A menos de uma semana do início da conferência Genebra-2 sobre a Síria, o grupo de oposição moderada Coalizão Nacional Síria [orig. Syrian National Coalition (SNC)] ainda não decidiu se participará ou não. Os representantes curdos dissociaram-se; a oposição dentro da Síria exige representação separada; os grupos rebeldes que combatem dentro da Síria mostram-se desinteressados. É quadro desencorajador.
Entrementes, os dois principais promotores de Genebra-2 – Moscou e Washington – também endureceram suas posições. A reunião ‘trilateral’ (Rússia, Irã e Síria) de ministros de Relações Exteriores, na 5ª-feira em Moscou, carrega muito mais simbolismo político e será vista em Washington como show de desafio,[1] digam os envolvidos o que disserem. A página israelense DebkaFile, que tem laços com agências de segurança, já fala[2] de um plano máster iraniano.
Já se especula até sobre um ‘eixo’ russo-iraniano-sírio[3] (virada dramática, é claro, no roteiro). De fato, o importante é que o secretário de Estado dos EUA John Kerry apareceu com resposta rápida.
Em declaração dura, num briefing organizado às pressas no Departamento de Estado em Washington, John Kerry fez referência quase às claras ao “revisionismo recente” da Rússia sobre Genebra-2. Kerry disse que “o único objetivo” de Genebra-2 será implementar o comunicado de 2012 [EUA-Rússia]. Alertou contra “os que estão procurando re-escrever a história, ou agitar as águas” nesse momento:
“[Genebra-2] é para estabelecer um processo essencial à formação de um corpo governamental de transição – um corpo de governo com plenos poderes executivos estabelecido por consentimento mútuo (…) Qualquer nome para a liderança da transição na Síria deve ser apresentado conforme os termos de Genebra-1. E todas as reiterações disso sendo o coração e a alma de Genebra-2, os nomes devem ser aprovados pelos dois lados, pela oposição e pelo regime. É a própria definição de consentimento mútuo. Significa que qualquer figura considerada inaceitável por qualquer dos lados, seja o presidente Assad ou membro da oposição, não pode ser parte do futuro.”[4]
Kerry disse também que, embora a Síria tenha-se convertido no “mais forte ímã para o terror, de todos os locais, hoje” – para “jihadistas e extremistas” -, é “um desafio à lógica imaginar” que a luta contra isso possa jamais ser liderada por Assad. Kerry repetiu que “está além de qualquer lógica e de qualquer bom senso” que Assad possa de algum modo levar a Síria “rumo a um melhor futuro”.[5]
Tomando emprestada a conhecida expressão de T.S. Eliot para o mundo da estética, Kerry serviu-se de um “correlato objetivo”[6] para expressar forte emoção quanto aos recentes movimentos diplomáticos dos russos. Vários fatores contribuem para a irritação crescente em Washington.
Primeiro e sobretudo, há o problema do Irã. Dito de forma simples: exatamente quando é fator absolutamente crítico que não haja intervenção de terceiros na agenda de engajamento em conversações diretas entre o governo Obama e o Irã, que está entrando em fase crucial, a Rússia decide aparecer com alarido.
No instante em que ouviu que o ministro de Relações Exteriores do Irã Mohammad Javad Zarif estava viajando para Moscou, Kerry telefonou para seu contraparte russo Sergey Lavrov, para dissuadir a Rússia de concluir o negócio de troca de petróleo por produtos com o Irã,[7] que pode resultar em 50% de aumento nas exportações iranianas de petróleo e acrescentar $18 bilhões aos ganhos de Teerã com exportações, catapultando a Rússia para o posto de principal comprador do petróleo iraniano. Lavrov teria respondido “Nyet” [ru. "Não"].
Evidentemente, Washington sabe que a Rússia, czar do petróleo mundial, não precisa importar petróleo iraniano – nem as refinarias russas são preparadas para usar o petróleo iraniano, nem a Rússia tem portos de petróleo organizados para gerir importações. O governo Obama deve ter avaliado que a Rússia poderia embarcar o petróleo iraniano, re-rotulá-lo simplesmente como “russo”, e vendê-lo – digamos, para Índia ou China. (Menciono a Índia, porque a União Soviética certa vez forneceu petróleo iraquiano obtido numa troca entre Moscou e Bagdá, numa situação semelhante de tensões regionais.)
Em termos econômicos, a Rússia estaria garantindo uma linha salva-vidas essencial ao Irã, agindo como intermediário na exportação de seu petróleo, escapando às sanções ocidentais. E em termos políticos, Moscou estaria abrindo espaço diplomático muito maior para o Irã nas próximas negociações com os EUA. Washington está evidentemente abalada.[8]
Não há dúvidas de que o Kremlin movimenta-se no tabuleiro do Oriente Médio com firmeza de grão-mestre. O presidente Putin é esperado em visita a Teerã “em breve”.[9] As duas potências regionais caminham na direção de uma ampla re-estruturação de sua parceria estratégica.
Estão renegociando o controverso fornecimento, pelos russos, do sistema de mísseis S-300 de defesa (que é ponto ainda sensível dos laços bilaterais); a Rússia vê com bons olhos a construção de mais usinas nucleares no Irã; as empresas russas de petróleo buscam parceiros para explorar e desenvolver campos iranianos de petróleo e gás.
Bem evidentemente, a Rússia está posicionando-se em posição vantajosa no mercado iraniano, antes da chegada das empresas ocidentais (o jornal russo Kommersant oferece excelente apanhado[10] do conjunto de motivações que estão impulsionando a avançada diplomática de Moscou na direção de Teerã).
Outros fatores do relacionamento Rússia-EUA também estão entrando em cena. A Rússia está agora desafiando abertamente[11] a prerrogativa, que o governo Obama entende que seria dele, de convidar o Irã a participar de Genebra-2. Interessante: Putin mencionou o Afeganistão, dentre outras questões, na conversa que teve com Zarif, no Kremlin, ontem, como área na qual poderia haver coordenação e cooperação russo-iraniana.
Mas, por outro lado, Moscou agora terá de enfrentar o revide. O governo Obama fará de tudo para ser o desmancha prazeres nos próximos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, que o Kremlin prepara com atenção extrema. Além disso, a Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA reuniu-se em Washington na 4ª-feira, para discutir a Ucrânia; as críticas concentraram-se contra as aberturas do Kremlin[12] na direção do presidente Viktor Yanukovich.
A Ucrânia está no primeiro círculo dos interesses geoestratégicos russos; e, na avaliação de Washington, a absorção da Ucrânia na área da União Europeia (e da OTAN) é absolutamente imperativa, para empurrar a Rússia para posição de xeque-mate[13] na Eurásia. Ao que parece, os EUA estão arregimentando seus parceiros europeus para que façam oposição unida às políticas de Moscou na Ucrânia,[14] e expandindo a campanha de propaganda pró democracia e direitos humanos.[15]
Dinâmica Global
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
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Tensões entre EUA e Rússia fervem no Oriente Médio.
Tensões entre EUA e Rússia fervem no Oriente Médio.
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