Irã versus o Eixo da Ansiedade (sauditas-Israel-França) - Noticia Final

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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Irã versus o Eixo da Ansiedade (sauditas-Israel-França)



Com a reaproximação EUA-Irã andando a passo de cágado, mas mesmo assim andando, em direção a uma, pelo menos, consumação parcial, em Genebra, quero fazer aqui algumas ralas observações:

1) A “ameaça” das armas nucleares iranianas sempre foi conversa fiada, pretexto para que várias potências pudessem promover uma agenda anti-Irã.

2) O principal, dentre os suspeitos de sempre é, claro, a Israel governada pelo primeiro-ministro Netanyahu. Se o governo israelense consegue inventar e divulgar o Irã como potência nuclear e ameaça “existencial” a Israel, então os israelenses passam a poder merecer a simpatia dos EUA, além de apoio e proteção. Mas se o Irã volta a ter melhores relações com os EUA, Israel passa a temer que os EUA mostrem-se menos dispostos a continuar a arcar com o considerável custo político, diplomático e econômico que resulta do “aval” que sempre deram à recusa obstinada dos israelenses, que teimam em não confessar que abrigam gigantesco arsenal atômico em seu território; e passa a ser possível que os EUA forcem Israel a integrar-se ao regime internacional de controle de armas.

3) Outra potência regional interessada em bater o tambor da “ameaça iraniana” é a Arábia Saudita. Mas entendo que a posição muito destacada do Reino Saudita contra o Irã (provavelmente simbolizada, mas não necessariamente criada pelo notório príncipe Bandar) pouco tem a ver com a “ameaça” de alguma “hegemonia iraniana” (história frequentemente repetida na imprensa-grande-empresa). Para mim, a coisa tem muito a ver, isso sim, com a decisão dos sauditas de adotarem posição proativa contra a agitação popular democrática que se viu nos levantes da Primavera Árabe. Para tanto, os sauditas optaram por apoiar a teologia e a governança sunitas, não só em países de maioria xiita, como Bahrain, Iraque, Líbano e Síria, mas também na Líbia (onde a Arábia Saudita e sua criatura, o Conselho de Cooperação do Golfo, foram as primeiras forças a exigir intervenção contra Gaddafi) e no Egito. É fácil para a Arábia Saudita pendurar-se de carona na campanha anti-Irã promovida por EUA e Israel, e citar alguma subversão iraniana como pretexto para a campanha contra os sunitas.

Se se retira o Irã da liga dos inimigos existenciais a subverter a “pátria sunita”, a Arábia Saudita fica exposta e vê-se claramente que se empenha em proteger o wahhabismo mais obscurantista, contra a democracia liberal. É péssima posição.

4) Observadores ocidentais mostraram surpresa ante a sabotagem explícita obrada pela França, a serviço de Israel, contra as negociações nucleares iranianas em Genebra, sabotagem da qual a França não pediu desculpas.

Houve lamentações no campo do centro-esquerda, de que a França estaria agindo por ganância, no intuito de melhorar as condições de negociação entre os sunitas e os fabricantes franceses de armas. Pode ser. Mas acho que mais importante que isso é o caráter estratégico do envolvimento dos franceses.

Não esqueçamos que a tradicional esfera de influência sobre a qual os franceses sempre atuaram no Oriente Médio sempre foi o Levante – aquele pedaço do litoral que inclui o sul da Turquia, Síria e Líbano. A França declara-se paternalmente interessada nos católicos sanguinários, fascistas e pró-israelenses que há entre os maronitas libaneses, grupo cujas origens remontam às Cruzadas e é, talvez, o mais vergonhoso legado do entusiasmo francês, sempre que se intromete no Oriente Médio.

Antes de a Síria ser incendiada, a França comandava um movimento para implantar Bashar al-Assad no centro dos afetos ocidentais.

Vale também lembrar que a aventura líbia foi criada pelo entusiasmo francês; que a França foi também, fácil, o mais empenhado propagandista de um ataque militar, pelos EUA, contra a Síria, imediatamente depois que alguém lá ultrapassou a linha vermelha do presidente Obama & gases. Com os EUA já manifestando desejo de pender na direção do Irã, nem que seja só um pouquinho, todo o quebra-cabeça do Oriente Médio foi virado de cabeça para baixo. E a França é, de todo o ocidente, o país com mais potencial para modelar e lucrar com o novo alinhamento.

