Semana passada (17/12/2013), Sua Alteza Real Príncipe Mohammed bin Nawaf bin Abdulaziz al Saud, embaixador da Arábia Saudita na Grã-Bretanha e membro da Casa de Saud, fez publicar coluna assinada no New York Times, intitulada “A Arábia Saudita prosseguirá sozinha”. Além das frases de sempre, de propaganda ideológica e uma previsível litania de reclamações contra o Ocidente, que não faz o suficiente, a peça é clara e, embora vaga, ameaça:
Mohammed bin Nawaf bin Abdulaziz al Saud |
As opções de política exterior feitas por algumas capitais ocidentais ameaçam a estabilidade da região, e, potencialmente, a segurança de todo o mundo árabe.
Significa que o Reino da Arábia Saudita não tem outra escolha além de tornar-se mais assertivo nas questões internacionais: mais determinado que nunca em defender a genuína estabilidade de que nossa região carece tão desesperadamente. (...)Temos de agir para responder a essas responsabilidades, com ou sem o apoio de nossos parceiros ocidentais. Nada se descarta em nossa busca de paz e estabilidade sustentáveis no mundo árabe, como o rei Abdullah — então Príncipe Coroado da Arábia Saudita – mostrou com sua liderança da Iniciativa de Paz Árabe de 2002 para resolver o conflito israelenses-palestinos (...)Continuamos a mostrar nossa determinação mediante o nosso apoio ao Exército Sírio Livre e à oposição síria. É muito fácil para alguns no Ocidente usarem a ameaça de operações terroristas da Al-Qaeda na Síria como desculpa para hesitação e inação. As atividades da Al-Qaeda são um sintoma do fracasso da comunidade internacional, que não intervém. Não devem tornar-se pretexto para a inação. O modo para impedir o crescimento do extremismo na Síria – e em outros pontos – é apoiar os que defendem a moderação: financeiramente, materialmente e, sim, militarmente, se necessário (...) A Arábia Saudita continuará nessa sua nova trilha, por quanto tempo prove-se necessário.
Aí há muita coisa dita e muita coisa sugerida, e muito fica sem dizer. Dividamos o texto conforme as seguintes palavras chaves: mais assertiva, nada se descarta, decidida a apoia a “oposição síria” financeiramente, materialmente e militarmente. Soa muito impressionante, mas... será? O que podem os sauditas fazer realmente? Examinemos as opções deles:
1) Continuar a jogar dinheiro sobre a gangue jihadista internacional que já faz guerra contra a Síria há vários anos: sim, é uma opção, mas nada tem de novidade; os sauditas e seus aliados sempre fizeram isso, há muito tempo, e em nada ajudaram a insurgência. Jogar ainda mais dinheiro sobre insurgência já em larga porção derrotada só promoverá cada vez mais corrupção e disputas internas, e pouco ajudará a reverter a situação em campo.
2) Continuar a entregar armas à insurgência: é o mesmo que dar-lhes mais dinheiro; como no caso do dinheiro, os sauditas e seus aliados têm feito isso há anos, sem conseguir mudar a situação em campo. Por quê? Porque a insurgência já tem armas leves suficientes, e sistemas mais complexos e mais pesados de armas são difíceis de entregar e exigem operadores treinados. Ainda mais importante: uns poucos canhões, tanques ou vários lança-foguetes não são efetivos, a menos que tenham à sua volta um sistema completo de apoio: logística, munição, inteligência, controladores de artilharia avançados, etc.. Por isso, precisamente, até quando conseguem capturar esse tipo de armamento das forças do governo, os insurgentes só muito raramente conseguem usá-lo de modo efetivo.
3) Intervir diretamente na Síria: bem... ele disse que “nada se descarta”, não disse? Significaria que os sauditas poderiam simplesmente mandar suas forças militares cruzarem a fronteira e atacar forças do governo? Não, nada disso. Por quê? Simplesmente porque Arábia Saudita e Síria não têm fronteiras comuns; para chegar à Síria, os sauditas teriam de atravessar o oeste do Iraque ou a Jordânia. E os sauditas poderiam mandar sua força aérea dar apoio à insurgência? Sim, mas, também nesse caso, teriam de sobrevoar o Iraque ou a Jordânia, o que os sauditas não podem fazer sem autorização do CENTCOM (altamente improvável, para dizer o mínimo; adiante, voltarei sobre esse ponto).
