Presidente Bashar al-Assad: A Síria já apresentara essa proposta à ONU há mais de dez anos – para livrar a região do Oriente Médio de armas de destruição em massa, especificamente, porque essa é região caracterizada por instabilidades e guerras que, algumas, duraram anos. Tudo isso começou há séculos.
Remover daqui todas as armas de destruição em massa teria impacto importante para estabilizar a região. Só os EUA opuseram-se à nossa proposta. Não gostamos de saber que há armas de destruição em massa no Oriente Médio. Sempre nos interessou mais a estabilidade e a paz na região.
Esse é um lado. O outro lado da questão tem a ver com a situação atual. Não há como não ver que o estado sírio tem empreendido todos os esforços para impedir que nosso país e outros países da região sejamos arrastados para outra guerra insana, que alguns dos que pregam guerra nos EUA querem desencadear no Oriente Médio.
Até hoje, os sírios pagamos o preço por guerras que os EUA fizeram, por exemplo no Afeganistão – mesmo sendo país distante da Síria – ou no Iraque, que está aí, num país aqui bem próximo.
Minha opinião é que qualquer guerra contra a Síria afetará muito negativamente toda a região, com o Oriente Médio inteiro empurrado para décadas de instabilidade e de problemas. Haverá guerra até para as nossas futuras gerações.
A terceira razão pela qual nos interessa a proposta que volta, agora, com os russos, e a mais importante, é a própria proposta. Não tivesse havido agora essa iniciativa, seria muito difícil para a Síria, só ela, obter o mesmo resultado e caminhar nessa direção. Nossas relações com a Rússia são construídas a partir de mútua confiança, e essa confiança só cresceu durante a crise síria, nos últimos dois anos e meio. A Rússia confirmou que merece a confiança dos sírios, por suas ações. Mostrou que tem compreensão clara sobre o que está acontecendo em nossa região. A Rússia fez prova de que é confiável, provou que é governo sério, no qual se pode confiar.
Por todas essas razões, a Síria aceitou assinar a Convenção para Proibição de Armas Químicas.
Rossiya-24: O presidente dos EUA, Sr. Obama, e o secretário de Estado dos EUA, Kerry, creem que a Síria decidiu entregar suas armas químicas ao controle internacional exclusivamente porque foi ameaçada militarmente. O que lhe parece?
Presidente Bashar al-Assad: Se se pensa sobre os eventos e as ameaças dos EUA, que duraram semanas, vê-se que as ameaças nada tinham a ver com garantir que as armas químicas fossem bem guardadas. As ameaças não passaram de provocação. E a provocação começou quando foram usadas armas químicas num subúrbio de Damasco, Al-Ghouta.
Aquela provocação foi organizada pelo governo dos EUA. Em outras palavras, ninguém ameaçou a Síria pensando em conseguir que nós entregássemos armas químicas. Nada disso é verdade. Só depois do encontro do G-20 na Rússia, os norte-americanos começaram a falar sobre a entrega das armas químicas à guarda internacional. Nós só começamos a considerar a possibilidade depois da iniciativa dos russos e das negociações relacionadas a isso que mantivemos com os russos.
Quero sublinhar bem, mais uma vez, que, se não fosse por essa iniciativa dos russos, sequer discutiríamos a questão com o outro lado. Os norte-americanos tentam agora uma espécie de golpe de propaganda. Kerry e o governo, inclusive Obama, sempre querem aparecer como vencedores, como se tivessem obtido alguma coisa com suas ameaças. Mas nada disso nos interessa, nem nos diz respeito.
Rossiya-24: Ontem, surgiu a notícia de que a Rússia apresentou ao senhor um plano para a transferência das armas químicas para supervisão internacional. Que mecanismos estão sendo considerados para esse processo?
Presidente Bashar al-Assad: A Síria entrará em contato com a ONU e a Organização para a Proibição de Armas Químicas nos próximos dias. Nesse processo há documentos técnicos, necessários para a assinatura do acordo. Depois começará o trabalho para a assinatura da Convenção das Armas Químicas.
Essa Convenção inclui vários pontos. Um deles dispõe sobre a proibição de produzir armas químicas, armazenamento e uso. Depois, a Convenção passa a ter vigência. Pelo que sei até agora, a Convenção passará a ter vigência um mês depois de assinada. E a Síria começará a transmitir informações sobre suas armas químicas para aquela organização internacional. São processos padronizados. E nos pautaremos por eles.
Mas é preciso que todos entendam bem o seguinte ponto: esses mecanismos não funcionam só para um lado. Nada disso implica que a Síria assina, preenche as condições estipuladas e está feito. Esse é um processo de duas mãos, que visa, em primeiro lugar, a que os EUA suspendam essa política de ameaçar a Síria. Depende também de até que ponto se implemente a proposta dos russos.
