As razões e as consequências do golpe de estado na Ucrânia - Noticia Final

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quarta-feira, 2 de julho de 2014

As razões e as consequências do golpe de estado na Ucrânia

Por Ricardo Alemão Abreu,

O atual conflito na Ucrânia somente pode ser compreendido a partir de uma visão global dos conflitos geopolíticos e econômicos, pois não é um fenômeno estritamente nacional.

Com o prolongamento da atual crise do capitalismo, aumentam a polarização e a radicalização política, particularmente na Europa e nos EUA, onde em vários países ressurgem e crescem as forças de ultra-direita, neofascistas, anti-comunistas, racistas, xenófobas e obscurantistas. Esses são os casos, entre outros, da França, da Áustria, da Holanda, da Grécia, e também da Ucrânia e dos países do Mar Báltico como Lituânia, Letônia e Estônia, países que fizeram parte da União Soviética.

Em termos geopolíticos, econômicos e militares, acelera-se a transição em curso nas relações de poder no mundo. Os Estados Unidos e a União Europeia ampliam a ofensiva econômica e militar para tentar reverter a tendência ao declínio relativo de sua hegemonia. Em uma escalada de conflitos e guerras, adensa-se a disputa entre os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), por um lado, e a China, a Rússia, os demais BRICS e países em desenvolvimento, com destaque para a América Latina, por outro.

Para Luiz Alberto Moniz Bandeira, há uma “nova guerra fria” em curso, e a “Síria converteu-se Major Theater War [maior teatro de guerra] (MTW) da segunda guerra fria, evidenciando mais nitidamente a confrontação de dois blocos, conformados, de um lado, por Estados Unidos, União Europeia, petromonarquias do Golfo Pérsico, Turquia e Israel, e, do outro, por Rússia, China e Irã, não obstante a diversidade e as contradições de interesses” (1).

Há um novo papel da Rússia, que recupera parte da autonomia nacional e regional que tinha no período da União Soviética, e isto ficou muito evidente na resistência à agressão imperialista contra a Síria. Moniz Bandeira diz que “os Estados Unidos jamais se conformaram com a presença soviética e a continuação da Rússia no Mediterrâneo”, por isso “o objetivo dos EUA sempre foi a derrubada do regime de Bashar al-Asssad, de modo a eliminar a presença da Rússia no Mediterrâneo, fechando suas bases navais – Tartus e Latakia – instaladas na Síria”, ademais de conter a China e o Irã no Oriente Médio e no Magreb, no norte da África.

Por isso, para Moniz Bandeira, “a guerra na Síria, desde o início, configurou uma batalha pelo controle do Mediterrâneo, região de vital importância geopolítica e estratégica dentro do contexto de um conflito global, não declarado” (2). A região sul da Ucrânia, particularmente a Crimeia, dá a Moscou o acesso ao Mar Mediterrâneo através da base militar de Sebastopol, no Mar Negro.

O conflito na Síria, seguido pelas disputas político-militares na Ucrânia, marcam uma nova etapa, no qual os Estados Unidos, a União Europeia e a Otan podem muito, mas não podem tudo. De 1989, ano da “queda do Muro de Berlim”, a 2013-14 foram quase 25 anos de supremacia completa do chamado Ocidente. Agora essa situação está se alterando.

Recentemente a Rússia fez a proposta de uma união alfandegária regional, a União Econômica Eurasiana, que abrange a Ucrânia, país importante com mais de 45 milhões de habitantes e que é berço cultural e histórico da nação russa. De outra parte, ocorrem os planos de expansão da União Europeia e da Otan, sendo que esta última já incorporou 12 novos países membros no Leste Europeu.

A reedição da “revolução laranja” na Ucrânia

Como (re)começaram os conflitos na Ucrânia? As manifestações da direita na Ucrânia (re)começaram em 21 de novembro em 2013, quando o governo eleito anunciou que não iria aderir à União Europeia. A esta altura, por exemplo, o Partido Comunista da Ucrânia, com 32 parlamentares em um total de 442, já havia se reunido com o presidente Viktor Yanukovich e proposto uma série de medidas, sendo uma das principais uma consulta popular ao povo da Ucrânia sobre a adesão à União Eurasiana ou à União Europeia.

Mesmo com a insensibilidade para as demandas populares e a corrupção, e dirigido por uma oligarquia formada através das privatizações das estatais do período soviético, o governo da Ucrânia era um governo democraticamente eleito, com relações normais com as potências imperialistas ocidentais e boas relações com a Federação Russa.

