Declaração, alerta e esclarecimento importante
Começo por uma declaração, que peço que todos leiam com atenção e mantenham em mente: eu, pessoalmente, não defendo nenhuma posição relacionada ao status final da Novorússia. Cabe ao povo da Novorússia decidir e qualquer opção que eles definam, eu apoiarei. Além disso, nessa altura dos acontecimentos, não estou certo, nem pessoalmente, sobre que opção eu recomendaria, se tivesse de recomendar alguma coisa, simplesmente porque o diabo mora nos detalhes, não nas grandes palavras. O que me proponho a fazer aqui é examinar algumas questões relacionadas a essa questão, mas a análise não deve ser interpretada como endosso meu, pessoal, a qualquer solução.
Segundo, examinei cuidadosamente as notícias vindas de Minsk, Novorússia e Rússia e fiquei com a forte impressão de que nada foi realmente decidido, o que explica os ziguezagues e interpretações mutáveis sobre os termos do que a delegação novorussa apresentou.
Terceiro, todos devem manter o máximo cuidado com todas as fontes russas de notícias, incluindo canais russos de TV e RT-Russia Today. Por quê? Porque as apostas são altas demais nessa luta e tenho absoluta certeza de que as elites russas estão divididas sobre qual a melhor solução para a Rússia. Há também grupos informais, digamos “grupos de opinião assemelhada” dentro da imprensa-empresa russa que estão tentando promover, só, o interesse dos respectivos patrões e anunciantes. E, embora seja supersimplificar dizer que, por exemplo, o canal NTV tem posição “A” e RT tem posição “B”, sei com certeza que dentro deRT, NTV, Rossia, REN-TV e em todos os demais grupos, há agendas diversificadas: um conselho editorial pode ter opinião diferente de outro, mesmo dentro da mesma empresa-imprensa-veículo.
Putin cumprimenta Poroshenko (Minsk, 26/8/2014) |
Em quarto, os interesses russos não devem ser tomados como se fossem idênticos aos interesses novorussos, assim como interesses das elites russas e novorussas não devem ser tomados como idênticos ou aliados dos interesses do povo russo e novorusso. Parece óbvio, mas senti a necessidade de declará-lo com todas as letras, porque qualquer acordo sobre o status final da Novorússia será o vetor resultante dos objetivos de vários e muito diferentes grupos de interesse, e quase com certeza será um compromisso que ninguém assinará levando tudo que deseja.
Isso posto, vejamos como tudo isso começou.
Como chegamos ao ponto em que estamos?
Há seis meses, todos os ucranianos do leste queriam:
(a) garantias para o seu idioma russo e
(b) autonomia fiscal. Isso, só isso, nada além disso.
Quanto à Rússia, a posição russa também era clara: uma Ucrânia unida e neutra, que respeitasse os direitos civis dos cidadãos. Nada que parecesse complicadíssimo, certo?
Quanto à oposição ucraniana, oficialmente desejava remover um governo controlado por oligarcas e assinar uma associação com a União Europeia. Aí, também, tudo simples e claro.
Se se pensa sobre esse quadro, havia aí, bem óbvio, um quadro de concessões simples: se elegeria um novo governo, não de oligarcas, que assinaria um acordo de associação com a União Europeia e que se comprometeria com dar proteção aos direitos civis de todos os ucranianos, inclusive direitos culturais e linguísticos dos ucranianos do leste. Yanukovich até ofereceu a Yatseniuk o posto de primeiro-ministro. Por que não aconteceu?
Porque o movimento de protesto foi completamente cooptado, sequestrado, manipulado, controlado, financiado, organizado e comandado pelos EUA, que usaram elites políticas da União Europeia e a imbecilidade de nazistas de sofá para obter mudança de regime e empurrar a Ucrânia para dentro da esfera de influência anglo-sionista. Queria uma Ucrânia economicamente explorada pela União Europeia e militarmente comandada como propriedade dos EUA, via OTAN. Esse plano estava centrado não só em separar a Ucrânia da Rússia e da união econômica com Bielorrússia, Cazaquistão, Armênia e outros, mas também em romper os laços econômicos entre Rússia e Europa (velho objetivo dos EUA desde a Guerra Fria, quando os EUA fizeram de tudo para impedir que a URSS vendesse gás para a Europa Ocidental).
