Aquilo que está acontecendo agora em Kiev não pode ser chamado de protestos da população pró-europeia. É um golpe de Estado com sinais evidentes de intervenção externa. Quando militantes de organizações ultranacionalistas tentam tomar de assalto a Administração presidencial e a “oposição” cria na Prefeitura ocupada de Kiev autoridades locais paralelas, não faz sentido falar de luta política. O cenário de separação da Ucrânia da Rússia através da associação com a União Europeia se transformou gradualmente numa verdadeira Primavera Ucraniana.
Agora já é óbvio que haverá tentativas de afastar as atuais autoridades ucranianas ou impedi-las de influenciar os acontecimentos no país, ou seja, a escolha é entre um golpe de Estado duro ou suave. Se os rebeldes do Sector de Direita, que receberam uma excelente formação de instrutores ocidentais, tivessem conseguido tomar a Administração presidencial, Yatsenyuk e Klitschko já se teriam declarado os novos governantes legítimos da Ucrânia. O fracasso do assalto e as ações resolutas de Yanukovich mudaram seu discurso, e agora eles são forçados a falar de uns tais “provocadores” que, aparentemente, foram trazidos a Kiev por marcianos e não pelos “eurointegracionistas” locais.
Nesta situação, há uma vantagem importante: Yanukovich, seu círculo mais próximo e, o que é mais importante, uma parte significativa dos ativistas do Partido das Regiões já perceberam, ou estão no processo de perceber, que não podem voltar para trás. Se Yanukovich perder o poder, espera-o a prisão ou o destino de Kadhafi. Seu círculo mais próximo encara perspectivas semelhantes. Dezenas de milhares de “regionalistas” tremem só de imaginar o que farão com eles e suas famílias os “eurointegracionistas ” com tendências nacionalistas pronunciadas ao tomarem o poder. Para estes milhares de funcionários, bastante leais a Yanukovich, a perda de empregos e negócios serão as consequências mais inofensivas da chegada ao poder dos “novos revolucionários Laranja”.
A passagem para o campo pró-Europa de alguns oligarcas que até recentemente estavam em coligação ou relações quase neutras com Yanukovich produziu uma “limpeza” natural da comitiva do presidente. Numa recente reunião de emergência em Mezhgorie, estiveram trabalhando com o presidente apenas pessoas do círculo mais íntimo de companheiros testados pelo tempo, o que pode ser interpretado como um sinal de que Yanukovich está desistindo de procurar um equilíbrio entre vários grupos e se recusa a fazer concessões.
Neste contexto, calharia muito bem ao presidente ucraniano a independência financeira da oligarquia. A possibilidade de obter essa independência existe, se Moscou permitir “passar” os fluxos financeiros provenientes da venda de gás na Ucrânia para Yanukovich, removendo completamente do esquema a oligarquia ucraniana. Rumores de tais desenvolvimentos estão circulando persistentemente em círculos próximos à política em Kiev.
Se este cenário for realizado, Yanukovich poderá passar a reprimir as forças e grupos que ameaçam a ordem constitucional ucraniana. As forças dos “regionalistas”, inspiradas pela firme convicção de que o governo central não os trairá e não “cederá” perante o Ocidente, poderão muito bem realizar essa tarefa.
Se os “eurointegracionistas” conseguirem tomar o poder em Kiev, isso não pode ser considerado o fim da luta pela Ucrânia. A população do sul e do leste do país, liderados por “regionalistas” locais, tem todas as chances de passar ao cenário de guerra civil, pois não terão nada a perder, uma vez que o novo governo irá certamente privá-los de bens e de liberdade.
Com suas reivindicações e seu comportamento, os ativistas pró-Europa radicalizam as regiões do país cujos moradores são contra a integração europeia e a favor de laços mais estreitos com a Rússia. Em condições do estabelecimento em Kiev de um “governo” ilegítimo e francamente russófobos, os líderes regionais do sul e do leste podem não reconhecê-lo e tomar medidas específicas para a separação de suas regiões da Ucrânia. A divisão do país de fato já foi concretizada, porque existem “linhas de demarcação” bastante evidentes que de forma óbvia separam a Ucrânia por características de filiação étnica, linguística e política.
De que maneira irá a Rússia influenciar os processos nestas regiões caso este cenário se concretize é uma questão em aberto. Obviamente, o cenário da divisão da Ucrânia presume riscos colossais para todos os jogadores geopolíticos na Europa e isto deixa alguma esperança para uma solução de compromisso da questão ucraniana.
Infelizmente, o movimento pró-Europa está acontecendo numa altura muito inconveniente para a Rússia porque é necessário garantir o trânsito de inverno através do sistema de transporte de gás ucraniano para exportação para a Europa. Neste contexto, pode ser muito importante para Moscou manter pelo menos uma relativa calma na Ucrânia e a certeza de que as regiões ocidentais da Ucrânia não irão bloquear o sistema de transporte de gás ucraniano. Por outro lado, pode ser bom para a Europa experimentar as consequências econômicas de formar políticos russófobos em países da antiga União Soviética.
Os acontecimentos dos próximos dias vão mostrar em que resultará a Primavera Ucraniana: na transformação da Ucrânia numa reserva de russofobia e numa fortaleza da OTAN, na divisão do país, ou na transformação de Yanukovich num político duro que irá começar a construir no país uma forte vertical do poder, para sempre livre da influência oligárquica.
Voz da Rússia
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
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O que acontecerá depois da Primavera Ucraniana?
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