Retomando a cartilha de “mudança de regime” da CIA, já aplicada anteriormente na Ucrânia com a chamada “revolução laranja” em 2005, desencadeou-se uma campanha dos Estados Unidos, da União Europeia e da mídia monopolista internacional, em aliança com a direita e com a extrema-direita neofascista ucraniana. Manifestantes, comandados pelas forças de direita e neofascistas, enquanto eram apresentados pela mídia monopolista como lutadores pela “liberdade e a democracia”, e vandalizavam prédios públicos e as sedes do Partido Comunista, agrediam e matavam civis, policiais e militares.

Na Ucrânia a partir do final de 2013 foram usadas novamente as chamadas “estratégias de mudança de regime” – em outras palavras uma cartilha de como realizar um golpe de estado –, nas quais a CIA tem larga experiência.

Durante as movimentações para o golpe de estado e até esse momento vem sendo atacados símbolos da ex-URSS, como estátuas de Lenin, e da resistência ao nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, em uma furiosa campanha anti-comunista, com múltiplas agressões e perseguições aos militantes e às sedes do PC da Ucrânia. Atualmente a principal sede do PC em Kiev está ocupada e foi transformada em “escritório” de grupos neofascistas.

Segundo o embaixador brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães, as ações de “mudança de regime” começam “com a formação de forças especiais para intervenção encoberta, com o treinamento de agentes provocadores infiltrados que organizam manifestações pacíficas, com base nas instruções do manual do professor Gene Sharp Da Ditadura à Democracia, que foi traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas fundações e ONGs, que levam à reação dos governos, que são acusados de excessos na repressão dessas manifestações e de violação dos direitos humanos de sua população, o que passa a justificar a rebelião armada, financiada e equipada do exterior e, eventualmente, a intervenção humanitária” (3). Esse é roteiro dos chamados golpes de estado “suaves”.

Golpe de estado na Ucrânia foi apoiado e articulado pelos EUA

Em meio ao conflito na parte oeste da Ucrânia, principalmente na capital Kiev, ocorre uma divisão na base parlamentar e inclusive no partido do governo, o Partido das Regiões, e o presidente constitucional Viktor Yanikovich é forçado a um acordo, negociado na presença de chanceleres da Rússia e da União Europeia, esta mais interessada em manter o fornecimento de gás natural russo, do qual depende.

O acordo feito em 21 de fevereiro previa a convocação de eleições, e uma transição política de governo antecipada. Mesmo assim, a diplomacia estadunidense, representada pela ultra-conservadora Victoria Nuland, orientou unilateralmente a continuidade das ações das forças de ultra-direita e da CIA, que deflagraram um golpe de estado do no dia seguinte, dia 22 de fevereiro. Uma gravação telefônica de Nuland ao embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia ficou famosa pela expressão “Foda-se a União Europeia!”.

Durante as primeiras horas do golpe, os grupos neofascistas apoiaram alguns parlamentares que montaram uma farsa, rasgaram o acordo assinado pelo presidente constitucional, e nomearam um governo provisório nacional e outros para todas as províncias, inclusive as do leste e do sul do país. Depois ainda impuseram o retorno da Constituição anterior, e numa ação nacionalista de direita, revogaram o russo como idioma oficial.

A posição da Rússia foi de denúncia do golpe da direita no país vizinho e de não reconhecimento do “governo interino”, classificado como ilegal e ilegítimo. A China apoiou discretamente a Rússia, e tem mantido essa posição, apesar de forte pressão dos Estados Unidos.

A consequência do golpe de direita na Ucrânia é a provável divisão do país, que já ocorreu no caso da Crimeia. Assim como outras regiões do leste e do sul da Ucrânia, a Crimeia é região de grande presença étnica russa. Até 1954 a Crimeia fazia parte da Federação Russa. Além disso, é impensável para a Rússia perder as suas bases militares navais na Crimeia, pelo que expusemos acima.

O governo constitucional e o parlamento da Crimeia aprovaram e realizaram um referendo sobre união com a Federação Russa, independência ou maior autonomia dentro da Ucrânia, dia 16 de março. A população que votou aprovou com 98% a adesão da Crimeia à Federação Russa. Outras regiões da Ucrânia levantaram a bandeira do referendo para unir-se à Federação Russa, e constituíram repúblicas populares, como Donetsk, Lugansk e a Carcóvia.