Pode-se pensar nos doidos nazistas como equivalentes Ukies da al-Qaeda ouISIL: lunáticos pervertidos, assassinos, cheios de ódio, que literalmente não conseguem controlar as próprias emoções e o desejo de fazer mal ao próximo, espancar, assassinar, oprimir. Claro, sob pressão dos EUA, fizeram o possível para agir como gente sã e civilizada, mas vez ou outra não conseguiam, e as vezes repetiam-se e repetiam-se, daí as referências aos falantes de russo como “subumanos”, “não humanos”, o desejo da Timoshenko de usar bombas atômicas para exterminar os “amaldiçoados moskals”, a insistência visivelmente alucinada de impor o ucraniano como única língua e a recusa igualmente imbecilmente imutável de admitir qualquer tipo de federação.
Yulia Timoshenko arte: Josetxo Ezcurra |
Desnecessário dizer, logo que esses doidos assumiram o poder, imediatamente se puseram a fazer coisas fantasticamente estúpidas, leis provocativas, como a reautorização para divulgação de propaganda nazista, ou a rejeição do status de idioma oficial para a língua russa. Não surpreendentemente, o pessoal do leste enfureceu-se e concluiu, corretamente, que “os nazistas voltaram”.
Resultado disso tudo, criou-se uma dupla dinâmica: os doidos nos EUA (neoconservadores) ameaçaram diretamente interesses vitais essenciais da Rússia; e os doidos em Kiev (os neonazistas) ameaçaram diretamente interesses vitais essenciais da população do leste e sul da Ucrânia. Ao fazê-lo, não deixaram outra opção para o Donbass e a Rússia, além de reagir e responder diretamente àquele perigo.
Tudo isso é importante, porque o que foi feito não pode ser simplesmente excluído do mundo, ou desfeito. Os dois lados, Rússia e Novorússia estão agora num “modo de sobrevivência”, no qual só podem dar-se por satisfeitas com total ou quase total eliminação dessas ameaças vitais/existenciais. Em outras palavras, o projeto anglo-sionista do Império Norte-Americano E o experimento nazista dos Ukies têm de ser derrotados absolutamente e definitivamente; e têm de ser criadas condições que impedirão para sempre que reemerjam.
Onde estamos agora?
Primeiro, entendo que a Força de Repressão da Junta (FRJ, para abreviar) foi derrotada. Não estrategicamente (só porque têm imensa profundidade estratégica e ainda tem enormes recursos humanos e materiais), mas operacionalmente. Todos os sinais indicam que as Forças Armadas Novorussas (FAN) mostram cautela e não têm qualquer interesse em superestimar a própria mão e avançar demais rumo oeste, mas as coisas mostram-se muito boas para a Novorússia nesse momento.
Em segundo lugar, a Junta também já foi derrotada politicamente: se, no passado, o povo ucraniana tinha governo controlado por oligarcas, agora tem governo de oligarcas. E sabem disso. Além do mais, os nazistas mostraram a verdadeira cara (Odessa, Mariupol, o avião malaio MH17, mísseis balísticos e MLRS usados contra civis, com munição de fósforo branco e de fragmentação, etc.).
Terceiro, como se previa, a economia Ukie está em queda livre e, para todas as finalidades práticas, a indústria Ukie está morta. Chamaria a coisa toda de fracasso de pleno espectro, da Junta.
O Tio Sam não está se saindo muito melhor: a Crimeia foi-se para sempre; o Donbass também está perdido para ele, para todas as finalidades práticas; Putin é mais popular do que jamais antes; as tensões entre União Europeia e EUA estão no topo (as repúblicas Checa e Eslovaca anunciaram que vetarão quaisquer novas sanções contra a Rússia); e a junta em Kiev, fantoche dos EUA, perdeu completamente o controle sobre a situação.
Anders Fogh Rassmussen O Triunfo da Mediocridade arte: Josetxo Ezcurra |
A União Europeia, essa, danou-se gravemente. A recente eleição de Donald Tusk e Federica Mogherini para a presidência do Conselho Europeu e presidência da Comissão de Política Exterior da UE é, definitivamente, boa notícia, mas é pouco e chega tarde demais. A confusão que Catherine Ashton e Herman Van Rompuy geraram exigirá anos de esforços dolorosos, até ser saneada. Além desses, aquele outro doido, Anders Fogh Rasmussen, ainda à solta, sempre absolutamente doido e patético. Mas, por mais que Rasmussen e alguns outros políticos da UE insistam em soltar fogo (e conversa fiada) pelas ventas, a UE não tem estômago para mais sanções, menos ainda para guerra de sanções tão feia com a Rússia. Os russos sabem disso, e o que têm de fazer é esperar que o fruto amadureça (ou apodreça completamente) e lhes caia ao colo.
