A fuga desordenada do Exército iraquiano diante do avanço do grupo radical sunita Estado Islâmico no Iraque e na Síria (Isis) levou o país, ontem, a dar mais um passo perigoso rumo ao colapso do governo central, forçando a entrada de novas forças no conflito.
Extremistas armados avançaram pela província de Diyala, sem sinal das forças governamentais, e tomaram duas áreas a pouco menos de cem quilômetros da capital do Iraque, Bagdá. No rastro do vácuo deixado pela debandada das tropas iraquianas, forças do governo autônomo da região do Curdistão ocuparam a cidade de Kirkuk, importante centro petrolífero regional. E o temor de um colapso do governo xiita de Nuri al-Maliki levou o Irã, segundo relatos, a enviar tropas da Guarda Revolucionária ao Iraque para combater o Isis.
A ofensiva de milicianos vem redesenhando rapidamente o mapa do país na última semana. Extremistas ocuparam boa parte do Norte e do Centro do país, espalhando terror e provocando uma fuga em massa. Numa gravação, um dos líderes do Isis, Abu Mohammed al-Adnani, pediu que os insurgentes “seguissem para Bagdá”.
Ontem, relatos indicam combates a cerca de 90 quilômetros da capital, que permaneceu com as ruas desertas e pouco comércio aberto. Com o avanço, “algumas centenas” de funcionários americanos que trabalham com o governo iraquiano foram retirados da base aérea de Balad e levados para Bagdá, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA. No Nordeste, temendo um ataque contra Kirkuk, as forças curdas aproveitaram a situação para assumir o controle da cidade.
É a primeira vez que os peshmergas — as forças do Curdistão iraquiano — controlam totalmente a cidade multiétnica, a 240 quilômetros de Bagdá, onde uma polícia com integrantes árabes, curdos e turcomanos fica geralmente encarregada da segurança. Um dia antes, o próprio Maliki pedira ajuda dos curdos a fim impedir o avanço de rebeldes para a capital. A tomada de Kirkuk fortalece os curdos, que desde a queda do ditador Saddam Hussein, em 2003, reivindicavam a cidade para sua região autônoma.
A História nos presenteou com apenas um ou dois outros momentos nos quais pudemos reconquistar nosso território, e esta era uma oportunidade que não podíamos perder — disse o deputado curdo Shoresh Haji, do Parlamento iraquiano.
Apoio da Guarda Revolucionária do Irã
O próprio governador da província, Najmedin Omar Karim, confirmou que curdos haviam preenchido o vazio deixado pela retirada do Exército iraquiano de suas posições, nas fronteiras Sul e Oeste da cidade. — Vamos recuperar as zonas tomadas pelos combatentes do Isis — disse.
A ajuda veio também do vizinho Irã. Fontes de segurança de Teerã confirmaram o envio de membros da Guarda Revolucionária para apoiar o Exército na retomada de cidades perdidas para o grupo jihadista no dia anterior.
A informação veio horas depois de o presidente iraniano, Hassan Rouhani, alertar num discurso transmitido pela televisão que o país iria combater a “violência e terrorismo” de extremistas sunitas. Os iranianos estariam ainda ajudando a proteger a capital, Bagdá, e as cidades xiitas de Najaf e Karbala, que têm sido atacadas pelo Isis. Tropas do Irã também foram posicionadas ao longo da fronteira com o Iraque.
No discurso, Rouhani não entrou em detalhes sobre como o Irã — de maioria xiita, assim como o governo iraquiano — ajudaria o país vizinho. — Os rebeldes se consideram muçulmanos e chamam sua luta de guerra santa.
De nossa parte, o governo lutará contra a violência, o extremismo e o terrorismo na região e no mundo. De acordo com fontes em ambos os países, dois batalhões das Forças Quds, uma tropa de elite da Guarda Revolucionária, foram em auxílio ao governo do primeiro-ministro iraquiano. Com a ajuda, o Exército local teria retomado o controle de 85% de Tikrit, cidade natal de Saddam Hussein.
Parlamento não vota Estado de Emergência
Enquanto isso, durante duas horas o Conselho de Segurança da ONU realizava a portas fechadas uma reunião para tratar a ofensiva. Ao fim do encontro, as Nações Unidas manifestaram seu apoio unânime ao governo, condenando os atos terroristas. No entanto, nenhum apoio prático foi proposto. As dificuldades do governo iraquiano não se resumem apenas ao campo militar.
Ontem, o Parlamento não pôde realizar uma sessão extraordinária por falta de quórum, num sinal de que Maliki não consegue mobilizar apoio internamente. A pedido do premier, os parlamentares deveriam se reunir para examinar a possível instauração de um estado de emergência, que daria poderes extraordinários ao governo para combater a insurgência.
O fracasso soma-se a outro que há dois meses persegue o premier: desde abril, Maliki busca suporte no Parlamento para montar uma coalizão, no rastro de resultados inconclusivos das eleições, mas é frequentemente acusado de governar de forma autoritária e enfrenta objeções de vários grupos. A fragmentação do governo, dizem analistas, foi um dos fatores que abriram as portas para o rápido avanço dos extremistas islâmicos.
FONTE: O GLOBO/Defesa Aérea & Naval
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