Aparentemente os EUA desistiram da cidade curda. Críticos acusam Casa Branca de fracassar em sua estratégia para combater e destruir a milícia jihadista. Até o ex-presidente democrata Jimmy Carter pede mais iniciativa.
A emissora americana CNN citou altos funcionários próximos do presidente Obama, que acreditam que a cidade fronteiriça curda de Kobane, situada no norte da Síria, será tomada pela milícia terrorista "Estado Islâmico" (EI). O porta-voz do Pentágono John Kirby admitiu que "apenas ataques aéreos não vão salvar Kobane".
Também o general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, afirmou à cadeia de televisão ABC temer "que Kobane venha a cair", e não deu qualquer esperança aos combatentes sitiados. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, esclareceu nesta quarta-feira que a proteção de Kobane não é um objetivo estratégico dos Estados Unidos. Independente da crueldade dos acontecimentos no local, "os objetivos reais de nossos esforços são os centros de comando e a infraestrutura do EI", afirmou.
No entanto, juntamente com seus aliados, nos últimos dias as forças dos EUA têm intensificado enormemente os ataques aéreos em Kobane, porém sem conseguir deter o avanço do EI. Em tom atipicamente afiado, o Washington Postacusou os Estados Unidos de estarem "diante de uma derrota catastrófica, numa guerra que Obama começou com cuidado exagerado, restrições e autolimitações absurdas".
Estratégia errada?
Em contrapartida, Mike O'Hanlon, do think tankBrookings Institution, não vê os combates em Kobane e os parcialmente ineficazes ataques aéreos dos EUA como atestado de um fracasso. "O simples fato de que mais uma cidade vai cai, por mais trágico que seja, não é uma prova de que a estratégia esteja errada."
O especialista em Oriente Médio Jim Phillips, da conservadora Heritage Foundation, discorda dessa avaliação. Para ele, a estratégia de Obama "está a caminho do fracasso". Contudo ele também acrescenta que cabe esperar, para ver se os ataques aéreos "não acabarão tendo um efeito perceptível, especialmente depois de terem sido ampliados".
Por outro lado, para Phillips já está claro que as bombas sozinhas não alcançam o efeito desejado de combater e destruir o "Estado Islâmico". "Sem um melhor reconhecimento em solo, os ataques aéreos não terão um efeito decisivo, como a administração faz crer a muitos americanos." Ao contrário da situação no Iraque, porém, os EUA não dispõem na Síria das pré-condições para tal.
"Na Síria, é muito mais difícil operar, do ponto de vista estratégico, pois não há, em terra, aliados verdadeiros dos EUA que possam preparar e acompanhar os ataques aéreos", avalia o especialista. Embora a prioridade da atual estratégia dos EUA seja "definitivamente o Iraque", continua valendo a análise das Forças Armadas dos EUA de que "é crucial reduzir a disponibilidade de refúgio do EI na Síria, para que se possa ganhar no Iraque. As duas áreas estratégicas estão inseparavelmente interligadas", acredita Phillips.
Para O'Hanlon, essa ainda não é uma estratégia madura para a Síria. "Planejamos, quando muito, a formação de uma unidade de combate síria de 5 mil homens, num treinamento de 12 meses." Diante da superioridade do EI e da ainda poderosa força militar do presidente sírio Assad, isso não passa de um começo, na melhor das hipóteses. "Eu diria, então, que a estratégia ainda tem um forte caráter provisório. Na Síria, ainda temos um longo caminho a percorrer", observa o especialista da Brookings Institution.
Carter condena hesitação de Obama
Enquanto isso, os americanos temem que, apesar de todas as garantias do presidente, os EUA se envolvam mais uma vez numa guerra. "Será que a Síria será o Vietnã de Obama?", questionou recentemente o New York Times, num editorial em que se expressa os temores de muitos americanos. O jornal incentiva o presidente a manter a cautela, apesar de todas as rebordosas dolorosos e conselhos dos militares em contrário.
A contenção de Obama, intelectual mas também guiada pelo instinto, é criticada por privá-lo de opções importantes. Não só por republicanos como o senador John McCain, mas também por especialistas em Oriente Médio, como Jim Phillips.
"A Casa Branca ainda se recusa a considerar o uso de tropas em solo, argumentando que outros, como os rebeldes sírios moderados, podem preencher esse vácuo ", reclama Phillips. "Mas Kobane mostra bem claramente que somente bombas não evitam a expansão do 'Estado Islâmico'."
Também o ex-presidente americano Jimmy Carter se juntou ao coro de críticos, acusando seu sucessor de ter possibilitado possível a ascensão do EI, através de sua hesitação. Os meios de comunicação americanos comentam, com certa prepotência, que, no mais tardar agora é hora de Obama repensar sua estratégia de guerra, nesse momento em que até mesmo um político como Carter, caracterizado pela indecisão, pede mais determinação.
Responsabilidade dos outros
Os assessores de Obama atribuem a outros a responsabilidade pela ineficácia generalizada dos ataques aéreos sobretudo. Mike O'Hanlon critica que sejam sobretudo os Estados Unidos a arcarem com o fardo dos combates. "Está claro que a maioria dos países da Otan e dos aliados árabes não quer fazer muito", aponta, referindo-se também à Alemanha, que recentemente anunciara planos de futuramente assumir mais responsabilidades na política externa.
No entanto, a Turquia e seu presidente, Recep Tayyip Erdogan, é que estão atualmente no foco das críticas. De acordo com o Washington Post, a administração Obama responsabiliza a "inatividade turca" pelo sucesso continuado do EI. Seu chefe de Estado não conteve efetivamente o fluxo de combatentes estrangeiros na fronteira turco-síria nem coibiu os negócios de petróleo do EI em território turco.
"Infelizmente, Erdogan vê nos curdos sírios, muitos dos quais estão ligados ao PKK na Turquia, um perigo maior do que o 'Estado Islâmico'", afirma Jim Phillips, do think tankHeritage Foundation. Ele suspeita que nos bastidores estejam ocorrendo negociações entre Washington e Ancara sobre uma resposta eficaz a Kobane, e que Erdogan provavelmente vem exigindo demais: não só uma zona de exclusão aérea, mas também ataques aéreos contra o regime de Assad.
"A Casa Branca não quer ir tão longe. Ela gostaria de ter uma cooperação militar com a Turquia, sem expandir sua própria campanha militar contra as tropas de Assad", avalia. Ao mesmo tempo, Erdogan se apresenta como um crítico feroz de Obama, que "parece dizer que a estratégia de Obama está fadada ao fracasso".
Entretanto, as fontes de Phillips o informaram sobre a resposta da Casa Branca, que ele considera ainda mais preocupante: "Kobane está muito mais longe de Washington do que de Ancara. Se a Turquia consegue viver com a situação, então os Estados Unidos também."
DW/Defesa Net
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