Haverá reunião de cúpula da OTAN semana que vem [está acontecendo] em Gales, na qual Obama e sua gangue de neoconservadores ativos na política externa tentarão furiosamente impor novas medidas anti-Rússia, apoiadas em muita gritaria “muito-macho” sobre como é urgente “deter” a “ameaça russa” e proteger a Europa, razões pelas quais a OTAN teria de ser reconhecida como absolutamente indispensável. Mais homens, mais armas, mais ameaças e, por último, mas não menos importante, mais dólares para o complexo industrial-militar dos EUA.
Mas não conseguirão impressionar a Rússia, e por uma razão simples: EUA e UE já vivem no ponto máximo possível de políticas anti-Rússia, e há muito tempo. De fato, as únicas políticas anti-Rússia que o Império Anglo-sionista ainda não adotou são as que o feririam mais do que feririam a Rússia. Dito de outro modo: doravante, qualquer sanção anti-Rússia adotada sempre ferirá mais os anglo-sionistas, do que ferirão a Rússia (mesmo que firam, é claro, também a Rússia). A conclusão é óbvia: o ocidente não tem, simplesmente, cacife para manter guerra sustentada de sanções contra a Rússia.
Herman Van Rompuy e Catherine Ashton O amor na incompetência (e haja mau gosto...) |
Ainda há perigo real lá fora
O problema com os anglo-sionistas é que são suficientemente arrogantes e estúpidos a ponto de sempre cogitarem numa variante da “Opção Sansão” dos israelenses: ataque total contra o inimigo, mesmo que implique derrubar o prédio todo sobre as próprias cabeças israelenses. Diferente de muitos analistas, não acho que os norte-americanos sejam realmente idiotas a ponto de iniciar deliberadamente guerra contra a Rússia, muito menos guerra nuclear, mas são arrogantes a ponto de se autoapresentarem como se estivessem “sob ataque”, do qual o único modo de safar-se seria usar força militar. São também capazes de criar situação militar tão extremamente perigosa, que qualquer mínima faísca desencadeará chuva de tiros (lembram a posição ensandecida da Marinha dos EUA no Estreito de Ormuz e no Estreito de Taiwan?). Os russos têm de manter-se absolutamente atentos a esse perigo e, assim, não devem assumir, de modo algum, que os norte-americanos sejam racionais ou prudentes. A história prova que são descuidosos e temerários, que sempre gostam de criar situações que possam levar a grandes guerras (exemplo perfeito disso são as políticas dos EUA para o Japão antes da IIª Guerra Mundial).
Examinemos agora as opções para a Novorússia
Já sabemos que o diabo vive nos detalhes, mas, basicamente, há duas principais opções para a Novorússia
(1) plena independência (de facto e de jure); e
(2) independência na prática (de facto e de jure).
Honestamente acredito que qualquer outra opção, mais ampla que uma independência de facto será simplesmente impossível de realizar. Os novorussos não viverão sob a polícia ou militares de Kiev, não pagarão a Kiev nada além de impostos apenas simbólicos, e quase com certeza absoluta não aceitarão qualquer limitação de seus direitos culturais, linguísticos e econômicos, incluído o direito de negociar diretamente com a Rússia. Entendo que essa opção seja tão improvável, sem longo, massivo banho de sangue, que sequer voltarei a considerá-la. Examinemos então as duas alternativas restantes.
Ukies capturados desfilam em Donetsk (24/8/2014) |
(1) Plena independência (de facto e de jure): Novorússia
Vantagens: Segurança – possibilidade de unir-se à Rússia ou assinar um tratado de mútua assistência, que incluiria implantar bases de forças russas na Novorússia. Assim haveria proteção ideal e máxima contra eventuais futuros ataques dos Ukies. Economia – nada de impostos a pagar a Kiev, possibilidade de associação com os russos, pelo acesso ao gigantesco mercado eurasiano, trabalho na indústria russa, direitos sociais pagos pelo estado russo (como parte do pacote de ajuda). A alegria de ter vencido e não precisar negociar com os doidos do oeste da Ucrânia. Plena, total des-nazificação.
