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domingo, 30 de novembro de 2014

Acordo nuclear com Irã entra na zona de perigo

(Da esq. p/ a Dir) John Kerry, Philip Hammond, Sergei Lavrov, Javad Zarif, Frank-Walter Steinmeier, Laurent Fabius, Catherine Ashton e Wang Yi. Viena 24/11/1014).
No final, um acordo nuclear com o Irã foi abortado em Viena? É bom sinal? Ou melhor todos começarmos a rezar – e correr à procura de abrigo?

Os atores – o Irã e os P5+1 (os cinco membros permanentes do CS-ONU mais a Alemanha) – não só perderam o prazo final marcado para 24 de novembro de 2014; agora apareceram com dois novos prazos: um, dia 1º de março de 2015, para definir um etéreo “acordo de contexto” [orig. “framework agreement”]; e o segundo, em teoria, dia 1º de julho de 2015, para assinar o acordo final.

O P5+1 e o Irã estão negociando conforme o Plano de Ação Conjunta de novembro de 2013, em Genebra – que determina que se congelem alguns aspectos do programa nuclear iraniano, em troca do fim das sanções, mas só de algumas sanções, não de todas. Afinal, algumas daquelas sanções ilegais absolutamente nada têm a ver com o programa nuclear iraniano, e têm de ser levantadas pelo Congresso dos EUA.

Em termos geopolíticos, sete meses é uma eternidade. Os diplomatas iranianos esforçaram-se por não dar sinais de desânimo, insistindo em que o adiamento pode ser mal menor, considerando que não houve nem escalada retórica nem novas sanções.

Mas fato é que são mais sete meses em que as negociações permanecem expostas ao fogo aberto dos suspeitos (radicais) de sempre, os quais, em Washington são legião (todos os Republicanos, muitos Democratas, neoconservadores, os lobbies israelense e saudita, os setores chaves do complexo industrial militar).

Irã - Usina nuclear de Bushehr
Enquanto isso, no Irã, o comandante do Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos [orig. Islamic Revolutionary Guards Corps (IRGC), general Mohammad Ali Jafari, e o comandante das milícias Basiji, general Mohammad Reza Nagdi, criticaram não só as próprias negociações, mas também algumas das nações P5+1.

O que deu errado?

Os pontos chaves em discussão permanecem: quantas centrífugas o Irã poderá operar; a duração do acordo (o Irã aceita no máximo cinco anos; os EUA querem mais de dez); e o cronograma crucial para o levantamento das sanções (o Irã quer o fim de todas as sanções – das impostas pela ONU, pelos EUA e pela União Europeia – imediatamente; os EUA insistem em processo gradual e lento).

O objetivo chave também permanece: em primeiro lugar, a normalização entre Irã e EUA (o Muro de Desconfianças, que já completou 35 anos e lá continua), e também com a União Europeia. As relações entre Irã e Rússia/China são excelentes.

Pode-se bem argumentar que todo esse interminável drama é não problema, em primeiro lugar, porque o Irã – como até o festival de siglas das agências de inteligência dos EUA admitem – não tem programa de armas nucleares; Teerã usa o enriquecimento nuclear civil para gerar eletricidade.

O governo Obama passa a impressão de que o Irã pode ser “autorizado” a manter um programa nuclear civil que não possa ser convertido para finalidades militares, o que é propagandeado pelos EUA como gesto de bondade.

Imprensa-empresa ocidental

Mas não faz sentido algum que as recentes negociações em Omã e depois em Viena, culminando com sete ministros de Relações Exteriores discutindo na mesma sala, não tenham chegado a se acertar sobre qualquer detalhe, mesmo com a discussão já posta em linguagem palatável para a opinião pública em cada país.

Em Omã, para resolver a controvérsia das centrífugas, a Rússia ofereceu-se para guardar a maior parte do estoque iraniano de urânio processado. Foi remix de uma ideia ventilada há cinco anos. Moscou fez isso para viabilizar o atendimento às – justas – demandas de Teerã, combinado à promessa de que o programa nuclear iraniano poderia prosseguir.

Então, obviamente, os negociadores iranianos usaram a oferta russa para induzir Washington a ser mais realista. Já era então bem claro que Teerã não sacrificaria nenhum de seus direitos para obter algum acordo – baseada só numa vaga promessa de alívio em algumas das sanções.

Afinal, mês passado, o Líder Supremo Aiatolá Khamenei já havia publicado a lista de 11 itens da “linha vermelha” de Teerã. São os pontos não negociáveis – e a lista inclui o direito de manter o programa nuclear civil de pesquisas, e o direito de enriquecer urânio para finalidades civis.

