O Desespero do Reino
Dentre as notícias últimas do cenário diplomático no globo, se destaca sem dúvida alguma as movimentações da Casa de Saud, onde a estrepitosa renúncia da Arábia Saudita do posto de membro rotativo do Conselho de Segurança afigura-se como a cereja do bolo. Por isso, a pergunta que se faz, pelo menos para quem conhece a maneira discreta e afeita aos bastidores dos sauditas é o motivo do recente apego aos holofotes, e aos gestos midiáticos.
A resposta está no desespero. A Arábia Saudita apostou alto, consciente da riqueza acumulada devido à exploração de petróleo. Rios de divisas convenceram-na de que era por direito a senhora do recanto muçulmano. A princípio assim se parecia a partir da queda de Khadafi, e da morte indolente da “Primavera Árabe”, promovida pelo reino conjunto com as demais monarquias do Golfo Pérsico, mas, para o desgosto profundo dos príncipes deu-se que em duas nações chave, o jogo saudita acabou-se por se perder: Síria e Iraque.
O Iraque foi a pedra incômoda no sapato, o peão mal posicionado de um tabuleiro de xadrez, cuja disposição primeva indicava um futuro e inexorável xeque-mate… Tendo sido invadido pelos EUA e estando sob a ocupação deste, de uma maneira, que por certo ainda será motivo de estudo para historiadores mais argutos, conseguiram os iraquianos através de uma indolência que não se sabe planejada, ou natural, em virtude da presença do ocupante, inviabilizar os planos norte-americanos para intensa exploração do óleo iraquiano… Aqui com uma percepção refinada da situação, conseguiram os novos líderes do Iraque um velado, mas decidido apoio saudita, posto que não queriam os príncipes um derrame de óleo iraquiano no mercado, evitando desta forma uma queda acentuada do preço do barril, mantendo-o, portanto, nos estratos mais elevados possíveis, tal como a guerra havia proporcionado. Isso, no entanto, favoreceu em longo prazo o fortalecimento do governo xiita em Bagdá, e por consequência na sua independência, algo que se configura nas recentes compras de armas russas, cujo objetivo óbvio é o de fugir de um possível embargo ideológico por parte dos EUA.
Perdido o Iraque, a queda da Síria passou a ser primordial para os acalantados sonhos sauditas de domínio regional… Sob a Batuta do endiabrado manipulador das sobras, Bandar bin Sultan, um enxame de armas e jihadistas abateram-se sobre o solo sírio, para dar o arremedo de uma guerra civil a um conflito fomentado sob o cunho do sectarismo e de invasão de mercenários da fé. No entanto, foi justamente a presença dos grupos da jihad islâmica, há anos financiados com discrição pela Casa de Saud, que a farsa do ESL – Exército Livre da Síria caiu… Pois de fato, para todos os efeitos práticos ele não existe já que não combate, ou seja, é ridículo como força combatente no conflito sírio. Quem transforma a situação na Síria em um terror continuado, sabe-se hoje, é a frente Al – Nusra, o que vale dizer… Al-Qaeda.
Desmascarada em campo, devido a destacada natureza bárbara e brutal dos sicários religiosos de Bandar, cuja alma se percebia nos atos de degola, decapitação e prática de canibalismo com os prisioneiros ainda vivos, jogado ao mundo pela facilidade de comunicação do século, a Arábia Saudita viu-se a perder, a cada dia, semana e mês, toda e qualquer possibilidade de agregar ao conflito o seu grande aliado, os EUA, e as potências periféricas da OTAN, tal como havia feito antes com as manipulações de imagem sobre a Líbia de Khadafi. A atitude resoluta de Assad em se defender, e o apoio discreto, mas decidido da Rússia aos poucos se fizeram sentir, e aquilo que parecia ser uma fruta a ponto de ser colhida, tornou-se um pesadelo indecoroso.