Podemos, com muita razão, nos indignar por a França ajudar Israel, mas, se os EUA se pivotearem na direção da Ásia, como prometeram, não é improvável que se cogite de redefinir o Oriente Médio árabe como um constructo mediterrâneo, com a França no papel de base e pedra fundamental do arranjo (e detonador-em-chefe do Irã).

IMPORTANTE: O Irã quer um aliado europeu? Ora... a Alemanha aí está, só esperando o convite.

Angela Merkel, Chanceller da Alemanha
Para ilustração e edificação do espírito dos leitores desse blog China Matters, ofereço aí dois artigos e argumentos para seus arquivos e reflexão:

Primeiro, uma reflexão sobre o já longevo empenho dos sauditas para semear a discórdia no ninho das seitas e dos sectarismos, não só no Bahrain, mas em toda a região do Golfo Pérsico. Espero que essa leitura sirva como corretivo às cômicas elaborações sobre a subversão que estaria sendo ativada pelos iranianos, a mais típica das quais é que o regime de Assad, xiita alawita, estaria, ele mesmo, promovendo um sectarismo suicidário na Síria. De fato, a adesão religiosa aos sunitas na maioria síria é considerada um dragão a ser cutucado e despertado – a serviço da avalanche conservadora saudita, ativa contra qualquer democracia não sectária, seja no reino, seja na região.

– 4/4/2011, “Bahrain and Saudi Arabia’s Rulers Goose-Step to the Brink of the Abyss [Governantes do Bahrain e da Arábia Saudita marcham em passo de ganso, à beira do abismo] (em inglês).

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Segundo, uma discussão sobre a perene questão de se Israel seria ameaça unilateral crível contra o programa nuclear do Irã. Em outras palavras: Israel tem ou não tem potência militar para atacar militarmente o Irã? Quando escrevi esse artigo, em fevereiro de 2012, entendia-se em geral pouco provável que a Arábia Saudita aceitasse a missão de reabastecer os bombardeiros israelenses; e entendia-se plausível que as forças ocupantes dos EUA no Iraque prestariam esse serviço.

Hoje, tudo mudou. Sob as atuais circunstâncias, eu diria que o entusiasmo da Arábia Saudita para lutar até o último homem a favor dos EUA, aplica-se hoje em Israel. E parece-me que nem Israel nem a Arábia Saudita têm estômago para atacar o Irã e, talvez, iniciar uma guerra regional, sem contar com forte apoio dos EUA, do tipo que o governo Obama já não parece interessado em oferecer; tomara que eu esteja certo.

Seja como for, o verdadeiro jogo está sendo jogado na Síria e no oeste do Iraque, regiões que, e não só pela exasperante questão da al-Qaeda, tiro que nos saiu pela culatra, estão sendo vistas com imaculada alegria como campos férteis para o avanço dos sunitas e morticínio ininterrupto, e aconteça o que acontecer com o Irã.

– 3/2/2012, “Israel Attack on Iran: Same BS Different Day” [Ataque de Israel ao Irã: nova data, mesmo besteirol (orig. “Bullshit”, ab. BS”)] (em inglês).
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F-15 Eagles e F-16 Fighting Falcons
Desse segundo artigo, recorto aqui uns parágrafos:

Nos últimos dias de maio e primeira semana de junho de 2008, Israel encenou um impressionante exercício militar, fartamente noticiado, sobre Creta, do qual participou a Força Aérea da Grécia.

Mais de 100 jatos F-16 e F-15 isralenses de combate, além de helicópteros de resgate israelenses e aviões de reabastecimento em voo, lá estavam, ativos num número impressionante de ataques fingidos.

O que se dizia é que os aviões israelenses jamais pousaram e foram continuadamente reabastecidos em voo, a partir de plataformas embarcadas de reabastecimento.

O plano de Israel era demonstrar que uma distância de 1.400 km poderia ser superada, com a força aérea israelense em perfeito estado, sem pousos para reabastecimento, e efetiva. 1.400 km é precisamente a distância que separa Israel e a usina de enriquecimento de urânio Natanz.

No início de 2011, o Jerusalem Post noticiou que Israel recebeu um 707 para ser convertido em avião-tanque para reabastecer seus bombardeiros F15-I de volta do Irã. Quantos outros aviões tanques Israel possui é “informação classificada”, mas há quem fale de 7 ou 8 Boeings 707 convertidos.

