Há poucos dias, o Ministro de Relações Exteriores do Bahrain, Khalid bin Ahmed al-Khalifa, exigiu o assassinato do Secretário-Geral do Hezbollah, xeique Hassan Nasrallah, dizendo que livrar o Líbano de Nasrallah seria “dever nacional e religioso”. [1] A causa da declaração é que o governo do reino-ilha já perdeu completamente o controle sobre a maioria xiita de sua população, que é simpática ao Hezbollah e tende na direção do Irã xiita. Na primavera passada, o Bahrain tornou-se o primeiro país árabe cujo gabinete de ministros incluiu o Hezbollah, que está dando amplo apoio ao governo de Bashar al-Assad, em sua lista de organizações terroristas.
A agitação entre os xiitas, nas quais muitos veem “a mão de Teerã”, não se tem limitado ao Bahrain. O fator xiita é extremamente preocupante também para os sauditas, para o governo do Iraque e para o governo libanês.
Hassan Nasrallah
Ao mesmo tempo, o Bahrain e outros aliados dos EUA no Oriente Médio – Israel, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos – têm manifestado grave preocupação com o que veem como uma reaproximação entre EUA e Irã.
Outra das razões para essas preocupações tem a ver com algo que o rei Fahd saudita anunciou ao mundo em meados dos anos 1980s: “A santa jihad é revolução sem limites, como o comunismo”. Desde os anos 1970s e até recentemente, os sauditas, inflados pelo apoio de Washington, acreditavam que estivessem, como sunitas devotos, do “lado mais forte” dessa jihad e que lideravam os muçulmanos do mundo para uma nova ordem mundial. Mas, depois da Revolução Iraniana de 1979, surgiu outro aspirante ao papel de líder no mundo do Islã – e esse não era controlado pelos EUA.
Exposição da Sociedade Hojjatieh em Mashhad, Irã
O Irã tem suas organizações globalistas unidas em organizações influentes, como a Sociedade Hojjatieh – uma “mão invisível” na Revolução Iraniana na qual se reuniam os clérigos conservadores, diplomatas, militares, altos funcionários do governo, pessoal de inteligência, empresários, comerciantes e tecnocratas. Sua esfera de influência é muito ampla, de bancos e alto comércio a venda de armas e embarque de moderno equipamento eletrônico. Além disso, a Sociedade Hojjatieh (um de seus representantes no governo foi o ex-presidente Mahmud Ahmadinejad) apoia ativamente o lobby iraniano nos EUA.
Aiatolá Yazdi e Ahmadinejad, membros da Sociedade Hojjatieh
Os líderes da Sociedade fazem tudo que podem para que o Irã expanda suas conexões políticas também com a Europa, sobretudo com a Grã-Bretanha, onde a Sociedade mantém laços estreitos com organizações da elite britânica como a Astrum Argentum [2] e a Ordem do Golden Dawn in the Outer, as quais têm conexões de longo alcance com círculos políticos e intelectuais ocidentais.
Aiatolá Khomeini
O fato de a Grã-Bretanha estar advogando o fim das limitações que os EUA impuseram a contatos com o Irã prova o quanto são consideráveis os laços não oficiais entre iranianos e europeus. Nas pegadas de Londres já vêm também Berlin e Paris, de onde, uma vez, o Aiatolá Khomeini partiu triunfante, rumo a Teerã, para iniciar sua revolução. Por isso, alguns membros de vários governos dos EUA há muito tempo chamam Grã-Bretanha, França e Alemanha de “a troika de Teerã”.
Alguns representantes do establishment da República Islâmica do Irã [ing. Islamic Republic of Iran, IRI] jamais esconderam seus objetivos globalistas. Praticamente no mesmo momento em que o rei saudita enunciava sua tese sobre a “santa jihad” e o comunismo, um candidato à presidência do Irã, Jaleleddin Farsi, dizia que considerava como prioridade converter a revolução islâmica iraniana em revolução islâmica mundial. O primeiro passo nessa via seria uma revolução islâmica no Afeganistão sunita; o segundo seria o início de uma “verdadeira revolução islâmica mundial”, que seria “mais poderosa que a Revolução Francesa e todas as revoluções que a precederam”. E, finalmente, o terceiro passo seria uma revolução islâmica na Ásia Central.
Hoje já praticamente ninguém lembra que houve tempo em que a ação militar contra a Rússia no Afeganistão foi apoiada não só pelos EUA e pela Arábia Saudita, mas também pela República Islâmica do Irã. Parte da elite iraniana desenvolveu uma estratégia de longo prazo para preparar e exportar a revolução islâmica global. O primeiro experimento bem-sucedido nessa área foi o Líbano, onde, em 1982, o movimento do Hezbollah (Partido de Deus) foi criado pelos iranianos e declarou-se em jihad contra Israel e o ocidente.