Desvantagens: é posição maximalista, que nada concede aos doidos de Kiev e Washington, grandes dificuldades para obter reconhecimento internacional. Essa opção também deixa o resto da ex-Ucrânia em mãos dos anglo-sionistas e nazistas que passarão, em tempo integral, a sabotar, subverter e atormentar a vida dos novorussos. Há chance real de que essa via signifique deixar cidades e regiões como Odessa, Dniepropetrovsk, Carcóvia, Chernigov, Nikolaev e muitas outras que são parte historicamente russa da ex-Ucrânia, para seja qual for o regime que esteja no poder em Kiev. Haverá perigo militar constante: o atual ministro Ukie da Defesa prometeu fazer um desfile da vitória das forças Ukie em Sebastopol, acredite se puder. Imagine o que gente desse tipo terá a declarar sobre uma Novorússia independente. Problema-chave: essa posição maximalista não gera nenhum incentivo para levar Kiev a negociar.
(2) Independência na prática (de facto e de jure): “Ucrânia-versão-2”
Vantagens: A Novorússia já tem muito mais do que desejava há seis meses (ver acima). Preservando a ficção de uma Ucrânia unitária, essa solução deixa a todos uma via de saída honrosa, e os principais atores externos (Rússia, EUA, UE, ONU, Organização de Segurança e Coordenação da Europa – OSCE) podem assinar o acordo e serem declarados “avalistas”. Além disso, se a Novorússia for nominalmente declarada parte da “Ucrânia-versão-2”, o povo do leste da Ucrânia (que é a maioria mais rica, mais bem educada da população ucraniana) terá meios para contra-atacar e desafiar o governo dos nazistas em Kiev, e talvez sirva como base para derrubar o atual “Banderastão” e substituí-lo por sua “Ucrânia-versão-2”. Além do mais, uma Ucrânia unida estará em posição muito melhor para receber ajuda internacional, de que carece desesperadamente, além de dinheiro, para reconstruir o país. Considerando que, pelo menos inicialmente, os doidos nazistas permanecerão no poder em Kiev, pode-se ter certeza absoluta que de destruirão o pouco que ainda resta do “Banderastão” e que, mais cedo ou mais tarde, alguma mudança de regime, sim, acontecerá. Se o novo regime no poder for mais ou menos são, o leste da Ucrânia pode exigir que os responsáveis pelo estrago sejam julgados e que se forme algum tipo de comissão de “verdade e reconciliação”.
A Carcóvia também quer deixar o Banderastão |
Desvantagens: Há risco real de que o governo de Poroshenko seja derrubado e substituído por uma ditadura de Yarosh. Ou, então, o Banderastão Sul pode separar-se de Kiev e formar um “Kolomoiskistão”. Seja como for, o colapso do regime de Poroshenko pode sugar o Donbass para uma segunda fase da guerra civil, sem a possibilidade de a Rússia ajudar abertamente (não abertamente, claro, haverá ajuda). Até a possibilidade de vir a ser representado por doidos nazistas de Kiev ou de ver hasteada uma bandeira Ukie já provocaria náuseas nos sobreviventes que viram tantos morrerem em defesa da Novorússia. Além do mais, se o acordo não parecer sólido ou estável, em vez de retornar da Rússia para suas casas, número ainda maior de novorussos “votarão com os pés” e emigrarão para a Rússia. Hoje, até o povo da Crimeia continua nervoso, e políticos russos, entre os quais Putin, têm sido forçados a repetir e repetir que “não, dessa vez é para sempre, nunca os abandonaremos, não é coisa que tenhamos intenção de desfazer”. Se o pessoal da Crimeia continua preocupado com o próprio futuro, muito mais seguro, agora que são legalmente parte da Federação Russa, pode-se imaginar como se sente o povo Novorússia, no caso de se inventar algum tipo de “associação” com Kiev, mesmo que seja associação só formal.
Aí ficam esses poucos exemplos, dentre muitos outros possíveis, de vantagens e desvantagens das duas vias, de Novorússia a independente e de “Ucrânia-versão-2”.
Ideias minhas, pessoais e altamente especulativas
A opção que a Rússia prefere
Acho que a Rússia preferiria a opção “Ucrânia-versão-2”. Do ponto de vista da Rússia, tem muitas vantagens (dentre outras, a possibilidade de forçar essa “Ucrânia-versão-2” a adotar status completamente neutro, não alinhado). Como sempre digo, a Rússia não quer nem precisa da Ucrânia. O que a Rússia quer é uma Ucrânia estável, neutra e próspera, e não porque Putin e o resto do pessoal no Kremlin sejam santos ou ucranófilos, mas porque, simplesmente, consideram o melhor interesse da Rússia. O que a Rússia queria e do que realmente precisava, a Rússia já obteve: a Crimeia.
