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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A OTAN entra na América do Sul

Amparados em um estudo intitulado Shoulder to Shoulder: Forging a Strategic U.S.-EU Partnership (“Ombro a Ombro: Forjando uma Parceria Estratégica Estados Unidos-União Européia”), produzido por um casal de funcionários do governo americano – Daniel S. Hamilton (ex-Secretário-Assistente Adjunto para Assuntos da Aliança Atlântica dentro do Departamento de Estado) e Frances G. Burwell –, primeiro dirigentes da Secretaria da Defesa americana e depois autoridades da Organização do Atlântico Norte (Otan), tentaram arrancar do então ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, um indício que fosse de concordância acerca de uma certa “Iniciativa da Bacia do Atlântico”: o plano de riscar do mapa o conceito básico de divisão entre Atlântico Norte e Atlântico Sul.

A manobra permitiria expandir a influência do pacto militar ocidental pelo formidável corredor de massa líquida – 106,4 milhões de quilômetros quadrados – margeado pela costa oriental do continente americano e pelo litoral ocidental africano – acesso natural aos Oceanos Índico e Pacífico, e ainda à Antártida.

Não deu certo. Firmemente instruído, em Brasília, pelo Ministério das Relações Exteriores – guardião de uma política externa que privilegiava (e ainda privilegia) os contatos Sul-Sul –, Jobim mostrou-se inflexível em negar acolhimento à “Iniciativa da Bacia do Atlântico”.

A investida sobre o país-gigante da América do Sul foi um desdobramento da expansão da OTAN pós queda do Muro de Berlim, em 1989.

Depois que a União Soviética ruiu, a Aliança Atlântica moveu os seus tentáculos para os Balcãs, e acabou arrebanhando vários exércitos do Leste Europeu que foram seus inimigos no Pacto de Varsóvia e haviam acabado de ficar órfãos... Em 1º de abril de 2009, a entidade sediada em Bruxelas acolheu os governos da Albânia e da Croácia, fechando uma “família” de 28 nações-membros.

Dias atrás, até o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, defendeu o plano de agilizar a transformação da Palestina em um Estado independente – o que, segundo ele, poderia ser alcançado no prazo de cinco anos – à sombra da Otan. Por esse estratagema o território palestino seria desmilitarizado, repartido entre Gaza e Cisjordânia e patrulhado por tropas do pacto militar ocidental liderado pelos Estados Unidos e as principais potências militares européias (Inglaterra, França e Alemanha entre outras).

Outro governo que foi buscar a cooperação com a OTAN foi o de Bogotá.

Ano passado, o ministro da Defesa colombiano, Juan Pinzón, visitou o quartel-general da capital belga e ofereceu cooperação – gesto, a princípio, recebido com cautela. Militares e dirigentes civis europeus temem (não sem razão) que a aproximação com a Colômbia possa emprestar um aval à política anti-guerrilha das Forças Armadas do país sul-americano, acusadas, nas últimas décadas, de inúmeras violações dos direitos humanos.

Apenas o governo de Londres estendeu o tapete vermelho para Pinzón, mas por um motivo bem particular. Os britânicos deduzem que o estreitamento da parceria com os militares colombianos enfraquece a solidariedade da administração Juan Manuel Santos com a luta dos argentinos pela soberania das Ilhas Malvinas.

Diante de tais acenos, a Aliança Atlântica mudou de estratégia e decidiu penetrar na América do Sul pela costa do Pacífico.

Bogotá acaba de receber a visita do vice-ministro da Defesa do Reino Unido, Andrew Murrison – um antigo médico da Marinha Real que serviu na 1ª Guerra do Golfo e no Iraque –, encarregado dos assuntos da Estratégia de Segurança Internacional da Grã-Bretanha; e a Força Naval colombiana aproximou-se decisivamente da Marinha Real e da indústria naval britânica. O Chile – país sul-americano de melhor reputação no Velho Continente – também se move rápido na direção da União Européia.

