasil é o celeiro do mundo. Aqui, em se plantando, tudo dá. Essas máximas são velhas conhecidas, mas, num mundo que precisará cada vez mais de alimento para manter uma população crescente, elas podem ser revitalizadas. O Brasil, como um dos maiores países em extensão de terra do globo, deverá ocupar lugar de destaque nessa realidade.
As previsões internacionais sobre o crescimento populacional apontam que seremos entre 9 e 11 bilhões de pessoas no planeta até 2050. No entanto, para acompanhar tal aumento, o mundo deverá produzir 60% mais alimentos do que produz hoje, segundo o engenheiro agrônomo José Geraldo França, do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep). “O crescimento da demanda por alimento não será apenas quantitativo, mas qualitativo; será preciso produzir, por exemplo, leite e carnes para essa população, o que demandará uma produção extra de grãos”, explicou, em mesa-redonda realizada na 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
França: Como país emergente importante, o Brasil tem a obrigação de contribuir para suprir a demanda alimentar futura do globo
As mudanças socioeconômicas das últimas décadas alteraram o papel das nações nesse novo cenário. “Até pouco tempo atrás o Brasil também era considerado um país pobre; mas agora, como emergente importante, temos a obrigação de contribuir para suprir a demanda alimentar futura do globo”, argumentou. “Por isso, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) espera que, até 2050, o Brasil seja responsável por 40% do mercado mundial de alimentos.”
Os números mostram que o país tem aumentado sua produção absoluta, mas ainda está atrás de outras grandes nações continentais. “Nossa produção hoje está na casa de 170 milhões de toneladas de grãos por ano, mas a China produz mais de 500 milhões, os Estados Unidos, cerca de 700 milhões e a Índia, mais de 200 milhões”, ressaltou. “Além disso, apesar do aumento registrado na produção total do país, há uma queda nos números da produção per capita.” O destaque negativo é o Nordeste do país, responsável por apenas 9% do total produzido. “Se isso não se reverter, vamos ficar para sempre esperando a próxima seca”, completou.
Desafios em várias áreas
Para que o Brasil consiga desempenhar seu 'destino' no mercado mundial de alimentos, França destacou uma série de desafios – biológicos, climáticos, ambientais e econômicos. “Será preciso lidar com o surgimento de novos patógenos e pragas, investir em tecnologias de fixação biológica de nitrogênio – trabalho já desenvolvido pela Embrapa com bactérias fixadoras do nutriente – e diminuir as perdas agrícolas, que chegam a 40% do total produzido no caso de hortaliças e frutas”, analisou. “Além disso, temos que priorizar o uso de técnicas de controle biológico para reduzir os agroquímicos e avaliar o enriquecimento nutricional dos alimentos via melhoramento genético e uso da biologia molecular e genômica no desenvolvimento de novos cultivares.”
O pesquisador ressaltou ainda o importante papel da gestão da água nesse cenário – ele lembrou que, hoje, 70% da água usada no mundo são aplicados na agricultura. “Você reclama do preço da gasolina, mas pagou R$ 2 nessa garrafinha de 500 ml de água; isso é bem mais caro que o litro da gasolina”, argumentou. “O produtor precisa tornar esse consumo mais eficiente, substituir sistemas e práticas de irrigação, buscar culturas que apresentem menor demanda de água. Algum tempo atrás gastávamos centenas de litros de água para produzir 1 kg de uva, que é basicamente água.” Para ele, a produção de alimentos deve ter o menor custo possível para o planeta.
França também enfatizou que não é mais possível negar as mudanças climáticas globais, que levam a eventos extremos com maior frequência, como as secas, e modificam ciclos da natureza, afetando, assim, a produção agrícola. “Um grau de elevação na temperatura do planeta significa milhões de litros de água evaporados mais rápido, o que altera toda a dinâmica do ambiente”, afirmou. “Precisamos de sistemas que consigam prever com mais precisão a ocorrência de secas como a que atinge hoje o sertão, para permitir que os agricultores tomem providências para lidar com a situação; precisamos deixar de viver nesse Vidas Secas do século 21, com animais mortos pela falta de chuva.”
Contra o desperdício
Outro desafio associado ao aumento da produção alimentícia é o desperdício, o que reforça a importância das alternativas de processamento alimentar existentes hoje para prolongar a vida dos alimentos. “Para crescer 60%, só aumentar a produção não basta, é fundamental processar essa matéria-prima”, avaliou a bióloga Maria Inês Maciel, pesquisadora da Universidade Federal Rural de Pernambuco que também integrou a mesa na reunião da SBPC. “Além disso, com o tamanho e a falta de tempo das grandes cidades, os alimentos processados e pré-preparados são fundamentais, não é mais possível viver sem eles; a questão é ter atenção para escolher o alimento certo.”
Além de aumentar a produção, é preciso investir no desenvolvimento de processos para prolongar a vida dos alimentos. Nas grandes cidades, não é mais possível viver sem os alimentos processados e pré-preparados. (foto: Sxc.hu)
De forma geral, segundo Maciel, a indústria tem se esforçado em desenvolver processos que mantenham a viabilidade dos produtos por longos períodos (com foco na exploração espacial), sem que eles percam suas características sensoriais e nutritivas. Para evitar os efeitos adversos do aquecimento utilizado em processos como a esterilização, por exemplo, outras técnicas, como a alta pressão hidrostática, têm surgido no Brasil. Esse novo rol de opções incluiu também a aplicação de campos magnéticos e elétricos, irradiação, ultrassom e aquecimento ôhmico. “Na verdade, esses e outros métodos que são novidade aqui são bem comuns em países da Europa e nos Estados Unidos e demoraram a chegar à nossa indústria por serem muito caros”, explicou a pesquisadora.
Outro ponto importante e, às vezes, pouco observado na conservação de alimentos são as embalagens – que devem vender o produto, mas também protegê-lo para manter sua integridade. Também no evento, a engenheira de alimentos Andrelina Pinheiro Santos, da Universidade Federal de Pernambuco, destacou que a embalagem é parte fundamental do processo produtivo e que todos os anos são gastos trilhões de dólares nessa área – inclusive no desenvolvimento de novos materiais.
“A adoção de sistemas ativos, como as ‘almofadinhas’ dentro das embalagens de frango que acumulam a umidade e películas de biopolímeros vegetais comestíveis em produtos muito perecíveis como a carne, aumenta a vida útil e reduz o uso de conservantes, por exemplo”, ressaltou Santos. “Boas embalagens diminuem o desperdício, pois os produtos só são repostos em função do consumo.”
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segunda-feira, 29 de julho de 2013
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