4) Atacar o Irã ou deixar que os israelenses usem campos de pouso e decolagem sauditas, para um ataque ao Irã: parece loucura, não é? Mas pense outra vez. Primeiro, depois de décadas de colaboração semiclandestina, sauditas e israelenses elevaram o relacionamento para algo semelhante a umalove-story semioficial. E considerem o exemplo que o príncipe Mohammed oferece aí: a “Iniciativa de Paz” saudita de 2002, oferecida a Israel. Assim, se realmente “nada se descarta”, então não se deve descartar uma repentina “reaproximação estratégica” entre dois regimes igualmente religiosos, igualmente doidos e igualmente racistas no Oriente Médio: o Reino Saudita Árabe e Israel. Tampouco se deve descartar uma possível ação conjunta contra o Irã por esses dois estados-bandidos, que já não fazem segredo de que sentem que o governo Obama os abandonou. Assustador, não é? É. Mas se se consideram os doidos envolvidos, deve-se, sim, pensar nessa possibilidade.
Qual é o principal impedimento para um ataque de Israel contra o Irã? A distância.
Mapa político do Oriente Médio para ajudar na visualização do texto a seguir |
Claro, os israelenses poderiam usar mísseis balísticos ou cruzadores, mas eles não oferecem o tipo de capacidades flexíveis necessárias para degradar severamente as instalações nucleares iranianas e os centros associados de pesquisa. Esse é serviço para força aérea. O problema da Força Aérea de Israel não é só que não haja fronteira comum com o Irã, e que teriam de obter inúmeras licenças para cruzar espaço aéreo entre Israel e Irã, mas também que, considerando as distâncias envolvidas, os ataques aéreos exigiriam reabastecimento em voo, o qual, por sua vez, exige muito mais equipamento em ar, para proteger a força atacante. Para piorar, o Irã é país enorme; seria necessário lançar vários grupos de ataque para diferentes alvos para atingir todos os alvos, e cada grupo de ataque teria de ser reabastecido em voo e protegido; e, para conseguir penetrar espaço aéreo iraniano, é preciso providenciar a supressão das defesas aéreas do inimigo, inclusive de defesa eletrônica. Resumo: seria operação imensa, que os israelenses simplesmente não têm meios para executar. Mas e se se assume que os israelenses pudessem usar campos sauditas para pouso e decolagem?
Essa opção não resolve todos os problemas, mas dá conta de alguns dos piores problemas envolvidos num ataque direto de Israel ao Irã. Primeiro, se os israelenses puderem reabastecer na Arábia Saudita, não precisariam depender sempre do complexo, difícil reabastecimento em voo. Isso liberaria imediatamente várias aeronaves para outras tarefas. Segundo, decolar da Arábia Saudita poria todo o Irã ao alcance de um ataque aéreo dos israelenses, que assim poderiam “espalhar-se” por todo o espaço aéreo iraniano e apoiarem-se uns os outros. Os israelenses poderiam usar até helicópteros para resgatar pilotos de aviões derrubados.
Em terceiro lugar, decolar da Arábia Saudita possibilitaria atacar alguns alvos chaves iranianos, com mínima ou nenhuma possibilidade de alerta, porque estariam literalmente do outro lado do Golfo Persa. O sítio nuclear em Bushehr poderia ser atacado várias vezes, em ondas, até que a avaliação de danos confirmasse que o alvo tivesse sido destruído. Mais que isso, se os sauditas tomarem a decisão de oferecer seus campos de pouso e decolagem à Força Aérea de Israel, podem também oferecer apoio militar, no mínimo, para se autoprotegerem. Se a força aérea saudita decidir apoiar ataque israelense – sobretudo com seus AWACs e F-15s – sim, fariam imensa diferença. Resumo: se sauditas e israelenses realmente decidirem unir forças, podem atacar o Irã de um modo que os israelenses, sozinhos, não podem sequer sonhar em fazer. Já teriam feito, provavelmente, não fosse um grande problema: O CENTCOM(Comando Central dos EUA).
