Barack "excepcional" Obama discursando para cadetes de West Point em 28/5/2014
“Acredito com cada fibra do meu ser no excepcionalismo dos EUA” [1]. Pois foi isso. Saído diretamente da boca do leão, quer dizer, do presidente Barack Obama dos EUA.
O resto são detalhes: detalhes mortíferos, como os EUA ainda plantados “no núcleo” da visão de mundo excepcionalista; o Pentágono a reservar só para ele o “poder de lançar ataques unilaterais sempre que interesses dos EUA sejam diretamente ameaçados”; oito ou nove guerras bem longe de casa já arquitetadas para o futuro imediato e sem final à vista; e a mais espantosa das ideias, ali claramente admitida: o “fulcro” da política exterior dos EUA de agora em diante será limitar/controlar [orig. curb] a “agressão” russa e chinesa!
Quer dizer que correr atrás dos restos da Al-Qaeda, como se podia prever e previu-se, sempre foi brincadeira preparatória de jardim-de-infância; agora é negócio de gente grande, o dragão e o urso.
Quer dizer, mesmo, é que Obama continua a ser refém incapaz e impotente da lógica da “guerra ao terror” do governo de Dick Cheney, sempre a enfatizar a “capacidade dos terroristas para causar dano”. Mas agora o modus operandi foi suavizado: podem chamar de doutrina do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério [2] – Sem alarde”.
A doutrina do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde” será aplicada ao renovado “apoio” para a “moderada” oposição síria, que continuará a arrastar para o fundo do poço a Jordânia, o Líbano, a Turquia e o Iraque. Leslie Gelb, ex-presidente do ultra-pró-establishment Conselho de Relações Exteriores, sugere que o governo Obama pode ter finalmente compreendido que a verdadeira luta é contra os jihadis do tipo Frente al-Nusra e Estado Islâmico do Iraque e Levante [orig. Islamic State of Iraq and the Levant (ISIL)], não contra Bashar Assad. Mas... ainda não está provado que o governo Obama tenha compreendido coisa alguma.
Enquanto isso, a doutrina do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde” já está em ação nesse instante, em Donetsk, com os mudadores de regime em Kiev – totalmente apoiados por Washington – negando, à moda do Pentágono, que haja sequer um civil morto na operação “antiterroristas” em andamento. Civis de Donetsk são os novos alvos em voga, substituindo os noivos e convidados de casamentos pashtuns em áreas tribais paquistanesas.
É a doutrina do “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde”
Obama quer que o Congresso aprove um novo “Fundo de Parcerias Contra-Terrorismo” de $5 bilhões, cuja tradução é “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde”, com chuva de dinheiro dos contribuintes, aplicada ao Iêmen, Somália, Líbia, Mali e às mais variadas latitudes não especificadas a serem saqueadas e destruídas pelo Comando [dos EUA] na África, AFRICOM.
Vladimir Putin, Rússia ; Nursultan Nazarbayev, Casaquistão; Alexander Lukashenko, Bielorússia reunidos em Astana para o Supremo Conselho Econômico Eurasiano em Astana
Obama quer “mobilizar aliados e parceiros para empreenderem ação coletiva”, tipo ressurreição da era da “coalizão de vontades” que foi marca registrada do regime de Dick Cheney. Ferramentas de ação “ampliadas” podem – e a palavra de trabalho é “podem” – incluir diplomacia e desenvolvimento. Mas se trata, sim, de fato, só de “sanções e isolamento”, como se aplicaram ao Irã, à Síria e, agora, à Rússia.
Haverá também “apelos à lei internacional; e, se justa, necessária e efetiva, ação militar multilateral”. Tradução: a “lei internacional” será descaradamente atropelada e os EUA zombarão dela, como em casos do besteirol sobre “responsabilidade de proteger” [orig. “responsibility to protect” (R2P)]; e quando tudo falhar, uma boa velha e “justa” guerra à moda da tal “coalizão de vontades” volta à pauta.
Todo o planeta deve engolir tudo isso sem estrilar, porque, afinal, o governo Obama será “transparente sobre as bases de nossas ações e o modo como as executaremos, sejam ataques com drones ou treinamento de parceiros”.
Claro: que ninguém jamais esqueça que “os EUA devem liderar pelo exemplo” e não dão sequer a mínima bola a coisa alguma que não seja “levar a paz e a prosperidade à volta do globo”. Quer dizer: calem o bico, todo mundo aí, nada de perguntas sobre a imundície secreta da guerra de drones da CIA no Paquistão, ou sobre “danos colaterais” em Donetsk.
Pânico em Bilderberg
Imediatamente depois de Obama anunciar seu novo pivoteamento comandado pelo Pentágono em torno dos próprios calcanhares, os Mestres do Universo reúnem-se em conclave anual e sempre secretíssima conferência de Bilderberg no Marriott em Copenhagen. Bilderberg é puro excepcionalismo atlanticista em ação. Sempre uma gozosa experimentação em matéria de preliminares, por ali.
