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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Após 70 anos, tártaros da Crimeia voltam a ter de resistir à pressão russa

O presidente da Rússia, Vladimir Putin (à esq.), se reuniu com o presidente da República Autônoma do Tatarstão, Rustam Minnikhanov, em abril. Na ocasião, Putin prometeu que consideraria a reabilitação dos tártaros (povo expulso por Stálin) da Crimeia, península ucraniana que foi tomada pela Rússia após a realização de um referendo, em fevereiro. Com população de 3,4 milhões de pessoas, o Tatarstão teve sua soberania declarada em 1990
É dia de casamento em Bakhtchissarai. Nesse 25 de outubro, sob um belo sol de outono, os casais e seus convidados se dirigem para o Hansaray, o soberbo e último palácio ainda de pé naquilo que foi, cinco séculos atrás, a capital cultura dos tártaros e sede do canado da Crimeia, a cerca de 30 quilômetros de Simferopol. Mas, por trás dos sorrisos, é visível a preocupação. Deportada para a Ásia Central em 1944 por ordem de Stalin, e de volta à sua terra ancestral após o fim da URSS em 1991, a pequena comunidade muçulmana turcófona (12% da população), vem sofrendo todo tipo de pressão desde a anexação da Crimeia pela Rússia.

"A União Soviética afundou (...) sobretudo em razão de sua incapacidade de integrar os diferentes povos de forma pacífica, preferindo usar a repressão (...). O futuro dos tártaros da Crimeia poderá servir de barômetro para o futuro da Rússia", critica Vladimir Rijkov em um artigo publicado na quarta-feira (5) no jornal anglófono "The Moscow Times". Ex-deputado da Duma de 1997 a 2003, esse opositor é uma das poucas figuras na Rússia a se comover com a situação deles.

As mesquitas foram revistadas e o Mejlis, a assembleia representativa dos tártaros da Crimeia, foi impedido de se reunir. Seu presidente, Refat Tchubarov, foi proibido de entrar na península por um período de cinco anos e mora na Ucrânia, assim como seu antecessor, adorado pela comunidade, Mustafa Djemilev, que se tornou membro do parlamento ucraniano em 1998.

Mais grave ainda, sete tártaros "desapareceram" desde o mês de março, segundo contagem de seus representantes, que culpam as milícias locais. Somente o corpo do primeiro, Rechat Ametov, de aproximadamente 30 anos, filmado por acaso enquanto era levado à força em um veículo, foi encontrado com marcas de tortura, a mais de 60 quilômetros de Simferopol. "Não sabemos nada dos outros. Os últimos desaparecimentos foram há algumas semanas", afirma Narimane Djelialov, vice-presidente do Mejlis, com seus olhos azuis emoldurados por óculos de armação fina.

As tensões surgiram logo depois que o Mejlis fez um apelo para que os tártaros da Crimeia não participassem do referendo de 16 de março que permitiu que a Rússia, não sem antes enviar tropas, se apossasse da península cedida à Ucrânia em 1954 por Nikita Kruschev. "Não é segredo para ninguém que os tártaros da Crimeia não aceitaram o que aconteceu", sussurra Narimane Djelialov.

As relações nunca foram boas entre a comunidade muçulmana e as autoridades ucranianas, muito pelo contrário, mas a volta para o seio da Rússia despertou um trauma profundo. Em maio, o 70º aniversário da deportação maciça dos tártaros foi interrompido bruscamente depois que milhares deles foram impedidos de encontrar Mustafa Djemilev na fronteira ucraniana. Os tártaros reagiram erguendo barreiras nas estradas. As prisões, as revistas e as condenações a pesadas multas vieram em seguida.

"Nossos pais sobreviveram à deportação e à guerra, então nós também aguentaremos", diz Diana Assanova, que coordena em Sebastopol uma associação de defesa da cultura tártara. Essa mulher de cinquenta e poucos anos, nascida em Samarkand, no Uzbequistão, mora desde 1992 no bairro de Gagarin, onde foram construídas as primeiras moradias "da volta". E, assim como ela, os tártaros da Crimeia estão tentando se adaptar. "Nós lhes dissemos que era preciso pegar o passaporte russo. Muitos nos criticaram por isso dizendo 'estamos nos rendendo ao ocupante', porque eles esperavam um retorno rápido para a Ucrânia, mas essa perspectiva está se tornando muito vaga", afirma Narimane Djelialov.

Serviço militar
"Nós somos obrigados a isso", admite com amargura Elzara Isliamova, diretora-geral do canal de televisão ATR, "o único canal de cultura tártara do mundo",  diz com orgulho. Criado há nove anos, o ATR continua a transmitir em três línguas, sendo 75% em russo, 15% em tártaro e 10% em ucraniano, mas seu futuro é incerto. O canal precisa ser regravado de acordo com a lei russa.

Exausta, Elzara Isliamova tem corrido atrás da burocracia: "Está sendo uma integração completa e muito rápida à Rússia. E a pressão tem aumentado. Alguns políticos nos descrevem como um canal de oposição". A ATR pertence a Lenur Islamov, um rico empresário tártaro, membro efêmero do novo conselho de ministros da Crimeia dirigido por Sergei Aksionov. Ele se retirou depois que as tensões começaram a aumentar, por instrução do Mejlis.

"Não há nenhum problema com os tártaros, nós somos todos defendidos pela lei e chegamos a lhes propor um programa de apoio", diz Sergei Aksionov, para quem "o Mejlis não existe: é um grupo de pessoas que se reúne." Quanto aos desaparecimentos, o novo homem forte da Crimeia se mostra evasivo: a polícia "está investigando". Sem sucesso.

Alguns tártaros, traumatizados com a ideia de que jovens possam cumprir seu serviço militar no exército russo, pensaram em deixar o território, mas poucos o fizeram. "É o que esperam de nós. Podem continuar esperando!", exclama Ahtem Chiygoz, presidente do Mejlis de Bakhtchissarai, sentado no Mustaphir, um restaurante que exibe a bandeira dos tártaros da Crimeia --um tridente amarelo invertido sobre um fundo azul, símbolo do canado de outrora.

Na última semana, o estabelecimento, que é de um sobrinho de Mustafa Djemilev, foi alvo de uma decisão de justiça ordenando seu fechamento por "não conformidade" com os planos da cidade. "O mais espantoso", diz Ahtem Chiygoz, "é que durante 25 anos pensamos todos os dias na ameaça russa. No final, os únicos que estavam se preparando para isso eram eles."

O Informante

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