Mapa do Irã com localização de instalações nucleares e militares |
Todos e quaisquer cenários imaginados sobre um ataque conjunto sauditas-israelenses têm de assumir que o CENTCOM-EUA, no mínimo, nada fará e deixará que o ataque prossiga, sem nenhuma ação. É altamente improvável, porque os EUA entendem perfeitamente que qualquer ataque iraniano de retaliação atacaria primeiro os norte-americanos, o que poria os EUA tão envolvidos quanto o reino saudita e Israel. Do ponto de vista dos EUA, não faz sentido algum deixar que israelenses e sauditas iniciem uma guerra da qual o primeiro resultado imediato será o envolvimento dos EUA. Àquela altura, melhor para os EUA iniciarem eles mesmos a guerra, não só porque a força aérea e a marinha dos EUA são, de longe, muito mais fortes e capazes que as forças combinadas de Israel e dos sauditas, mas, sobretudo, porque os EUA estariam no controle do tempo, dos objetivos e do modo de executar o ataque. Mas os EUA estão claramente nada interessados em iniciar uma guerra com o Irã.
Conheço os israelenses e tenho certeza que já consideraram atentamente a opção de simplesmente ignorar Washington e prosseguir com a conhecida “audácia dochutzpah” de sempre:
(...) vamos começar a guerra para os goyim (não judeus)– eles não se atreverão a nos deter – e depois vemos como arranjar as coisas.
Parece loucura? Sim, é claro que parece. Porque é loucura. Loucura demais para sauditas e israelenses? Não sei... Os sauditas compreendem perfeitamente que se Assad permanecer no poder, o chamado “Crescente Xiita” estará ainda mais poderoso que antes do início da guerra contra a Síria; que as chances de um ataque dos EUA ao Irã diminuirão dramaticamente, deixando os sauditas em pânico quanto a o que poderá fazer o poderoso vizinho. O mesmo vale para Israel, a qual, por suas próprias razões, também está em pânico ante a aliança xiita de Hezbollah-Síria-Irã. Não pode haver dúvida possível de que israelenses e sauditas farão absolutamente qualquer coisa para que os EUA livrem-nos da ameaça xiita contra eles. Mas parece que, pelo menos por hora, os EUA não querem ceder ao desejo ensandecido de sauditas e israelenses.
Mas os EUA ousarão usar a força para impedir um ataque israelense ao Irã?
Essa é, sim, a pergunta crucial, e só teremos resposta definitiva se tal situação realmente acontecer. Pessoalmente, sim, acredito firmemente que, sim, os EUA dirão aos israelenses que “deem meia volta, ou, então...”
Por quê?
Porque o que está em jogo é muito mais do que uma luta local entre xiitas, wahabistas e sionistas: uma guerra EUA-Irã inflamaria todo o Oriente Médio e, provavelmente, se espalharia para fora de lá. Segundo alguns modelos, poderia resultar em guerra mundial. E isso é algo que Obama, ou, melhor: que os que puseram Obama na Casa Branca, absolutamente não querem. Apesar da longa lista de fracassos e atrapalhações, há uma coisa significativa, que Obama fez: livrou-se de muitos dos neoconservadores e agora os “Israel-em-primeiro-lugar-istas” [“Israel Firsters”] foram substituídos pelos “EUA-em-primeiro-lugar-istas” [“USA Firsters”] e esses não têm absolutamente qualquer intenção de pôr em risco os EUA, em benefício de dois estados-bandidos governados por psicopatas. Não é impossível que aconteça, mas meu palpite é que, se realmente encurralados pela arrogância israelense de sempre, os EUA usarão a força para impedir ataque não autorizado de Israel contra o Irã.
Para começar, não é difícil esconder da opinião pública o que realmente aconteça no espaço aéreo sobre a Arábia Saudita na calada da noite. Segundo, se os EUA realmente abrirem fogo contra força de ataque israelense, os israelenses não terão opção, se não voltar para casa. Por fim, os EUA têm opção muito mais simples: podem impedir que israelenses reabasteçam em aeroportos sauditas.
Em outras palavras, esse ataque de israelenses-sauditas não acontecerá, pelo menos, enquanto Obama e seus aliados estiverem na Casa Branca.
Área de responsabilidade do CENTCOM (clique na imagem para aumentar) |
Parece que, apesar das declarações grandiloquentes sobre Arábia Saudita avançar sozinha, o príncipe Mohammed não tem como respaldar seus discursos, com ações significativas. A Casa de Saud e Netanyahu podem fazer todas as declarações belicistas que queiram: a menos que Tio Sam dê licença, nada há, absolutamente, que eles possam fazer. O CENTCOM é o grande senhor e patrão no Oriente Médio; e enquanto o CENTCOM não quiser que algo aconteça – a coisa não acontece.
[assina] The Saker
Redecastorphoto
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