Observadores bem posicionados em Teerã destacam que o presidente Rouhani é moderado de meio do caminho, que não venderá – ou não o deixarão vender – ao Tio Sam, a economia iraniana. Um daqueles observadores disse-me que:

Rouhani tem controle do que está acontecendo na economia; conseguiu controlar a inflação galopante. Em termos de reconciliação com o grande Satã, o chefe não permitirá que Rouhani faça qualquer acomodação à custa da segurança econômica, cultural e nacional, e dos direitos nacionais.

Fato é que algo saiu errado no domingo (23/11/2014), em Viena. Pela manhã, todos os atores falavam sobre detalhes finais, depois que vazou a informação de que mais de 90% do acordo estaria acertado. Então, ao final da tarde, começaram as “notícias”, nos EUA, de que haveria uma “extensão” no prazo das conversações.

Imprensa-empresa no Irã

Ninguém até agora vazou qualquer informação sobre o que matou o acordo, no último instante. Forte possibilidade é que tenha aparecido alguma “nova” demanda pelos EUA, e que nada teve a ver com a questão nuclear (há precedentes). Por exemplo, podem ter exigido, como nova condição para firmar o acordo, que o Irã suspenda o apoio que dá ao Hezbollah – concessão iraniana que poderia ser útil ao governo Obama, para vender o acordo em Washington.

No Capitólio, alerta vermelho

O que é certo é que quando os Republicanos assumirem o controle do Senado dos EUA em janeiro, será como o inferno se abrir. Todos e quaisquer aspectos de qualquer possível acordo serão incansavelmente bombardeados – porque a meta assumirá o corpo de um monstro bicéfalo: demonizar o Irã e, ao mesmo tempo, impedir que Obama, em final de mandato, obtenha uma vitória que seria a única, na política exterior, de seus dois mandatos como presidente.

Um mini-inferno já aconteceu, depois que vazou a carta que Obama escreveu a Khamenei sobre a possibilidade de uma cooperação não militar EUA-Irã, para lutar contra o Estado Islâmico (Daesh/ISIS/ISIL). A extrema direita norte-americana sempre verá Teerã como entidade “diabólica” que odeia Israel, apoia o Hezbollah, e al-Assad na Síria e que, portanto, merece sofrer mudança de regime.

Implica que o governo Obama já perdeu em Viena a última janela de oportunidades para fechar acordo seu. Se o Capitólio for bem sucedido na primeira metade de 2015 – e não se pouparão esforços! – fato é que a assustadora possibilidade-ameaça de ataque ao Irã estará de volta à mesa de negociações, se não durante o ocaso do governo Obama e durante a campanha eleitoral ao longo de 2016, com certeza quando a presidente-na-sala-de-espera Hillary Clinton assumir.

Integração Irã - Rússia - China
O Irã, é claro, não esperará sentado. Comércio, integração financeira e militar com ambas, Rússia e China, serão muito acelerados (para grande lástima de vastos interesses comerciais do ocidente). O Irã já encontrou um modo de escapar às sanções para exportar produtos de petróleo para China, Japão e Coreia do Sul. E Teerã e Moscou já acertaram todos os detalhes genéricos para um negócio de US$ 20 bilhões, de troca de petróleo por outros produtos.

Além de tudo isso, a “economia de resistência”, como Khamenei definiu-a para o Irã, continuará a descobrir novas vias para driblar o bloqueio financeiro – feroz e, mais uma vez, ilegal – que os EUA impuseram ao Irã.

Teerã sabe exatamente o que quer: preservar seu programa nuclear – direito do Irã, nos termos do Tratado de Não Proliferação, de que o país é signatário – e livrar-se por bem, do sórdido regime de sanções. Mas... e o que quer o governo Obama?

Mesmo considerando a lastimável confusão que é a doutrina de política exterior de Obama, que o próprio autor definiu como “Não faça merda coisa estúpida”, é justo assumir que Obama aceitará esfriar o caldeirão entre Irã e Arábia Saudita, sem tentar alterar o equilíbrio de poder.

E é aí que a coisa fica realmente saborosa: esse “esfriamento” no Oriente Médio permitirá que Washington redirecione as suas pegadas militares contra (e contra quem seria?!) Rússia e China. Verdade é que, e considerando a aterradora mediocridade da turma do “Não faça merda coisa estúpida”, a coisa aí permanece no campo do wishful thinking, puro delírio desejante.

Redecastorphoto

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