Está em curso no maior fabricante de armas do país uma queda de braço pouco usual entre a administração da empresa e seu auditor externo. Forjas Taurus e Ernst & Young (EY) não se entendem sobre a contabilização da venda de uma subsidiária e, por dois trimestres seguidos, a auditoria se recusa a aprovar as contas da companhia.
É normal haver divergências entre quem faz o balanço e quem o fiscaliza, mas os dois costumam chegar a um acordo antes que o auditor finalize o relatório que é publicado com as demonstrações financeiras. Se a administração insistir em algum ponto que o auditor não concorde, o parecer pode vir com uma ressalva, o que já é considerado grave, mas não desqualifica todo o balanço. O que a Taurus, istada nos níveis de governança da bolsa, enfrenta é pior e muito mais raro: seus números levaram um "parecer adverso", ou seja, foram recusados na totalidade.
Outro sinal preocupante, em meio a esse imbróglio, foram duas baixas na companhia. Em setembro, duas semanas antes da divulgação do balanço do segundo trimestre, Edair Deconto, que pertencia ao comitê de auditoria e trabalhava há mais de 10 anos na Taurus, renunciou. Nesta semana, o desfalque foi próprio presidente Dennis Gonçalves. Na divulgação dos resultados trimestrais, na segunda-feira, primeiro foi dito que ele não poderia comparecer à teleconferência com os analistas. Depois, enquanto ocorria a reunião, a empresa informou por nota que ela havia deixado o cargo, após ter "completado seu ciclo".
A disputa envolve a venda da Taurus Máquinas-Ferramenta, fechada em junho de 2012, por R$ 115 milhões, a serem pagos ao longo de mais de 10 anos. A primeira parcela venceria em 12 meses. Até hoje, a direção não viu um centavo em dinheiro. Em agosto, o comprador, o grupo SüdMetal, pediu a revisão do contrato. Em um acordo de cavalheiros, sem a mediação da Justiça, a Taurus concordou em reduzir o valor pela metade, para R$ 57,2 milhões.
A primeira parcela, de R$ 1,9 milhão, foi paga com peças. A segunda foi adiada para junho de 2014. Nesse meio-tempo, o SüdMetal já assumiu a fábrica. Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que o grupo já está à frente da Taurus Máquinas-Ferramenta desde a primeira metade do ano. A Forjas Taurus teve que reconhecer uma perda de R$ 57,8 milhões no balanço do segundo trimestre, publicado com dois meses de atraso. O prejuízo no período foi de R$ 101 milhões. Mas a baixa contábil não foi suficiente para resolver a questão. A EY, que foi contratada em abril de 2012 em substituição à KPMG, alega em seu parecer do balanço do segundo trimestre de 2013, que a empresa já tinha conhecimento dos fatores que levaram a redução do valor da venda quando contrato foi fechado.
Ou seja, na visão dos auditores, o lucro de 2012 estava inflado em R$ 57,8 milhões - valor relevante, considerando que, no ano passado como um todo, os ganhos da Taurus foram de R$ 41,9 milhões. A auditoria diz ainda que não há comprovação de que a Taurus receberá o valor restante. "Até a conclusão de nossos trabalhos, não havíamos recebido todas as análises que nos permitissem concluir sobre a realização desse recebível e se o mesmo está devidamente registrado a seu valor presente", disse a EY no parecer sobre o balanço. Procurada, a firma diz que não pode fazer declarações sobre seus clientes.
Em um documento datado de maio - antes do pedido de revisão do contrato, portanto - a Taurus já reconhecia o risco de calote. "A companhia incorre no risco de não recebimento das parcelas previamente acordadas, sendo suscetível [à] situação financeira do grupo SüdMetal", escreveu no Formulário de Referência, um dos documentos obrigatórios enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pelas companhias abertas.
Unidade de máquinas industriais foi vendida por R$ 115 milhões em 2012; neste ano, valor caiu pela metade
O problema, de fato, é a situação financeira do SüdMetal. O grupo enfrenta diversos processos trabalhistas, tem atrasado o pagamento de fornecedores e é processado pela União por evasão fiscal. O dono do grupo, Renato Conill, foi indiciado pelo Ministério Público Federal (MPF). O executivo é acusado de ter montado uma cadeia de empresas para desviar ativos executáveis de suas fábricas e driblar o Fisco. Os tributos devidos chegam perto dos R$ 210 milhões.
Diversas ações de bloqueio de bens tramitam em primeira instância. A aquisição da Taurus Máquinas-Ferramenta foi feita por meio da Renill Participações, veículo de investimentos que ainda não está listado nas empresas que são cobradas pelo Fisco. Mas a Procuradoria Geral da Fazenda do Rio Grande do Sul abriu novos processos no intuito de listá-la entre as companhias passíveis de confisco. O fato de a Taurus ter dado um desconto de 50% no contrato de venda pode ter chamado a atenção dos auditores, disse ao Valor um especialista que prefere não ser identificado. Se o ativo agora vale a metade do que estava registrado nos livros é um indício de que estava superavaliado e teria de ter sido "baixado", como mandam as normas contábeis. E, além disso, existem duvidas sobre a capacidade de pagamento do comprador, o que aumenta a incerteza sobre a realização do negócio.