A resistência popular ao golpe de estado no sul e no leste da Ucrânia

Surpresos com a resistência popular no leste e sul da Ucrânia, apoiada pela Rússia, agora os Estados Unidos e a União Europeia exigiram respeito ao novo governo, “legítimo”, dizem, e criticaram as tentativas de desestabilização (que hipocrisia!) e o não reconhecimento dos golpistas; sancionaram a Rússia com retaliações econômicas e políticas; expulsaram a Rússia do G-7; e mobilizaram tropas da Otan em defesa da “soberania e da integridade territorial” da Ucrânia (sic). Alguns analistas “ocidentais” dizem que situação é a mais grave na Europa desde a guerra que dividiu a Iugoslávia, há 15 anos.

Além da adesão da Crimeia à Rússia, os movimentos populares que resistem nas regiões de maioria etnicamente russa, defendem a adesão à Rússia ou um novo pacto federativo, com mais autonomia para essas províncias, e a garantia do não alinhamento da Ucrânia em relação à União Europeia e à Otan, no que contam com o pleno apoio da Rússia.

O governo golpista da Ucrânia disse que não aceitará ceder território, e anuncia a intenção de aderir à União Europeia e de fazer parcerias com a Otan, o que agrava o conflito. A partir do início de abril iniciou-se uma fase mais perigosa, com uma visita de John Brennan, diretor da CIA, a Kiev, na qual ele se reuniu com os golpistas e suas forças de segurança e deflagrou operações especiais, envolvendo as forças armadas ucranianas, contra os manifestantes partidários da autonomia ou da integração à Federação Russa.

Foi muito revelador o discurso de Vitali Churkin, Embaixador da Federação Russa no Conselho de Segurança da ONU, no dia 14 de abril. Disse ele ao seu colega golpista ucraniano, que queria processar a Rússia por terrorismo: “Por que nunca pensaram em processar os que aterrorizaram o seu próprio governo [da Ucrânia] durante vários meses, até o dia 21 de fevereiro? Quem fez guerra contra a Polícia, quem queimou vivos oficiais de Polícia da Ucrânia, quem matou a tiros, policiais e pessoas que protestavam contra o governo e que parecem ser aliados do hoje governo de Kiev? O senhor jamais antes os chamou de terroristas e, isso, por alguma razão. E até os eximiu de qualquer responsabilidade por suas ações criminosas, que se repetiram por vários meses.(…) Agora os EUA aprovarão aquela ordem criminosa, para usar o exército contra civis? Por que, quando o povo estava indo assaltar a residência do presidente ucraniano os EUA pediram que não usassem a força e, agora, na situação atual, mudam completamente de posição, adotam o ponto de vista oposto e apoiam a ordem de Turchinov [atual “presidente” da Ucrânia]?”

Uma “segunda guerra fria” ameaça a paz mundial

O atual período pode ser caracterizado como pós-guerra fria ou como período entre guerras-frias? Pode estar se configurando não uma segunda etapa da mesma Guerra Fria – que acabou com o fim da URSS, ou até mesmo antes, em meados dos anos 80 – mas uma nova e diferente Guerra Fria, uma segunda Guerra Fria, como diz Luis Alberto Moniz Bandeira, mais geoestratégica e geoeconômica que ideológica. Esse é um tema crucial que merece reflexão e a realidade mundial falará mais alto, ao final.

Como diz o pensador marxista Domenico Losurdo, a questão central na atualidade é a luta entre o neocolonialismo, um punhado de países imperialistas organizados militarmente na Otan, de um lado, e os povos e nações que resistem, o campo anti-imperialista e da luta anti-neocolonial, a ampla frente contra as guerras e as intervenções políticas imperialistas, de outro .

O ano de 2014, simbolicamente é marcado pelos 100 anos da Primeira Guerra Mundial, os 75 anos do início da Segunda Guerra Mundial. O desfecho do conflito na Ucrânia, assim como o da Síria, será importante para definir o que virá pela frente neste século 21. Estão atuais as bandeiras da paz, da luta contra o (neo)fascismo, da luta pela auto-determinação e pelo desenvolvimento, pela soberania e a independência nacional. Está atual a bandeira da transição ao socialismo, para sepultar a era do capitalismo-imperialismo e de suas guerras.

Oriente Mídia

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