Boeig-707 convertido em avião-tanque para reabastecimento aéreo
O artigo do Jerusalem Post prossegue:

A Força Aérea de Israel ampliou sua frota de aviões tanques nos anos recentes e agora planeja esperar que a Força Aérea dos EUA decida sobre o próximo modelo de avião tanque, antes de comprar outras aeronaves.

Se se lê nas entrelinhas, parece que os EUA não estão especialmente interessados em entregar aviões tanques e aumentar a capacidade israelense para ataques aéreos unilaterais contra o Irã.

Segundo Karl Vick, da revista Time, Israel não tem capacidade para reabastecer aviões em voo e, no que interessa, tampouco tem capacidade de artilharia, para manter ataque sustentado contra o Irã por semanas:

Karl Vick
Ponto no qual todos concordam, porém é que, por mais formidável que seja a Força Aérea de Israel, ela simplesmente não tem a capacidade mínima necessária para manter o tipo de bombardeio sustentado, por várias semanas, necessário para derrubar o programa nuclear iraniano, consideradas as pausas para avaliação de danos, antes de novas ondas de bombardeio. Sem plataformas avançadas, como porta-aviões, a armada aérea israelense tem de depender do reabastecimento em voo para alcançar alvos que estão a mais de 1.200 km de distância. E quem leia as ordens-de-batalha de Israel vê que não contam com mais de meia dúzia de aviões desse tipo.

Outra dificuldade observada pelos analistas é o inventário das bombas penetra-bunkers, do tipo capaz de penetrar nas paredes de concreto ou de rocha que protegem as centrífugas instaladas em Natanz e agora também em Fordow, perto de Qom. Israel tem várias bombas GBU-28s, que talvez penetrem as paredes de Natanz. Mas só a Força Aérea dos EUA tem o detonador-penetrador “Massive Ordnance Penetrator” de 13,607 toneladas que poderia levar as bombas até Fordow, a instalação nuclear escavada na rocha, onde, dizem alguns críticos, o Irã estaria enriquecendo urânio a níveis de utilização militar.

Assim sendo, por que tantos insistem em repetir e discutir as ameaças israelenses de ataques ao Irã?

Tenho frequentemente comentado que o principal objetivo das ameaças de atacar o Irã é agitar as correntes do fantasma, tentando dificultar o mais possível qualquer possível aproximação entre os EUA e o Irã. (...)

Quanto à insistência dos israelenses de que atacarão o Irã se não sossegarmos nossos fachos, ofereço aqui uma análise que me pareceu interessante e persuasiva.

Ali se argumenta que a Força Aérea de Israel simplesmente não tem os cavalos necessários para transportar o armamento necessário para um ataque terminal contra as reforçadas, resistentes e dispersas instalações iranianas, em missão de milhares de quilômetros – e, lembrem-se: quanto mais combustível é carregado, menos armas – a menos que os EUA ou ajudem no reabastecimento dos aviões israelenses, ou permitam que os aviões de ataque decolem de bases dos EUA no Iraque. E, provavelmente, sequer nesse caso. 

Vista em planta do Complexo Nuclear de Natanz, Irã (foto de 2002)
(clique na imagem para visualizar)
Em resumo, temos que:

Teoricamente, os israelenses poderiam dar conta da missão, mas sob altíssimo risco de fracassarem. Se decidirem atacar Natanz, terão de provocar vastos danos no primeiro ataque – e provavelmente não conseguirão montar ataques subsequentes contra as outras instalações.

Feitas todas as análises, só há um exército capaz de empreender e manter operações aéreas em amplas áreas e sustentadas, indispensáveis para eliminar o programa de armas nucleares do Irã: os EUA.

Os israelenses poderiam começar alguma coisa – mas caberia ao Tio Sam terminar o serviço.

Colho esse argumento, para apoiar minha tese, segundo a qual um ponto chave, para Israel, no raid contra a Síria, foi o tipo de apoio norte-americano que gerou – ou não gerou – e o que tal apoio significaria para Israel, se movesse ataque igualmente dramático, mas menos conclusivo contra Natanz, na esperança de que os EUA se sentissem obrigados a entrar na campanha.

Tudo isso para dizer que “atacar o Irã”, só se for nossa guerra, dos EUA. Não sei se essa conclusão mais me tranquiliza ou mais me perturba.


Redecastorphoto

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