Aos que, entre vocês, sintam-se indignados ante a noção de que há interesse numa Novorússia menos que totalmente independente ou numa “Ucrânia-versão-2”, digo que duvido muito de que a Rússia possa impor esse tipo de resultado ao povo da Novorússia.
Alexander Zakharchenko |
Sim, não sou ingênuo, Zakharchenko e os atuais líderes novorrussos foram “coroados” em movimento para mudança de liderança apoiado por Moscou, o que significa que os laços entre eles e Moscou são muito estreitos, mas o verdadeiro poder de Zakharchenko & Cia. é que têm o apoio e o consenso da maioria dos novorussos, sobretudo dos que estão combatendo nas Forças Armadas Novorrussas (FAN). Nunca acreditei que a Novorússia pudesse “render-se” (embora às vezes tenha chegado a temer que acontecesse), e tenho certeza de que, se alguma espécie de “rendição” viesse a acontecer, a única força real na Novorússia – as FAN – impediriam que se concretizasse. E qualquer tipo de “rendição”, nesse caso, dispararia crise política severa para Putin.
Tudo isso, para dizer que, embora acredite que, se puderem escolher, Putin e seus assessores prefeririam uma Novorússia semi-independente de facto, mas não plenamente de-jure, dentro de uma “Ucrânia-versão-2” ligada internamente por laços frouxos, não acredito que eles queiram algum tipo de “rendição” ou que isso seria coisa que eles pudessem provocar: que garante a independência de facto da Novorússia não é Putin nem a Rússia, mas os militantes armados das Forças Armadas da Novorússia (FAN).
A opção preferida da Novorússia
E o que preferiria o povo da Novorrússia e, especialmente, as FAN?
Sinceramente não sei, mas acho que prefeririam a independência total. Ainda assim, a situação é complexa e há sólidos argumentos contra essa opção e a favor de uma “Ucrânia-versão-2” (assim como há argumentos muito sólidos contra uma Novorússia completamente independente e contra uma “Ucrânia-versão-2”).
Também se pode argumentar que agora não é a hora certa para escolher seja o que for. De uma parte, ninguém sabe quem estará no poder em Kiev dentro de bem poucos meses. O inverso está começando e os negócios de gás estão-se tornando gigantescos. Dependendo do que a OTAN decida ou não decida, uma das opções acima pode vir a ser escolher claramente muito melhor que a outra (imaginem, só, forças da OTAN em Kiev!).
Como dizem os franceses, temos de dar tempo ao tempo
Exemplos da Coreia, Chipre, Kosovo, Transnístria e tantos outros mostram que às vezes a única solução absolutamente não é solução. Os exemplos da Irlanda ou da Chechênia mostram que algumas soluções não estão entre as primeiras a serem consideradas. Além disso, quero acrescentar aqui que o real objetivo-final da Rússia na Ucrânia não é ficar com a Crimeia ou salvar o Donbass, mas conseguir real mudança de regime em Kiev. Essa é a única “opção” que, se realizada, realmente agradaria a Moscou e, se se mantém isso em mente, não é muito claro, aos meus olhos, que a total independência para a Novorússia seria o melhor caminho para chegar lá.
E ponderemos também a seguinte questão: o que é melhor para o povo da Novorússia, ser totalmente independente da Ucrânia ou conseguir real, duradoura mudança de regime em Kiev?
Putin joga "simultânea" com o ocidente |
Como no xadrez, o momento e a oportunidade também são peças cruciais sobre o tabuleiro do jogo. Os que ao longo dos últimos poucos meses só fizeram acusar Putin histericamente de traidor, que apunhalaria os novorussos pelas costas, simplesmente erraram na avaliação da importância do momento e da oportunidade, na estratégia.
Lamento dizer, não quero ofender ninguém, mas muitos, no ocidente, foram criados, educados e adestrados numa cultura de ação-reação instantânea, de respostas imediatas, sem pensar, como a perna que salta se se bate no ponto certo do joelho. Estão acostumados a só considerar opções que se possam alcançar no curto prazo. Mas a Rússia, e muito mais, a China, são muito diferentes do ocidente, nesse quesito. Nos dois casos, construíram-se aquelas nações imensas mediante avanços lentos, firmes e ininterruptos, não aos pulos e com empurrões de ação curta. E, embora os russos nas ruas possam talvez preferir solução rápida para o problema da Ucrânia, a turma do Kremlin, sobretudo ex-oficiais da inteligência, como Putin, compreendem perfeitamente que “o problema ucraniano” é antigo, tem algo entre 400 e 800 anos de idade, conforme seja definido (leiam aqui e aqui (ing.), se o assunto lhes interessa) e não será resolvido nuns poucos meses.