Hoje, o Hezbollah, que opera efetivamente no Bahrain e em todo o Oriente Médio, tem milhares de apoiadores em vários países, inclusive em países da União Europeia e nos EUA onde, conforme dados do FBI, mantém células em mais de dez cidades. Além do Hezbollah, há inúmeras organizações revolucionárias islâmicas em operação em regiões do Oriente Médio e da Ásia Central, que são intimamente ligadas a seitas míticas do Islã xiita. Por exemplo, a Sociedade Roshaniya (“Clarividentes”), surgida na Idade Média e que operou no território do Irã, do Afeganistão, do Paquistão e da Caxemira indiana modernos (o seu mais recente análogo europeu são os Illuminati, o braço revolucionário da Maçonaria). Um dos principais dogmas dessa sociedade é a abolição dos governos nacionais e o estabelecimento de uma supersociedade mundial.
Aga Khan IV
Outra sociedade secreta conectada à Roshaniya, inclusive no nível ideológico, é a Ordem Xiita dos Hashishinos [de hashish (árabe), raiz etimológica das palavras (port.) “assassino” e “haxixe” (NTs)], ou Nizari Ismailis, que se formou no Irã e aterrorizou todo o Oriente. Sua principal arma eram agentes treinados para o suicídio e o uso controlado de drogas. Atualmente, o imã dos Ismailitas é Aga Khan IV, um dos principais representantes oficiais na ONU dos interesses da Grã-Bretanha, favorito da família real britânica e uma das maiores fortunas do planeta. [3] Ao mesmo tempo, é imã de um ramo do Islã que, nos idiomas europeus, converteu-se em sinônimo de assassinos de aluguel, além de ser figura chave de um dos maiores casos da política contemporânea, o “caso Irã-Contras”; do financiamento aos partidos de mujahideens no Afeganistão; do movimento pró-independência da Caxemira, pró-Grã-Bretanha etc..
Dentre os ensinamentos dessas organizações, há a crença de que o poder da irmandade torna-se maior cada vez que incorpora o espírito de um dos irmãos mortos. Quanto mais irrepreensivelmente crente fiel for o mártir, mais poder ele transfere para sua irmandade. Hoje, os hashishinos medievais “reincarnaram” em shahids [ar. “testemunhas”] suicidas que, sob a forma que têm hoje, apareceram num tempo relativamente recente no mundo islâmico. Em escala massiva, surgiram durante a guerra Irã-Iraque, quando o Irã usou soldados suicidas que se lançavam com explosivos sob tanques iraquianos; em escala individual, apareceram em outubro de 1983, quando o Hezbollah assumiu publicamente a responsabilidade por um ataque de suicida-bomba que matou mais de 300 soldados e pessoal militar dos EUA e França.
Jihadistas da al-Qaeda
Essas organizações para-xiitas, ou quase-xiitas, formam uma rede transnacional. É perfeitamente possível que ela se converta em alternativa à rede transnacional terrorista de sociedades para-sunitas, ou quase-sunitas, como a Fraternidade Muçulmana e a al-Qaeda – as duas criadas pela anglosfera [os anglo-saxões; países de língua inglesa (NTs)]. Apesar de terem objetivos semelhantes, a principal diferença entre as duas redes é que a base dos métodos dos xiitas é a disposição ao autossacrifício pelo qual o mártir liberta-se do poder de autoridades mundanas; e a base dos métodos dos sunitas é uma espécie de impulso canibal para sacrificar qualquer um em nome da liberdade para continuarem a fazer o que desejem fazer ao resto da humanidade.
Hoje, ante a crescente atividade que se vê entre agentes do fator xiita no Oriente Médio; consideradas a resistência dos sírios e a próxima saída dos norte-americanos do Afeganistão; e considerados os cada dia mais graves problemas internos nos EUA e na Arábia Saudita, os monarcas do Golfo e os EUA estão, sim, gravemente preocupados. Todos esses temem, hoje, sobretudo, duas coisas:
a) que venham a perder o controle sobre as organizações pan-islâmicas sunitas radicais que rejeitam qualquer ideologia de estado nacional em países muçulmanos, em nome da unidade global da Ummah [comunidade mundial dos muçulmanos]; e
b) a promoção do Irã e dos xiitas, como um todo, para os papéis chaves no segmento islâmico da globalização; e o fim do controle de Washington sobre esse segmento, no caso de os EUA não encontrarem meio para influenciar o processo.
Só isso explica os recentes eventos no Bahrain e no Iraque; o apoio aberto dos EUA à al-Qaeda na Síria; a ameaça de ataque contra o Hezbollah no Líbano; e o diálogo entre Washington e Teerã, que tanto alarmou aliados dos EUA no Oriente Médio.
Redecastorphoto
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