Tão logo os sírios estejamos convencidos de que os EUA estão realmente interessados na estabilidade de nossa região, e suspendam as ameaças e as tentativas de atacar a Síria, quando cortarem o suprimento de armas para os terroristas, então, sim, entenderemos que podemos dar andamento aos processos até o fim, que o processo todo é efetivo e aceitável para a Síria.
Todos esses mecanismos, como já disse, não são mecanismos a serem usados de um lado só. A Rússia tem papel muito importante a desempenhar nesse processo, porque não temos nem confiança nem conexões com os EUA. A Rússia é o único país que pode assumir esse papel.
Rossiya-24: Consideremos a questão de implementar a iniciativa russa: que organização internacional interagirá com a estrutura da República Árabe Síria para assumir o controle das armas químicas? Essa não é uma situação padrão, que se vê todos os dias.
Presidente Bashar al-Assad: Entendemos que a estrutura lógica apropriada para esse papel é a Organização para a Proibição de Armas Químicas, porque só ela reúne os especialistas nessa área e também monitora o cumprimento da Convenção para Armas Químicas em todos os países do mundo.
Todos sabemos que Israel assinou a Convenção para Armas Químicas, mas ainda não a ratificou. A Síria exigirá e insistirá para que Israel afinal implemente a assinatura da Convenção.
Quando a Síria, antes, apresentou um projeto para abolir as armas de destruição em massa no Oriente Médio, os EUA impediram a aprovação. Uma das razões pelas quais fizeram isso foi para permitir que Israel continuasse autorizado a possuir essas armas de destruição em massa. Se queremos realmente estabilizar o Oriente Médio, todos os países têm de aderir à Convenção.
E o primeiro país que tem de aderir é Israel, porque Israel tem armas químicas, biológicas e nucleares, em termos gerais, Israel tem todos os tipos catalogados de armas de destruição em massa. É importante assegurar que nenhum país tenha essas armas. Só assim todos ficaremos protegidos contra guerras futuras, devastadoras e muito custosas – não só no Oriente Médio, mas em todo o mundo.
Rossiya-24: A Síria põe suas armas químicas sob controle internacional. Mas já se sabe, com certeza absoluta, porque a inteligência russa já comprovou, que grupos terroristas rebeldes usaram armas químicas num subúrbio de Aleppo. Na sua opinião, o que terá de ser feito para proteger o povo sírio e de países vizinhos contra esses terroristas que já usaram armas químicas, pelo menos, com certeza, uma vez?
Presidente Bashar al-Assad: O incidente a que você se refere aconteceu em março passado, quando os moradores da região de Khan al-Assal, perto de Aleppo foram atacados por terroristas, com foguetes carregados com toxinas químicas. Houve dúzias de vítimas. Recorremos à ONU. Pedimos que a ONU enviasse especialistas para esclarecer esse incidente e determinar que grupo fora responsável por aquele ataque. Para nós, a situação é bem clara: foi trabalho de terroristas.
Mas naquele momento, os EUA opuseram-se ao envio de especialistas da ONU à Síria. Consequentemente, trabalhamos com especialistas russos, que receberam todas as provas que havíamos reunido. Ficou fartamente provado que os terroristas que ainda operam no norte da Síria cometeram aquele ataque químico.
Necessário agora é que a delegação de especialistas que estiveram na Síria até a semana passada, retornem e retomem as investigações. Terão de voltar à Síria, porque ficou acordado que voltariam, há esse acordo entre o governo sírio e aqueles especialistas. Esse acordo diz respeito a investigações ainda a fazer em várias províncias, principalmente em Khan al-Assal.
É preciso examinar cuidadosamente tudo isso, para determinar, por exemplo, a composição química dos venenos usados e, a partir daí, as condições do solo onde as armas químicas foram usadas. Também é importante determinar de onde vieram aquelas substâncias químicas, como chegaram aos grupos terroristas. Os responsáveis têm de ser julgados.
Rossiya-24: Senhor presidente, permita que lhe faça uma pergunta indispensável: é realista supor que se consiga realmente tomar todas as armas químicas que ainda estejam em mãos de grupos terroristas?
Presidente Bashar al-Assad: Tudo depende de se saber que países, dos que mantêm relações com os terroristas, estão envolvidos na venda ou no contrabando das armas químicas. Todos os países dizem que não apoiam terroristas, mas sabemos, com certeza, que o ocidente lhes dá apoio logístico – embora digam que seriam coisas “não letais” ou, até, “ajuda humanitária”.