Tudo isso é especialmente verdade, se se considera que, hoje, a verdadeira causa, a força motora por trás da atual crise ucraniana, é o Império Anglo-sionista.
O objetivo real, “real”, verdadeiro de Putin (e de Xi Jinping!)
Como já escrevi aqui muitas, muitas vezes, o objetivo final real “real-mesmo” da Rússia nem é, só, mudança de regime em Kiev: é mudança de regime no planeta. Não há nenhuma dúvida para mim tampouco, que Rússia e China querem criar uma Nova Ordem Mundial, mas muito diferente da “pensada” por Bush, Fukuyama, Obama e o resto da gangue dos anglo-sionistas promotores do 1-por-centismo.
Rússia e China querem completa desconstrução do Império Anglo-sionista, querem des-dolarizar a economia mundial, querem uma ordem mundial multipolar na qual a lei seja respeitada, porque se assume que essa é a via mais proveitosa para enfrentar problemas. A Rússia vê o futuro no próprio Norte e na Sibéria; a China quer que sua economia se globalize, incluindo o Extremo Oriente da Ásia e a região do Pacífico, a África e a América Latina.
A Rússia também quer que América Latina e Ásia Central tenham papel mais importante, porque, sem esses continentes e regiões, não se pode falar de mundo realmente multipolar. Eu ainda acrescentaria que ambas, Rússia e China estão rejeitando o modelo civilizacional ocidental e seus dogmas chaves (não os listo aqui para não enfurecer ou ofender leitores recém-chegados, mas meus leitores mais antigos sabem do que estou falando) e que ambas aquelas nações buscam criar, não só uma ordem mundial diferente, mas uma diferente civilização.
Tudo isso é muito, muito maior que o Donbass e maior até que toda a Ucrânia. Sim, nesse momento no tempo, a linha de frente da guerra civilizacional global atravessa de lado a lado a Ucrânia, mas essa é só uma batalha, em guerra muito, muito mais ampla.
A julgar por algumas das coisas importantes e sugestivas que Zakharchenko disse naquela conferência de imprensa, que concedeu recentemente (já citada), tenho certeza de que ele compreende muito bem tudo isso. E não tenho absolutamente nenhuma dúvida de que Putin, sim, compreende.
Conclusão
A principal conclusão que espero que vocês extraiam do que escrevi acima é que não se deve saltar cegamente para as conclusões, e que se devem evitar grandes julgamentos avassaladores. Se os convenci de que estamos ante questão difícil, complexa, multidimensional, já estou satisfeito. Se eu receber outro dilúvio de frases-slogans a favor de um lado, ou a favor do outro, terei fracassado.
Como já escrevi, não tenho muita certeza de que alguém realmente saiba para onde tudo isso nos está arrastando. Por um lado, os Ukies e seus patrões ocidentais renegaram todos os compromissos que assinaram desde o outono, e não há motivo racional para esperar que passem a manter a própria palavra agora, caso aceitem assinar alguma coisa. É possível também que as negociações levem a lugar nenhum, e que o caos e a “somalização” da ex-Ucrânia prossiga.
Poroshenko, os EUA e a... Ucrânia |
Dia desses, Putin disse que “não importa onde os EUA envolvam-se, eles sempre obtêm o mesmo resultado: Líbia”. É verdade, e talvez umalibianização do Banderastão tenha de acontecer antes de que alguém caia em si. Ou talvez, e é horrível dizer isso, a situação está mais parecida com a da Chechênia em 1999, quanto tanta gente teve de ser morta, antes de se encontrar qualquer solução (infelizmente, nazistas e wahabistas têm em comum a evidência de que o único modo de lidar com eles é matá-los). Sinceramente, não sei.
Cuidemos então de manter um olho nessa situação inacreditavelmente fluida, complexa e perigosa, sem fingir que seria simples, com solução “óbvia”.
Permaneçam sintonizados. Como sempre, farei o melhor que consiga para mantê-los informados.
Saudações e muito obrigado,
The Saker
Redecastorphoto
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