Como bem sabem os apostadores, os impasses são momentos para grandes lances. E sendo Bandar um jogador emérito, ele jogou a cartada da “Arma de Destruição em Massa”… A morte de civis indefesos pelo “pérfido e criminoso regime de Damasco”, era a isca para atrair uma intervenção dos EUA e dos seus lacaios da OTAN em favor dos mercenários jihadistas, e assim quebrar uma balança, que nesta altura, dois anos de conflito, pendia para os soldados regulares sírios e guerrilheiros aliados do Hezbollah. A questão era simples, e convergia com os interesses do aliado secreto saudita na região, Israel, que tem no Hezbollah um contendor de honra, visto que este foi na região aquele que lhe impôs um sério revés, através de uma guerra de resistência cuja ferida amarga não recai no esquecimento e permanece como marca indelével no orgulho belicista da potência israelita…
Mas, o que parecia certo, abraçou o imponderável… A Rússia não se mostrou intimidada pela “pressão humanista” da mídia global, ao contrário, exibindo a conhecida maestria nas ações diplomáticas, como que herdeira da URSS, não só afirmou o apoio a Damasco, enviando novos mísseis para o regime, como reverteu a situação ao fazer a correta leitura das intenções sauditas, norte-americanas e europeias. De fato, apesar da sinergia petróleo-dólar, as décadas contínuas de guerras deixaram o EUA em uma situação financeira periclitante, e em vista do desafio gigante a se descortinar na Ásia, mergulhar no cipoal sírio parecia ser algo estúpido de mais para se fazer… Portanto, a diplomacia russa, profissional, lançou o presente que salvaria o personagem tragicômico de Obama da sua armadilha retória de “linha vermelha” e outras besteiras, e que traria de volta Assad como ator político no plano internacional, astro do seu próprio drama.
Para horror da Casa de Saud, da noite para o dia, Al-Assad que até então era um ditador a espera do seu destino, torna-se o dignitário do “Governo da República Árabe da Síria”, assim se observa que para efetuar a destruição do arsenal químico sírio, a OPAQ se dirige aos quartéis do… Exército da República Árabe da Síria, exército de uma república cujo o dignitário é… Al-Assad. Assim, a proposta da diluição do estoque de armas químicas sírias restitui o status de representante do povo Sírio a Assad, anulando de vez a farsa de um governo sírio de dissidentes no exterior “reconhecido pelo ocidente”, portanto, afundando de vez o ESL, se é que estes tivessem ainda alguma credibilidade…
É fácil entender, por isso, os motivos desesperados e o destempero retórico dos membros da Casa de Saud, tal como a inusitada, estranha e tacanha afirmação do príncipe Saud al-Faisal, responsável pela condução diplomática do reino, de que o Oriente Médio era para todos os efeitos a área de influência da Arábia Saudita, e que as demais potências assim tinham que entender… Ora, a potência regional estar a ver o castelo de cartas do seu poder se esfacelar como biscoito de farinha podre na Síria, e de forma inaudita, ainda mais isolada que o seu eterno nêmeses, o Irã. Os persas, que até então pareciam destinados ao isolamento eterno com o verborrágico Ahmadinejad, ganham por tabela devido ao equivocado do protagonismo do reino a importância e influência que era perseguida pelos Aiatolás desde a revolução islâmica, e isto em virtude do conflito sírio, devido ao apoio a Al-Assad, e do Iraque, onde a influência havida no governo é inegável, ou seja, o Irã tornou-se, para extrema irritação saudita, no interlocutor necessário da região.
Portanto, quando se escuta dos sauditas de que o Conselho de Segurança é inútil para resolver o problema palestino, o qual nunca moveu uma palha sequer para solucionar e do qual nunca mostrou desagrado, e do conflito sírio, o qual fomenta, bem como das mudanças das relações travadas com os EUA, leia-se tudo isso como um grito de desespero aos seus associados nos EUA: o establishment financeiro, petro-industrial e militar. Um grito para que retomem as rédeas, mantenham e cumpram a parte não escrita do acordo de 1971, que iniciou a sinergia petróleo-dólar… Uma tentativa vã, pois envolver-se em devaneios alheios, diz a experiência, costuma ser custoso, e o saudita parece ter um preço elevado, muito elevado.
Plano Brasil
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