Por José Mª Treviño – Almirante reformado
Na Península da Crimeia, a cidade de Sebastopol, com seu porto na margem do Mar Negro, é a base naval da Frota do Mar Negro russa desde que a imperatriz Catarina, a Grande, depois de conquistar esse território do Império Otomano, assim a distribuiu no século XVIII, há, agora, 230 anos. Da tradição naval desse porto vem o fato de que a tripulação do famoso encouraçado Potemkin se amotinou precisamente em Sebastopol, dando lugar ao começo da Revolução Russa em 1917. Mais recentemente um dos grandes navios anfíbios classe Mistral, vendidos pela França à Rússia, receberá o nome de Sebastopol. A tomada dessa estratégica base naval em 1942, durante a II Guerra Mundial, custou ao Exército alemão 170.000 baixas e um cerco de dez meses. Liberada pelo Exército soviético em 1944, Stálin procedeu ali a uma limpeza étnica, deportando seus primitivos povoadores tártaros para a Ásia Central, com os armênios, búlgaros e gregos que habitavam a Crimeia, mudando a sua denominação de República Socialista Soviética pela de Oblast (província) da Federação Russa.
A entrega da estratégica península da Crimeia (do tártaro Qirim) à Ucrânia ocorre por decisão do Soviete Supremo, em 19 de fevereiro de 1954, sendo primeiro secretário do Partido Comunista da União Soviética Nikita Kruschev, originário de Kalinovka, aldeia localizada na fronteira russo-ucraniana, e posterior governador da Ucrânia ––enviado por Stálin, em 1939 para continuar os expurgos, como líder do Partido Comunista, até a conquista de Kiev pelo Exército alemão, em 1941, e posteriormente para liberar a cidade, em 1943, com as tropas soviéticas, iniciando a reconstrução da devastada Ucrânia.
A frota do mar Negro
Essa cessão gratuita à Ucrânia de uma península que abrigava as instalações navais mais importantes da Rússia no Mar Negro deixou sua frota desprotegida com a queda do Muro de Berlim e a independência da Ucrânia, por isso foi necessário um acordo entre os presidentes Boris Yeltsin, da Rússia, e Leonidas Kravchuk, da Ucrânia, sobre a base naval de Sebastopol, acerto que incluiu a divisão da Frota Soviética do Mar Negro entre as duas nações, em junho de 1992, pelo acordo de Yalta. Em maio de 1997, em troca do reconhecimento das novas fronteiras, Moscou ficou com 80% da frota do Mar Negro e um acordo para conservar a base naval de Sebastopol por 20 anos, até 2017, além de outras 77 instalações que incluíam o farol de cabo Sarych. Posteriormente, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o deposto presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, assinaram em 21 de abril de 2010 um novo acordo pelo qual a base naval de Sebastopol continuaria em mãos russas por mais 25 anos, quer dizer, até 2042, em troca de a Ucrânia receber o equivalente a 40 bilhões de dólares por uma redução substancial, de 30%, no preço do gás russo nos próximos dez anos.
A divisão da Frota Soviética em duas, embora a Marinha russa tenha ficado com as unidades melhores e de maior deslocamento, resultou em um enfraquecimento de seu poder ofensivo, agravado pela terrível crise econômica sofrida pela Rússia em consequência do desaparecimento da URSS. Foram congelados praticamente todos os investimentos no âmbito da defesa e, portanto, na área naval, ficando os navios em construção nos estaleiros durante décadas, mal avançando, até chegar o século XXI com apenas meia dezena de vasos de superfície com um certo valor militar e apenas um submarino operacional da classe Kilo.