A Taurus afirma que a revisão no contrato deveu-se a mudanças no cenário macroeconômico e a segunda metade do pagamento, que foi cancelada, seria feita por meio de serviços e mercadorias, o que não condizia mais com sua estratégia de produção. A informação de que a segunda tranche tos seria paga na forma de produção apareceu apenas neste ano. No balanço do segundo trimestre de 2012, a empresa dizia apenas que R$ 64 milhões seriam pagos em parcelas semestrais, ao fim das quais os R$ 51,3 milhões restantes seriam quitados mensalmente.
A companhia disse ainda que 89% dos R$ 60 milhões a serem recebidos do grupo SüdMetal (em valores atualizados) são cobertos por garantias reais. Questionada sobre a possibilidade dessas garantias serem invalidadas caso a Renill tenha seus bens bloqueados, a Taurus respondeu que não cabe a ela comentar sobre a situação financeira de terceiros.
O SüdMetal respondeu, por meio de seu diretor jurídico, que tem capacidade de arcar com a compra e que os bens envolvidos nos processos com o Fisco não interferem nas garantias oferecidas pelo ativo. Ele afirmou ainda que as acusações do MPF contra Conill são falsas e que "e que os ativos das empresas cobrem suficientemente suas responsabilidades fiscais".
A CVM já abriu um processo para investigar o balanço do segundo trimestre da Forjas Taurus, de acordo com informações disponíveis em seu site. Sem entrar no episódio específico da fabricante de armas, a CVM informou que, nesses casos, pode exigir a republicação dos balanços, "podendo também ocorrer a apuração de responsabilidades, conforme as especificidades de cada caso".
Se o impasse com os auditores persistir, o tamanho do problema tende a aumentar. A revisão das demonstrações contábeis trimestrais não é tão completa quanto a auditoria realizada no fechamento do ano. Um balanço anual com opinião adversa seria uma péssima notícia para a companhia.
Comprador foi lobista na lei de Desarmamento
Por De São Paulo
Renato Conill, dono do grupo SüdMetal, é um velho conhecido da Forjas Taurus. Muito antes de comprar a Taurus Máquinas-Ferramenta no ano passado, o empresário atuou como representante comercial da companhia por mais de 20 anos e chegou a ocupar o cargo de diretor vice-presidente comercial e de marketing em 2003, liderando a articulação da fabricante de pistolas em Brasília na época do Estatuto do Desarmamento.
O processo instaurado pelo Ministério Público contra Conill por desvio de ativos tributáveis, ao qual o Valor teve acesso, mostra que a Taurus foi responsável pelo pagamento de R$ 12,5 milhões à Sulbrás Representação de Equipamentos de Segurança, empresa no nome do empresário sediada em Brasília, entre 2004 e 2008.
Segundo a Taurus, o dinheiro refere-se "apenas e exclusivamente a contrato de representação comercial firmado entre ambos, que foi encerrado no primeiro trimestre de 2006". A empresa nega que o executivo tenha ocupado o cargo de diretor estatutário, apesar de materiais de divulgação de resultados de 2003 o listarem entre a alta diretoria. Em entrevista concedida ao Valor naquele ano, o então presidente da Taurus, Carlos Murgel, também refere-se a Conill como diretor vice-presidente e ressalta que o lobby em Brasília ficava a cargo dele.
Em nota, o diretor jurídico do grupo SüdMetal afirmou que não comentaria questões cobertas por sigilo fiscal, informando apenas que "todas as remunerações pagas por Forjas Taurus foram devidamente tributadas pela Sulbrás Representações".
A unidade de máquinas industriais de Gravataí foi adquirida pela Taurus em 2004, menos de um ano após Conill ter deixado a diretoria da empresa. Foi naquele ano que o empresário deu início ao grupo SüdMetal, a partir da aquisição da metalúrgica Hahn Ferrabraz.
A aquisição da Taurus Máquinas-Ferramenta veio num momento em que a fabricante de pistolas tentava diversificar seus negócios, após as restrições impostas à comercialização de armas no país. Mas o ativo nunca deu o retorno esperado. Até o fim do ano passado, os prejuízos acumulados somavam cerca de R$ 120 milhões.
Defesa Net
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
Home
Unlabelled
Venda de fábrica gera impasse entre Taurus e auditores
Venda de fábrica gera impasse entre Taurus e auditores
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Author Details
Templatesyard is a blogger resources site is a provider of high quality blogger template with premium looking layout and robust design. The main mission of templatesyard is to provide the best quality blogger templates which are professionally designed and perfectlly seo optimized to deliver best result for your blog.
Nenhum comentário:
Postar um comentário