Várias dúvidas vêm à cabeça quando se observa o crescente interesse do Ocidente pela “liberdade” do povo ucraniano.
Entre as respostas que surgem para explicar este fenômeno, em último lugar se coloca, sem dúvida, o real interesse pela tal liberdade.
E entre os primeiros aparecem pelo menos duas. Uma delas, segundo as afirmações de Friedman e Kaplan – analistas da Agência de Inteligência dos Estados Unidos Stratfor (www.stratfor.com), baseia-se nos princípios geopolíticos dos EUA.
De maneira ao mesmo tempo bem convincente e cínica se fala sobre a principal estratégia dos EUA de “garantir a segurança do país a qualquer custo”, mesmo se para isso for necessário dividir, destruir ou mesmo acabar com o inimigo.
Em segundo lugar (apesar de que com toda a propriedade poderia fazer parte do primeiro) está a vital necessidade de aumentar ao máximo e a qualquer custo a quantidade de mercados capazes e interessados em absorver os seus produtos de exportação.
Para os Estados Unidos essas ações se tornam duplamente importantes, tendo em vista a recente decisão do seu governo de reindustrializar o país, trazendo para o seu próprio território as indústrias localizadas no exterior e consequentemente diminuir as importações. Por outro lado, o sucesso com a produção do gás de xisto leva a pensar na necessidade de uma procura urgente de clientes no exterior. Não é por acaso que durante a visita a Tallinn, a capital estoniana, o senador McCain falou claramente sobre a necessidade de novos mercados para a exportação de excessos de gás. Neste caso, junto com os países da Europa, a Ucrânia, com a sua população de 40 milhões, pode se tornar um cliente cativo. A Ucrânia talvez fosse uma presa fácil se não houvesse um problema: o país está em estado de pré-falência e precisa de ajuda imediata.
A Ucrânia, segundo os cálculos dos seus próprios dirigentes, precisa em curto prazo de 35 bilhões de dólares para iniciar a saída da situação atual. O Fundo Monetário Internacional está preparando um empréstimo de 12 a 14 bilhões de dólares, exigindo em troca maiores sacrifícios. Impossível imaginar que o já tão sofrido povo que convive com a desvalorização da moeda nacional acima de 60%, o aumento de preços e o caos administrativo será capaz de aguentar isso por muito tempo. Tanto que as primeiras manifestações na própria Kiev, na mesma praça da Liberdade, estão surgindo contra a nova política econômica dos atuais governantes.
E a ajuda ocidental? Isso, nas atuais circunstâncias, já é outra história. Não é segredo para ninguém que as economias dos Estados Unidos e dos países da zona do euro estão se complicando cada vez mais, ao ponto de que alguns analistas, como, por exemplo, Gerard Dumenil, consideram a situação cada vez mais crítica. Na opinião de Dumenil, a principal razão disso é a crescente dívida pública americana, que representa 101% em relação ao PIB do país, e a europeia (da zona do euro). Se a dívida dos Estados Unidos sobrevive por conta do resto do mundo, que continua comprando seus papéis do Tesouro, a europeia é inutilmente enfrentada com as tentativas de diminuir as despesas na área social, que não oferece muita alternativa por causa das convulsões sociais.
Nesta situação não será fácil aos governos dos países do Ocidente prestar apoio financeiro à Ucrânia. O governo da França, por exemplo, que junto com a Alemanha está assumindo os riscos financeiros da Ucrânia em relação ao pagamento do gás, será seguramente questionado pelos próprios contribuintes, que não estão satisfeitos com a situação econômica do país. Da mesma forma, os 300 mil trabalhadores alemães envolvidos na fabricação de produtos destinados à Rússia, e prestes a perder o emprego por conta das sanções contra o país-cliente, não ficarão nada satisfeitos com as decisões do seu governo.
Mas a Ucrânia continua pedindo apoio. O que se vê atualmente é basicamente “apoio moral”.
Como não lembrar neste caso o mesmo “apoio moral” (outro nunca ocorreu) e “a enorme simpatia” do Ocidente pelos primeiros fracos governos russos na época da Perestroika. Esse apoio, junto com as grandes vendas, muitas vezes de produtos estocados durante anos, foram enviados a preço salgado para Moscou e permitiram melhorar consideravelmente a situação econômica de vários países do Ocidente naquela época, mas quase acabaram com a indústria russa.
Este caminho foi percorrido por vários novos membros e candidatos a membros da União Europeia: a ex-Iugoslávia, a Romênia, a Bulgária e a Moldávia.
O desfecho dessa situação é bem conhecido. A dificuldade de obtenção de créditos leva os países do Ocidente a oferecer com juros altos os créditos destinados somente à compra de produtos dos seus próprios países. Sem capacidade financeira de absorver parte desses empréstimos, a conta salgada de custo dos produtos importados vai cair no colo da população. O próximo passo será a compra por preço de banana das melhores indústrias nacionais, o que transformará de vez o país em produtor agrícola e importador, no longo prazo. As perspectivas são pouco atraentes.
Situação muito parecida se observa hoje na Ucrânia, cujo povo – depois da frustrante experiência de vinte anos de “liberdade” e constantes promessas de “doce vida” depois da “europeização”, feitas por todos os quatro anteriores governos da Ucrânia – hoje é liderado pelas mesmas pessoas do passado, fantasiadas pelo Ocidente de governo “pró-democrático”.
Obviamente, com “toda a liberdade de informação” que domina a mídia de Kiev, não se trata de consultar os povos da Grécia, Portugal, Itália e vários outros sobre a brilhante situação da União Europeia.
Olhando desta maneira, torna-se ainda mais simples de entender a cegueira e surdez dos governos do Ocidente para os gritantes casos de xenofobia, ultranacionalismo e recentes ações do exército ucraniano contra o povo do seu próprio país.
Por que será?
A resposta parece bem simples. Precisam de novos clientes.
E continuam como sempre com muitas promessas, que não estão sendo concretizadas.
E por quê?
O mercado financeiro é sábio. De fato, não há almoços grátis.
Enquanto isso, a “inimiga” Rússia permitiu à Ucrânia uma economia de 35,4 bilhões de dólares somente na compra do gás.
Fonte: Voz da Rússia
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