De fato, já não há dúvidas de que o ocidente e alguns países da região – Turquia, Arábia Saudita, antes também o Qatar – mantêm contato direto com grupos terroristas, aos quais apoiam com todos os tipos de armas. Trabalhamos com a ideia de que um desses países forneceu armas químicas aos terroristas. Evidentemente, quem dava pode parar de dar. Mas há também grupos terroristas que não ouvem nenhum dos lados. Esses grupos, quando têm acesso a armas e, portanto, à capacidade de destruir, não se acham obrigados a respeitar acordos, nem a obedecer a nada e ninguém, nem aos que lhes tenham dado dinheiro e aquelas armas.
Rossiya-24: Alguns veículos nos EUA noticiaram que oficiais do Exército Sírio Árabe teriam pedido sua aprovação para usar armas químicas contra gangues da oposição armada. Dizem que o senhor negou a autorização, mas que apesar disso aqueles oficiais teriam usado armas químicas contra sírios, especialmente em Ghouta Leste. É verdade? Essas operações são possíveis na Síria?
Presidente Bashar al-Assad: Não passa de propaganda americana. Esse tipo de propaganda serve-se de todos os tipos de mentiras para justificar suas guerras. É conversa parecida com a de Colin Powell, no governo de George Bush Jr., para justificar a guerra contra o Iraque, há pouco menos de dez anos. Naquela ocasião, apresentaram o que diziam que seriam provas de que Saddam Hussein produzia armas de destruição em massa. Mais adiante se soube que era mentira. Hoje as mentiras mudaram um pouco, como essa que você acaba de mencionar.
A verdade é que conversa desse tipo jamais aconteceu, nem comigo nem com ninguém na Síria. Essas armas são administradas de modo centralizado em vários países e exércitos do mundo, sempre pelas forças armadas. Nenhum soldado raso, ou comandante de escalão inferior manuseia essas armas, nem forças terrestres, nem as unidades blindadas ou quaisquer outras. São um tipo especial de arma de uso restrito de Forças Especiais. Essa notícia é mentirosa e nem faz sequer sentido. Ninguém acreditaria numa história dessas.
Rossiya-24: Recentemente apareceram no Congresso dos EUA o que para alguns seriam “provas convincentes” e “indubitáveis” – vídeos, que comprovariam que se usaram armas químicas no subúrbio de Damasco, em Ghouta, e que foram usadas pelo Exército Sírio. O que o senhor tem a dizer sobre essa versão americana?
Presidente Bashar al-Assad: Não têm prova alguma, nem o Congresso, nem a imprensa, nem o povo, ninguém jamais viu ou mostrou prova alguma de coisa alguma. Nem nenhum outro país conseguiu exibir prova alguma, nem a Rússia, que participou do processo de negociação. Nada disso jamais aconteceu. São só palavras, sempre e só, mais propaganda norte-americana.
A mais elementar lógica, por outro lado, diz que ninguém usaria armas de destruição em massa a poucas centenas de metros de onde esteja o seu próprio exército. Ninguém usaria armas de destruição em massa em áreas densamente habitadas, sem causar centenas de milhares de vítimas. Ninguém jamais usaria armas de destruição em massa no mesmo local e momento em que seus próprios soldados estão avançando em terra. Nada disso faz sentido. Agora, as lideranças políticas nos EUA meteram-se numa posição difícil. Mentiram de modo ainda menos convincente, até, do que as mentiras contadas pelo governo George Bush.
O governo anterior, nos EUA, mentiu muito, mas mentiu mentiras que, pelo menos num primeiro momento, tinham alguma chance de convencer pelo menos uma parte da opinião pública mundial. O atual governo dos EUA, com suas mentiras, não conseguiu convencer nem os seus próprios aliados. Nada do que disseram faz qualquer sentido. Não é lógico. É implausível.
Rossiya-24: Tenho de lhe fazer mais uma pergunta, porque diz respeito à segurança de toda a região. A imprensa russa noticiou recentemente que as gangues armadas de oposição ao seu governo planejam provavelmente outra provocação, que poderia envolver uso de armas químicas contra Israel, que seria desencadeada a partir de um território controlado pelo Exército Sírio. O que o senhor sabe sobre isso, como comandante-em-chefe?
Presidente Bashar al-Assad:: Já há confirmação de que grupos terroristas têm armas químicas, dado que até já as usaram na Síria, contra nossos soldados e civis. É claro que têm. Além disso, também sabemos que aquelas gangues terroristas e os que os controlam, sim, querem provocar um ataque aéreo dos norte-americanos. Já em ocasiões anteriores tentaram envolver Israel na crise síria. Não se pode excluir a possibilidade de que essa informação seja correta e que vise, outra vez, aos mesmos objetivos.
Se há guerra numa região, o caos se expande. Mas, para que o caos se expanda, é essencial que os territórios sejam permeáveis às gangues terroristas, para que possam causar o máximo de dano e destruição. Esses são riscos reais, não são ameaças inventadas, porque, sim, os terroristas têm armas químicas, que recebem de outros países.
Rossiya-24: Obrigado por nos receber e responder nossas perguntas.
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