E a lista de convidados de Bilderberg, só ela, já é delícias sós – de Breedlove, Lagarde e Rasmussen-Fog-da-Guerra-da-OTAN, a Petraeus, Kissinger e Zoellick, o livro inteiro do “Quem é Quem” da banqueiragem ocidental, os suspeitos de sempre, no campo “jornalístico”, de The Economist a Financial Times, Eric Schmidt da Google, O Princípe das Trevas, Richard Perle, e também – o que é fascinante! – pela primeira vez, um alto funcionário do governo chinês.
Liu He
O homem é Liu He – vice-diretor da Comissão de Desenvolvimento Nacional e Reforma e a verdadeira eminência parda por trás da complexa rede pequinesa de comissões e políticos encarregados de implementar ampla, ambiciosa, reforma econômica. Liu He terá sido convidado para Bilderberg como operação de sedução? Ou Pequim conseguiu infiltrar Liu He, graças a seus vastos, vastíssimos, contatos atlanticistas?
Seja como for, fato é que os “Mestres do Universo” estão em pânico. Há dois principais temas interconectados a discutir em Copenhagen, e nos dois a figura central é o presidente Vladimir Putin: o confronto entre Rússia e OTAN na Ucrânia; e a avançada dos BRICS para construir uma nova ordem mundial multipolar.
Bilderberg acontece imediatamente depois do Fórum de São Petersburgo, que consolidou a aliança Rússia-China; e exatamente quando a União Econômica Eurasiana acaba de ser lançada oficialmente em Astana. A marcha inevitável rumo a um sistema multipolar faz avançar o progressivo ultrapassamento do dólar norte-americano e, consequentemente, enfraquece o eixo OTAN/atlanticistas. A lista de convidados para Bilderberg é negócio, eminentemente, da OTAN.
O homem é Liu He – vice-diretor da Comissão de Desenvolvimento Nacional e Reforma e a verdadeira eminência parda por trás da complexa rede pequinesa de comissões e políticos encarregados de implementar ampla, ambiciosa, reforma econômica. Liu He terá sido convidado para Bilderberg como operação de sedução? Ou Pequim conseguiu infiltrar Liu He, graças a seus vastos, vastíssimos, contatos atlanticistas?
Seja como for, fato é que os “Mestres do Universo” estão em pânico. Há dois principais temas interconectados a discutir em Copenhagen, e nos dois a figura central é o presidente Vladimir Putin: o confronto entre Rússia e OTAN na Ucrânia; e a avançada dos BRICS para construir uma nova ordem mundial multipolar.
Bilderberg acontece imediatamente depois do Fórum de São Petersburgo, que consolidou a aliança Rússia-China; e exatamente quando a União Econômica Eurasiana acaba de ser lançada oficialmente em Astana. A marcha inevitável rumo a um sistema multipolar faz avançar o progressivo ultrapassamento do dólar norte-americano e, consequentemente, enfraquece o eixo OTAN/atlanticistas. A lista de convidados para Bilderberg é negócio, eminentemente, da OTAN.
Marriott Hotel em Copenhague - local da Conferência de Bilderberg
E há também a revolta das massas contra a União Europeia cristalizada nas eleições do domingo passado para o Parlamento Europeu. Com muitas nuances de cinza, é revolta anti-excepcionalismos. Ameaça diretamente uma nova frente de ataque à moda Bilderberg: os cidadãos europeus opõem-se ampla e declaradamente à Parceria Trans-Atlântica de Comércio e Investimentos [orig. Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] negociada sempre secretamente.
Não é acaso que o principal negociador dos EUA das duas parcerias, na TTIP e na Parceria Trans-Pacífico (orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] – cerebradas para “isolar” a China na Ásia – seja Michael Froman, representante comercial de Obama, típico excepcionalista de Wall Street.
Entrementes, em Xangrilá...
Ah! Há também o Diálogo Shangri-La, em Cingapura, que descrevi ano passado como os Spielbergs & Clooneys do universo militar, todos numa única sala de Guerra nas Estrelas (de fato, é o salão de baile do Shangri-La Hotel). É excepcionalismo marinado em temperos asiáticos.
E mais uma vez, a China atrai todas as atenções, mandando para lá a formidável Fu Ying, (vídeo, em inglês, no fim do parágrafo) também conhecida como “A Dama de Ferro”, atualmente presidente da Comissão de Relações Exteriores do Congresso Nacional do Povo Chinês. É negociadora duríssima, do tipo que não carrega prisioneiros. Será fascinante vê-la em ação, em luta contra, cara a cara, o convidado de honra desse ano em Xangrilá, o primeiro-ministro japonês, militarista e protégé dos EUA, Shinzo Abe.
Tradução: seja em Copenhagen seja em Cingapura, Pequim ganhou assento às mais privilegiadas mesas da ordem unipolar excepcionalista. Autoconfiante, a China simplesmente não se interessa por degustar o banquete dessa festa feia: quer estragar aquele banquete, pouco a pouco, de dentro para fora. A massa excepcionalista é suficientemente esperta para já ter visto que a crescente aliança Rússia-China e a avançada no rumo de uma ordem alternativa estão lentamente fazendo derreter seu sonho de bravo antiquado (excepcionalista) mundo.
Não surpreende que estejam com muito muito medo.
Redecastorphoto
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