A recuperação econômica do Tesouro russo, graças aos preços dos recursos energéticos e sua exportação à Europa Ocidental, favoreceu a balança do bem-estar econômico russo e, com ela, os investimentos na indústria de defesa e, por tanto, na área naval, que tem atualmente seis submarinos em construção de terceira geração (Projeto 636.3) classe Varshavyanka ou Kilo III, na denominação da OTAN, dos quais três unidades, Novorossiysk, Rostov-sobre-o-Don e Stary Oskol, têm previsão de entrar em serviço ao longo deste ano. Submarinos que estarão dotados com o míssil de cruzeiro Kalibr, com um alcance de 1.200 a 1.500 km, equivalente ao míssil norte-americano Tomahawk, com capacidade de ataque a objetivos terrestres. A quarta unidade da série, o Krasnodar, receberá a quilha em maio e com um intervalo de um ano se seguirão a quinta e a sexta unidades, capazes de baixar a cotas superiores a 300 metros, com uma autonomia em imersão, sem recarregar as baterias, de 450 km, e uma velocidade máxima de 20 nós. Sua tripulação seria composta por apenas 52 homens para um deslocamento de 3.100 toneladas. Além dos mísseis, seu armamento compreende seis tubos lança-torpedos de 533m.
A essa modernização da força de submarinos se seguirá a dos vasos de superfície, encabeçada pelo navio de guerra Moskva (Moscou), dado que no pensamento naval russo está a recuperação da presença naval no Mediterrâneo, com unidades procedentes da frota do Báltico e do Mar Negro, assumindo assim o papel que desempenhava o desaparecido SOVMEDRON da era soviética, utilizando como base logística as instalações navais do porto sírio de Tartus.
A pergunta que procede é: para que Moscou necessita de uma potente frota enclausurada entre as margens do Mar Negro e 25.000 marinheiros em suas bases da Crimeia? E esta pergunta é lógica, pois as Marinhas de Guerra ribeirinhas da Ucrânia, Bulgária e Romênia são muito pequenas, a da Geórgia é inexistente e a mais poderosa, a turca, tem suas bases navais no Mar de Marmara e no Mediterrâneo. Portanto, a Rússia não deve esperar nenhuma ameaça marítima significativa de seus vizinhos do Mar Negro, considerado outrora como um mar soviético e hoje, um lago russo. A razão de ser de uma frota do Mar Negro mais potente, vem de uma futura possibilidade e uma permanente presença russa no Mare Nostrum. A recente crise da Síria acendeu todos os alarmes no Kremlin.
Os EUA aumentaram consideravelmente sua presença em muito pouco tempo diante das costas da Síria, graças aos reforços de sua Sexta Frota, ampliada com unidades navais localizadas no Índico e Golfo Pérsico, além dos navios de guerra britânicos, franceses, alemães etc, que em questão de horas se posicionaram diante da Base Naval de Tartus, dispostos a bloquear a Síria ou até realizar um atraque com Tomahawks contra as instalações militares de Bashar al Assad, se necessário.
A oportuna mediação de Putin, buscando uma saída diplomática com a entrega das armas químicas do Exército sírio, afastou o perigo de um ataque a seu aliado, mas ele se deu conta de sua fragilidade no mar diante da fortaleza naval da Aliança, o que levou Moscou a reconsiderar sua inferioridade no caso de uma crise no Mediterrâneo, algo que não está disposto a ver ocorrer novamente. E considerando que os reforços mais próximos viriam de Sebastopol, era urgente e necessário incrementar a qualidade e quantidade de suas unidades nessa Base Naval, já que em 24 horas os navios de guerra poderiam cruzar os Estreitos turcos, isso sim complementando os acordos da convenção de Montreux e com os submarinos navegando em superfície, para em outras 24 horas se encontrarem no Mediterrâneo prontos para se deslocarem para onde fizessem falta. O aumento de quatro destróieres norte-americanos, baseados no porto espanhol de Rota e dispersos no Mediterrâneo Oriental, dentro do conceito da defesa antimíssil, significou um pequeno desequilíbrio de forças para as unidades navais russas que navegam sob a bandeira tricolor da Federação Russa.
FONTE: El País
COLABOROU: Manoel Rodrigues de Amaral
Defesa Aérea & Naval
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