Angela Merkel e Barack Obama, 4/7/2014 (G7) |
Dia 10/7/2014, o governo alemão exigiu a imediata saída do país do chefe da missão da CIA-EUA em Berlim. Não é exigência absolutamente inusual, mesmo entre aliados ostensivos. Inusual é que a expulsão tenha sido anunciada publicamente com barulho máximo. O que explicará o que para alguns já é “um distanciamento sem precedentes” nas relações entre EUA e a República Federal Alemã Federal, sempre muito próximas desde 1945?
Em apenas um dia o assunto apareceu em dois espaços importantes: num editorial do Los Angeles Times e em reportagem da revista alemã Der Spiegel. Os dois artigos são pessimistas quanto à possibilidade de o tal distanciamento poder ser “reparado” rapidamente, se é que será possível alguma reparação.
O editorial do Los Angeles Times, escrito por Jacob Heilbrun, leva o título de“A ruptura germano-estadounidense”. A palavra “ruptura” é inequívoca. Ou quase. Depois de fazer um panorama de vários comentários alemães, Heilbrun finaliza com uma nota de alerta:
Se Obama não conseguir controlar a espionagem contra aAlemanha, logo descobrirá que seus espiões estão ajudando a converter um aliado em adversário. Obama, se disser auf wiedersehen [adeus] a aliado de tantos anos, estará aplicando tal golpe contra a segurança nacional, que quantidade alguma de informação secreta conseguirá jamais justificar.
Angela Merkel... |
Se Heilbrun já parece ter bem pouca esperança de que seu ponto de vista seja levado em consideração em Washington, ainda pior é o que se lê namatéria de fundo de Der Spiegel da mesma data. É texto longo e leva o título de “Quem a Alemanha escolherá: EUA ou Rússia?” Um dos subtítulos da matéria é “A gota que fez transbordar o copo” (ing. The Last Straw). A opinião citada não é de alguém da “esquerda” ou que tivesse trabalhado a favor de relações mais próximas com a Rússia. A fonte é, bem diferente disso, um típico promotor da economia de livre mercado, conservador e pilar de sustentação das relações com os EUA, presidente de uma organização chamada “Ponte Atlântica”. Em tom de desespero, diz:
Se for verdade o que se ouve sobre espionagem, tem de parar imediatamente.
A fonte é bem clara: não fala de iniciar discussões e negociações para “reduzir” a espionagem. Fala de “parar” e de “parar imediatamente”.
Há ainda alguns detalhes que têm de interessantes o que têm de incômodos para os EUA: o embaixador dos EUA na Alemanha não fala alemão. O embaixador russo, por sua vez, é falante tão competente do alemão, que praticamente não se percebe o sotaque. A entrada do gabinete do embaixador dos EUA é cercada de mais segurança do que a se vê no Salão Oval da Casa Branca. A entrada da embaixada russa é tão fácil e desimpedida que até surpreende.
O distanciamento em que se veem hoje EUA e Alemanha será mesmo sem precedente, repetitivo e imprevisível? Por hora, todos os jornais importantes e menores na Alemanha, EUA, França, Grã-Bretanha e outros países estão publicando comentários, analisando causas e tentando prever desdobramentos. De modo geral, todos os comentaristas procuram alguém a quem atribuir responsabilidades. Os suspeitos de sempre são a Agência de Segurança Nacional dos EUA e o presidente Obama. Mas será só isso, ou serão só esses os culpados?
Em outras palavras: as coisas poderiam ser diferentes? Poderiam, com certeza, nos detalhes. O governo dos EUA agiu de modo torpe, estúpido, sem dúvida. Mas o problema é estrutural. Não se trata só de erros conjunturais ou da estupidez de que esteja no poder nos EUA.
Vladimir Putin explica... |
O problema básico é que os EUA estão, já há algum tempo, em rota de decadência geopolítica. A coisa não agrada aos EUA. De fato, os EUA não “aceitam” essa realidade, não sabem como lidar com ela e tendem sempre a minimizar o que os EUA estão perdendo. Assim, tentam restaurar o que já é irrestaurável: a “liderança” norte-americana (leia-se: a hegemonia) dos EUA no sistema−mundo. E isso faz dos EUA ator muito perigoso. Não é pequeno o número de agentes políticos nos EUA que têm clamado por alguma espécie de “ação” decisiva – seja lá o que isso signifique. E as eleições nos EUA podem depender, em grande parte, de como os atores políticos norte-americanos jogam esse jogo.
Contra isso, precisamente, é que líderes europeus em geral começam a tomar suas próprias providências preventivas. Agora, chegou a vez da chanceler Angela Merkel. Os EUA converteram-se em sócio muito pouco confiável. Por isso, mesmo os que, na Alemanha e em outros países da Europa vivam ainda a nostalgia do ninho quente do “mundo livre” começam a aproximar-se dos menos nostálgicos e cuidam de encontrar meios para sobreviver geopoliticamente sem os Estados Unidos. ISSO, precisamente, os está empurrando para a alternativa lógica: um teto europeu que inclua a Rússia.
E conforme alemães e europeus em general movem-se inexoravelmente nessa direção, os seus problemas mudam. Se não não podem confiar nos EUA, poderão realmente confiar na Rússia? E o mais importante: poderão chegar a algum acordo com os russos que os russos considerem importante e necessário cumprir?
Podem apostar: ISSO é o que se discute nos círculos internos do governo alemão, hoje.
Absolutamente ninguém está discutindo como reparar a brecha irreparável na confiança que afastou os alemães dos EUA.
Redecastorphoto
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