A OTAN serve-se, para obter seus propósitos expansionistas, da independência e da agilidade do bloco comercial conhecido como Aliança do Pacífico, entidade que reúne Chile, Peru, Colômbia e México, está prestes a filiar mais nove países – Paraguai inclusive –, e mantém um relacionamento muito mais franco com a União Européia do que o protecionista, burocratizado, politizado e confuso Mercosul.

Em Buenos Aires, o notório estreitamento de laços de Chile e Colômbia com a União Européia e a Otan não é ignorado – e nem as possíveis conseqüências desse processo para o esforço diplomático que os argentinos fazem, objetivando rotular a presença militar britânica nas Falklands (denominação que o arquipélago das Malvinas tem no Reino Unido) como desestabilizadora da paz no Atlântico Sul.

Nos últimos três anos o governo Cristina Kirchner fez uma série de démarches no sentido de reforçar a ligação com Bogotá, culminando com uma visita de Estado da presidenta à capital colombiana, a 18 de julio do ano passado. Mas ampliar essa parceria não é tarefa fácil. E, o que é pior, sequer encontra justificativa no comércio bilateral.

Dilacerada por uma guerra civil que já dura meio século, a nação de Santos tem sido incapaz de exportar mercadorias industrializadas para o território argentino, de forma a compensar a importação de commodities argentinas. O resultado desse desequilíbrio é um saldo comercial favorável a Buenos Aires que, em 2012, superou a marca de 1,8 bilhão de dólares, e em 2013 não teria sido significativamente reduzido (os números do ano passado devem estar disponíveis a partir de março).

Em contraposição a isso, a Europa afigura-se um parceiro especialmente valioso para os militares colombianos – especialmente diante do fortalecimento das Forças Armadas venezuelanas, que vem incorporando tanques, aviões, radares e mísseis fabricados na Rússia e na China. A Marinha da Colômbia comprou dois submarinos de segunda mão na Alemanha, e agora deve anunciar a importação de equipamentos militares produzidos pelo grupo BAE Systems.

A indústria de material de Defesa britânica é também uma tradicional fornecedora das Forças Armadas do Chile (a ligação tem mais de cem anos), e os militares chilenos têm a expectativa de serem convidados a integrar, de forma mais intensa, as missões de Paz organizadas pelas Nações Unidas e pela própria União Européia.

Pelo Acordo Berlin Plus, de dezembro de 2002, a União Européia foi autorizada a utilizar tropas de países-membros da Otan – e exercer um “direito de preferência” – caso, na eventualidade de uma crise, o próprio comando da Aliança Atlântica não se interesse pelo engajamento formal da entidade.

Agora, até o governo do Chile vai se beneficiar das ações previstas no Berlin Plus.

No fim de janeiro deste ano, o embaixador chileno em Bruxelas, Carlos Appelgren, firmou com o secretário-geral executivo do Serviço de Ação Externa da União Europeia, Pierre Vimont, um convênio que prevê a presença de soldados chilenos entre as forças de intervenção formadas pelos europeus.

Falando à imprensa local, Appelgren enfatizou, inclusive, que a contribuição das Forças Armadas de seu país já existe, e citou como exemplo o destacamento sul-americano que serve na força internacional militar incumbida de ocupar a localidade de Althea, na Bosnia-Herzegovina, palco de sangrentos conflitos étnicos.

Por meio desse tipo de cooperação com as principais potências militares do Velho Mundo, os chilenos esperam ganhar familiaridade com equipamentos e táticas sofisticadas, além de uma experiência única – rara, para um país da América do Sul – em missões expedicionárias reais.

Os militares do Chile estão associados aos argentinos na Força de Paz Binacional Cruz del Sur, colocada à disposição das Nações Unidas em dezembro de 2011, mas esse contingente nunca foi requisitado. Em Santiago existe a desconfiança de que o desprezo pela Cruz del Sur tem a ver com a política de ostensiva hostilidade do governo argentino à presença militar britânica em proteção à população das Malvinas.

Defesa Net

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